A Criação dos Céus

 

Um sermão pelo Rev. C.R.Nobre

“No princípio criou Deus os céus...”

Gênesis 1:1

Meditemos nesta manhã sobre a criação dos céus.
A primeira idéia que nos ocorre é a de um tempo remotíssimo do Gênesis. Em imagens indefinidas, de alguma maneira contemplamos a grandeza da operação Divina, Sua mão se estendendo para expandir os elementos, ajuntá-los, dar-lhes nomes, segundo o relato bíblico.
Conforme o livro de Gênesis, os céus são criados primeiro e então a terra. Imaginamos, então, lugares paradisíacos sendo estabelecidos por Deus, a fim de pôr ali o homem que iria criar.
Mas sabemos que os relatos bíblicos são correspondenciais e por isso desejamos ir além de uma idéia tão material da criação dos céus. Então, como ou quando os céus são criados?
Se nos lembrarmos do que o Senhor Jesus falou, “na casa de Meu Pai há muitas moradas; vou preparar-vos lugar”, podemos propriamente deduzir que os céus não foram criados apenas num tempo remoto, mas estavam sendo criados ainda quando Jesus esteve no mundo para glorificar Seu Humano. E imaginamos: Como ele realizou essa obra? Será que essa obra já acabou? Estarão os céus já formados? Há sociedades prontas para as pessoas que para lá estão indo a cada momento?
Novamente, voltemos o pensamento uma definição mais adequada do que é o céu. Certa vez, o Senhor também falou: “O reino de Deus está dentro de vós”. Ele disse que não poderíamos, olhando em algum lugar, procurar fora de nós o reino de Deus. Tínhamos de voltar as vistas para dentro de nós. Em conformidade com essa palavra do Senhor nos Evangelhos, as Doutrinas Celestes prosseguem dizendo que: DE 5125. “Que o céu não é um lugar, mas um estado de vida. Todos os que chegam do mundo trazem consigo a opinião de que o céu está no alto, assim, num lugar. Por essa razão, dizem que querem ser elevados ao céu. Mas não sabem que o céu não é um lugar, mas um estado de vida, a saber, da vida do amor, da caridade e da fé; e que, embora apareça num lugar mais alto que os demais, o lugar é uma aparência. Eu vi alguns serem elevados ao alto, como muitos outros o fizeram de muitas maneiras. Mas, quando estavam lá, diziam que eram inteiramente como eram antes, e que nada viam; e então se perguntavam o que seria o céu.  Mas se o estado se muda para um estado bom, torna-se o céu naqueles em quem isto pode ser efetuado, na mesma proporção em que recebem o estado do amor. Alguns, quando estavam no alto, tiveram comunicação com anjos dali – pois que eram invisíveis, mas quando a comunicação acontece, eles aparecem por alguns momentos. Os maus foram então precipitados dali, de cabeça para baixo, pois se sentem como se o inferno estivesse neles mesmos, mais grave ou menos grave conforme o grau e a qualidade de seus males”.
Então, podemos chegar mais perto de uma resposta à nossa indagação. Como os céus são realmente criados? Dentro de nós. E quando isso ocorre?  Quando os estados celestes são implantados em nossa vida. Quando esses estados estão formados e existem no íntimo de uma pessoa, então existirá o lugar celeste à sua volta.
Aliás, não existe, em parte alguma dos céus, nenhum lugar que não tivesse sido formado assim. Cada lugar que os anjos habitam, todo lugar para onde vêm e vão, tudo o que seus olhos vêem, estão ali porque são correspondências de estados interiores neles. E esses estados interiores foram estabelecidos enquanto eles estavam na vida do mundo, em seus corpos naturais.
Chegamos a uma conclusão admirável: o céu é criado aqui, para poder existir depois lá. Os amores bons, justos, agradáveis, os sentimentos de caridade, benevolência e todos os outros sentimentos verdadeiramente humanos, são a matéria-prima com que o céu se forma dentro de cada indivíduo. E, se esses estados são verazes e permanentes, o céu estará no seu espírito até o dia em que possa, também, transbordar e se manifestar nos exteriores, nas coisas mais belas e agradáveis, que nenhum escritor pode descrever, nenhum pintor pode retratar. Porque o amor do Senhor e do próximo se expressam em tais formas e tais belezas que, como dizem os Escritos,  enchem a vista de encantos.
