Contribuições para a Igreja

 

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

 

"Trazei todos os dízimos à casa do tesouro,
para que haja mantimento na minha casa"

Malaquias.3:8

Durante os quinze anos em que tenho pregado deste púlpito até o dia de hoje eu evitei propositadamente falar a respeito de contribuições financeiras feitas à Igreja.  Fui motivado por alguns escrúpulos pessoais e não por alguma orientação doutrinal. Mas, com essa atitude, hoje vejo que perdi a oportunidade de trazer aos irmãos ensinamentos necessários sobre o significado dos dízimos e das ofertas mencionados na Palavra, e do que eles representam para nós hoje.
Se por um lado eu me poupei de possíveis mal-entendidos, por outro lado deixei de prover à congregação a necessária doutrina quanto aos nossos deveres, como membros, para com as necessidades materiais da Igreja, ou, melhor dizendo, da Sociedade Religiosa de que fazemos parte.
Hesitei muito em escrever este sermão, temendo correr o risco de não saber expressar com clareza meu melhor entendimento da Palavra. Se não conseguir demonstrar na luz meu entendimento do que a Palavra ensina, serei mal compreendido e terei esta prédica examinada a partir de um julgamento simplista, e tida como um mero pedido de dinheiro. Não é o que pretendo dizer.
Tenho consciência de que em nosso país existem religiões e líderes religiosos cujo tema da pregação é eminentemente o dinheiro. Tanto oferecem a prosperidade material aos seus seguidores quanto arrancam deles quantias cada vez maiores para satisfazerem suas próprias cobiças.
Por causa isso, há o risco, sim, de alguém abordar hoje de uma forma sã o tema das finanças na Igreja e ser por isso tido como um daqueles líderes exploradores com suas práticas reprováveis. Eu, particularmente, sem sequer ter jamais abordado este assunto, já ouvi várias vezes críticas aviltantes quanto à minha função de pastor, sendo comparado aos que no mundo lá fora praticam tais abusos.
No entanto, vi-me num dilema: falar sobre a questão financeira e a Igreja e vir a ser antipático por isso; ou me calar sobre isto com o fim de ser agradável aos irmãos e assim me poupar de tais críticas. Esta última tinha sido minha escolha inconsciente até agora. Em decorrência disso, este assunto tornou-se um tabu entre nós, porque nós mesmos fizemos dele um mito e criamos uma barreira em torno dele, a fim de nos defendermos de eventuais julgamentos do mundo.
Mas chega o momento em que vemos que as necessidades da igreja precisam sem supridas de modo mais efetivo. E, principalmente, a congregação precisa alcançar uma compreensão madura e racional a respeito do sentido, dos benefícios e dos usos de se trazer oferendas à casa do Senhor.
Assim, assumamos o risco de sermos criticados por fazermos o que é certo, e procuremos tirar da Palavra e de sua Doutrina espiritual verdades que esclarecerão nossas mentes e nos darão posições sãs e firmes sobre este assunto. Aqueles que nos conhecem melhor saberão nos julgar à luz clara da verdade e com a devida sensatez.

 