Tudo o que há, de mais belo, nos céus, foi um dia apenas um estado de sentimento do bem ou de pensamento do vero, aqui no mundo. Não existe nenhuma mágica, nenhuma transformação miraculosa: a vida nos céus é a continuação da vida de amor e fé que se tinha aqui, nos íntimos.
Paciência, honestidade, compaixão, humildade, porque são dons Divinos com o ser humano, se desabrocham lá em forma de cenários paradisíacos, na atmosfera agradável, em perfumes e sabores perfeitíssimos.
Portanto, a obra de criação dos céus não ocorreu à parte da participação do homem. O Senhor não fez nem terminou coisa alguma sem que cada anjo ali, quando homem, mulher ou criança, O tivesse ajudado. A obra de criação dos céus não foi numa época imemorial do passado, mas acontece agora, como ele disse na Palavra: (João 5:17) “E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”. O Senhor está criando os céus neste mesmo instante, dentro de cada um de nós. Seu Amor continua operando, por meio de Sua Verdade, para edificar em nós esses estados celestiais, em nossos íntimos, para que possam ser depois nossos lares, nossos leitos, nossas ocupações.
Pessoas que aqui viveram, cujo amor reinante foi o amor para com o Senhor e para com próximo, isto é, pessoas que punham a justiça e a verdade acima de seus interesses, essas pessoas, em seus afazeres diários, ajudavam, talvez sem que O soubessem, o Senhor e os anjos a formar para elas o seu céu. Pessoas que aqui tiveram nome, residência, necessidades, aflições, alegrias e dores, quando realizavam seu trabalho fazendo o melhor que podiam, pois era conforme a Justiça e a retidão, ou fugiam da mentira e falavam o vero, por causa da Verdade mesma, assim posta acima de seu ganho, seu interesse, e assim fazendo por causa do temor a Deus, são tais pessoas que são hoje anjos das inúmeras sociedades dos céus, porque os seus céus, as suas sociedades, as suas moradas, o Senhor formou, criou e fez no momento em que elas agiam com verdade e justiça.
Há, pois, sentimentos celestes, afeições do bem e do vero, com os quais o Senhor forma em nós os estados que serão, depois, lugares celestes à nossa volta. Essas afeições são todos os estados de inocência, de carinho, de amor mútuo e devoção, que são insinuados pelo Senhor, através dos anjos, em cada um de nós, desde a mais tenra infância, e são guardadas como tesouros preciosos para um tempo futuro, quando podemos ser regenerados. São como ovos em cujo interior há o embrião das beatitudes celestes. Sobre eles paira a Misericórdia de Deus até o tempo em que seja possível fazê-los voltar. Agora, madura e conscientemente, a pessoa deseja retornar a esses bens primordiais e deseja fazê-los reais, sua vida.
Mas há, também, toda sorte de males e falsidades que tentarão impedir que essa eclosão de estados celestes se realize. Há afeições infernais, antipatias, ressentimentos, ciúmes, desejos de vingança, altivez, acompanhados de astúcia, fraude e engano, que são como aves de rapina e répteis predadores, que devoram os filhotes recém saídos dos ovos. Como, no Apocalipse, o dragão estava pronto para devorar o filho que a mulher estava para dar à luz.
Por conseqüência, cabe a nós combater esses estados opostos, as sementes infernais, os males do amor de si e do mundo, com suas cobiças e raciocínios. Cabe-nos identificá-los e combatê-los, removendo-os para longe do centro de nosso desejo e nossa atenção. Porquanto devoram e aniqüilam tudo o que seria, em nós, o céu.