O reino do Senhor na Terra é a Igreja. Ela é o próximo a quem devemos amar acima da pátria, porque a Igreja cuida do uso maior, a salvação das almas humanas para a vida eterna. E todos os negócios terrenos referentes à Igreja estão sujeitos às condições materiais. Em sua expressão externa, a Igreja tem necessidades que precisam ser atendidas, porque sem elas a Igreja não pode cumprir os usos para que existe.
Contribuir para a Igreja não é apenas um dever de consciência: é um mandamento, como lemos em Deuteronômio 26. Rico ou pobre, velho ou moço, todos nós temos a responsabilidade de zelar pelas expressão externa do reino de Deus, e cooperar com nossos esforços para que prospere a obra de salvação das almas. Este é o uso mais nobre a que podemos destinar nossos recursos.
Nos tempos do Antigo Testamento, o dever da contribuição foi claramente ensinado ao povo em muitíssimas passagens da Palavra, as quais exortavam a todos a que obedecessem ao Senhor e trouxessem dízimos e ofertas diversas para uso do culto e do templo.
Os dízimos eram uma contribuição obrigatória que incidia sobre virtualmente todos os ganhos do povo judeu. Cada um devia trazer a décima parte de tudo quanto produzisse sua profissão, seu campo, seus animais e suas rendas. Não era o que restasse, mas as primícias, os primeiros frutos, os animais perfeitos, os melhores, deviam ser separados e oferecidos a Deus. Tudo que eles alcançassem com o seu trabalho, deviam converter em frutos, manjares ou animais e trazer para serem oferecidos no altar. Os dízimos eram considerados com santidade: "No tocante a todas as dízimas do gado e do rebanho, tudo o que passar debaixo da vara, o dízimo será santo ao SENHOR. Levítico 27:32"
Além dos dízimos, traziam várias formas de oferendas: ofertas pacíficas, ofertas voluntárias, ofertas alçadas. Tudo isto fazia parte de seu culto.
A obrigação de contribuir e o zelo com que deviam fazer isso eram observados com grande rigor, a tal ponto que, se alguém deixasse de oferecer o dízimo, era considerado como se estivesse roubando do Senhor, como lemos em Malaquias 3:8,9: "Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas;  Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda esta nação".
Não obstante todo esse rigor, a determinação dos dízimos não lhes parecia uma obrigação pesada, pois não havia dúvidas para eles que, ao trazerem dízimos, estavam somente devolvendo a Deus toda a riqueza com que o Senhor os tinha abençoado. Porque de fato eles se tornavam cada vez mais ricos, mais do que os outros povos à sua volta, e possuíam uma terra de fartura, já que a Palavra de Deus fazia claramente uma relação entre o dízimo trazido e a riqueza recebida em retribuição: Mal 3:10-12: "Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes. E por causa de vós repreenderei o devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide no campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos. E todas as nações vos chamarão bem-aventurados; porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o SENHOR dos Exércitos".
O povo sabia, por certo, que Deus não necessitava de suas riquezas, mas queria a sua obediência, e contribuir com o melhor que tinham era a maior demonstração de obediência que poderiam dar, porquanto essa contribuição implicava renunciar os seus interesses em primeiro lugar em favorecimento das coisas de Deus. Aprendiam a colocar os mandamentos Divinos acima de suas próprios vontades, e por isso eram abençoados.
Eles bem sabiam que Deus não comia o pão, o trigo, o mosto e a rês que eles traziam. Eles sabiam que o dízimo não era para ser estocado no templo, nem para encher a casa do tesouro, pois eles mesmos comiam daquilo que era oferecido, também o davam aos sacerdotes, e depois era distribuído aos pobres, estrangeiros, órfãos e viúvas.
Das ofertas trazidas, uma parte determinada era para o sacerdote Arão e seus filhos (Lev. 7:35; Núm. 18:11); eles as comiam diante do Senhor, como coisas santíssimas (Lev 10:12); os dízimos e as ofertas alçadas eram para eles a sua herança (Num 18:21, 24). E eles tinham de dar o exemplo, dando o dízimo dos dízimos (Ne 10:38). Havia tesoureiros eram encarregados de depois distribuir o que ficasse aos necessitados (Ne 13 1,3).
Lemos em Deuteronômio: "12:17-19: "Dentro das tuas portas não poderás comer o dízimo do teu grão, nem do teu mosto, nem do teu azeite, nem os primogênitos das tuas vacas, nem das tuas ovelhas; nem nenhum dos teus votos, que houveres prometido, nem as tuas ofertas voluntárias, nem a oferta alçada da tua mão.  Mas os comerás perante o SENHOR teu Deus, no lugar que escolher o SENHOR teu Deus, tu, e teu filho, e a tua filha, e o teu servo, e a tua serva, e o levita que está dentro das tuas portas; e perante o SENHOR teu Deus te alegrarás em tudo em que puseres a tua mão.  Guarda-te, que não desampares ao levita todos os teus dias na terra".
Tanto era claro para eles que o dízimo era um mero sinal de sua gratidão, que, quando moravam muito longe e não podiam vir ao lugar do culto, podiam fazer lá mesmo uma festa e comer do dízimo com alegria, pois isto era o culto a Deus.
Por conseguinte, os judeus não viam o dízimo, de maneira nenhuma, como um peso ou uma imposição a que estivessem sujeitos a contragosto. Ao contrário, eles vinham nisso um compartilhamento de bênçãos e de alegrias por Deus concedidas. Pois o sentido do dízimo estava claramente identificado no modo como deviam ofertar e nas palavras que deviam dizer ao trazê-lo: De. 26:11 E te alegrarás por todo o bem que o SENHOR teu Deus te tem dado a ti e à tua casa, tu e o levita, e o estrangeiro que está no meio de ti. 12  Quando acabares de separar todos os dízimos da tua colheita no ano terceiro, que é o ano dos dízimos, então os darás ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, para que comam dentro das tuas portas, e se fartem; 13  E dirás perante o SENHOR teu Deus: Tirei da minha casa as coisas consagradas e as dei também ao levita, e ao estrangeiro, e ao órfão e à viúva, conforme a todos os teus mandamentos que me tens ordenado; não transgredi os teus mandamentos, nem deles me esqueci; 14  Delas não comi no meu luto, nem delas nada tirei quando imundo, nem delas dei para os mortos; obedeci à voz do SENHOR meu Deus; conforme a tudo o que me ordenaste, tenho feito. 15  Olha desde a tua santa habitação, desde o céu, e abençoa o teu povo, a Israel, e a terra que nos deste, como juraste a nossos pais, terra que mana leite e mel.