Duas coisas tão opostas como o céu e o inferno não podem estar juntos num mesmo lugar, nem podem ocupar o mesmo espaço. Se não removermos de nós o mal, porque é do diabo e vem do diabo, não haverá lugar para o estabelecimento do bem que é de Deus e vem de Deus. E se o céu não puder ser implantado dentro de nós, em nossa consciência e nossos pensamentos, nunca poderemos ser aceitos nos céu, pois então este será um lugar inóspito, visto que os prazeres dos céus foram coisas estranhas e desconhecidas por nós. 
Lemos no livro O Céu e o Inferno 398:  “Os prazeres do céu são inefáveis e são também inumeráveis. Mas desses prazeres inumeráveis não há um só que possa ser conhecido nem acreditado por quem estiver só no prazer do corpo ou da carne, pois os seus interiores, como acaba de ser dito, são orientados para o mundo, assim para baixo. Pois quem está inteiramente entregue ao prazer do corpo ou da carne ou, o que é a mesma coisa, está entregue ao amor de si e ao amor do mundo, só experimenta prazer nas honrarias, no lucro e na voluptuosidade do corpo e dos sentidos, que extinguem e sufocam, os prazeres interiores que pertencem ao céu, de sorte que não crê que eles existam. Tal pessoa ficaria muito admirada se lhe dissessem que há prazeres fora das honrarias e do lucro e, ainda mais, se lhe dissessem que os prazeres do céu, que os substituem, são inumeráveis e tais que os prazeres da carne e do corpo não podem ser a eles comparados. Por esse fato, vê-se claramente porque se ignora o que é a alegria celeste”.
As afeições celestes, quando estão para serem implantadas, ou também, as relíquias, quando estão sendo evocadas, são muito frágeis, porque ainda não têm base em nossos atos nem se tornaram ainda nossos hábitos. São, talvez, tão frágeis como bolhas de sabão nas mãos de uma criança. Basta um simples gesto de má vontade de nossa parte, uma atitude de indiferença, de negativismo, para que esse começo de vida celeste se dissipe e, conseqüentemente, a vida oposta, dos infernos, fique cada vez mais arraigada.
Se, no entanto, estivermos atento e soubermos reconhecer as coisas que, em  nós, estão sendo empecilho; e se tivermos a determinação e a coragem necessárias para removê-las, então as afeições celestes insinuadas pelos anjos terão lugar em nossa alma. Será como um canteiro que limpamos das ervas daninhas, para que o Semeador celeste transplante ali uma plantinha ainda tenra, mas que pode vir a se tornar em grande árvore. Então, o que era antes comparado a uma bolha de sabão, torna-se a princípio como um cristal e, na eternidade, como um diamante, a mais resistente das pedras.
Os céus são não somente criados assim, por meio das afeições de amor e verdade dentro de nós, mas também estão baseados nelas. Os anjos nos céus não estão mais nas idéias materiais que tiveram no mundo. As idéias materiais de seus pensamentos são agora, as idéias materiais de homens, mulheres e crianças da Igreja do Senhor nas terras. Os atos bons e as palavras verdadeiras, os sentimentos e os pensamentos  da caridade e da fé que os cristãos fiéis cultivam são a base da vida dos anjos. Estes, por sua vez, produzem, pelo Senhor, a inspiração daqueles estados nas pessoas e os nutrem, para que cresçam e se fortaleçam cada vez mais. Existe, por este intermédio, uma interação vital entre a Igreja na terra e as sociedades nos céus, na qual cada parte serve a outra parte e todos visam ao Senhor.
Assim o Senhor cria os céus. E assim participamos dessa obra, oferecendo-Lhe nossa cooperação. Porque os céus, para cada um de nós, podem estar sendo criados agora mesmo, em nossos íntimos, conforme nossa fé e nossa vida. São o ambiente que se forma e se expande, em nossas mentes e corações, todas as vezes que nos deixamos guiar pelo Senhor. Pois os céus, o reino do Senhor, estão dentro de nós. Que o Senhor nos permita lembrar sempre disso. Amém.

João 14:1-7.
CI 398