 

Houve uma  razão espiritual para o dízimo ter sido instituído na Igreja Israelita e Judaica. O dízimo, que quer dizer décima parte ou 10, representa o todo. Trazer o dízimo representava, pois, que se estava oferecendo todas as coisas de sua vida a Deus. E oferecer todas as coisas a Deus quer dizer atribuir a Ele todo bem, sujeitar a Ele todas as situações, submeter-se ao Seu governo em todas as circunstâncias, deixar sob Sua direção todos os nossos desígnios. Numa expressão, confiar todas e cada uma das coisas de nossas vidas à soberania Divina. Porque Ele é o Senhor e Rei e nós somos Seus servos; todos os bens de que dispomos não são realmente nossos, mas foram-nos confiados por Ele para que, como mordomos fiéis, possamos dar aos bens o uso digno, para nosso próprio benefício e para benefício de nosso semelhante e do reino do Senhor.
É evidente que os judeus, sendo então de um caráter externo e quase infantil, não poderiam alcançar a compreensão deste significado espiritual do dízimo e das oferendas trazidas a Deus. Por isso, pedia-se-lhes apenas que cumprissem estritamente o ritual externo de trazer a oferta, por mera obediência, porque os anjos nos céus veriam naquele ato de obediência a devoção de se sujeitar todas as coisas à direção Divina. Trazer um cordeiro do rebanho para o sacrifício era, para o judeu, um ato externo de cumprir um mandamento, mas para o anjo associado ao culto isto significava atribuir a Deus toda a inocência, que era representada pelo cordeiro.
Assim era com todas as demais coisas do rito judaico. Eles estavam nos externos, enquanto os internos eram supridos pelos anjos que lhes eram adjuntos pelo Senhor. Desta maneira era que a Igreja na terra e nos céus faziam pelas correspondências um só reino do Senhor.
Quando, porém, o Senhor veio ao mundo, os rituais representativos do culto foram abolidos. A Igreja que Ele então formou, a Cristã, já poderia ir além do mero rito externo e penetrar um pouco mais na razão e no sentido das ordenanças. Então, o Senhor aboliu para o cristão a obrigatoriedade do rito simbólico do dízimo, mas interiorizou o seu significado. O cristão poderia compreender que o Senhor quer a misericórdia e não os holocaustos. Que o Senhor quer reinar dentro de cada um de nós, e, assim, administrar todas as coisas que nos pertencem propriamente, tanto as de nosso caráter quanto as nossas posses externas. Os cristãos poderiam já compreender que o que deviam oferecer era sobretudo as suas vidas, suas mentes e seus corpos, integralmente, como um sacrifício verdadeiro e racional a Deus.
Mais tarde, quando o Senhor finalmente abriu os interiores da Palavra e desvendou as Doutrinas Celestes para uma Nova Igreja, que será espiritual, pôde-se compreender com clareza que o dízimo significa dedicar a Deus todas as coisas de nossas vidas. Por isso, devemos entregar a Ele todos os aspectos de nossa personalidade, submeter ao Seu governo todas as áreas de nosso interesse. Devemos atribuir a Ele todos os bens que porventura fizermos ou tivermos, para que Ele nos dirija no melhor uso desses bens; e não só as coisas boas, mas todas as coisas devemos submeter a Ele: nossos aspectos negativos, nossas falhas, nossos erros e imperfeições, sem reservas, para que Ele os corrija e assim nos restaure, fazendo-nos novas criaturas. Para nós, na Nova Igreja, o dízimo não é mais a mera obrigação material, mas um reconhecimento de que devemos atribuir ao Divino todas as coisas: as boas, são de Sua Providência e Sua vontade amorável para conosco; e as más que Ele não pode evitar, são de Sua Permissão, pois através delas Ele visa nosso bem futuro.
Assim, o que era obrigação externa e ritualística para os judeus, tornou-se atitude racional e voluntária para os cristãos. Não existe mais para a Igreja Cristã o rito da Lei judaica. No entanto, os compromissos permaneceram os mesmos para os membros de uma e outra igrejas, porque, assim como a Igreja Judaica, a Igreja Cristã está baseada num mundo natural; tem um aspecto externo que precisa ser mantido e preservado em ordem; tem suas necessidades, seus usos a cumprir e seus encargos, os quais só podem ser atendidos mediante a boa-vontade e a generosidade dos membros que a compõem. As necessidades materiais são tão materiais como eram as dos judeus há três mil anos. Os indivíduos que se responsabilizam pelos usos eclesiásticos são tão humanos como naquela época; os pobres necessitam tanto quanto os daquela época. A diferença fundamental é que o judeu era zeloso pela lei por causa da recompensa material imediata, enquanto o cristão deve ser zeloso por uma afeição espontânea para com o reino de Deus, e a recompensa que visa é espiritual em seu seio.
Ao cristão, o Senhor ensinou, portanto, uma nova forma de contribuir para com as necessidades da Igreja e dos usos que a Igreja presta. Ele disse: Mt 6:1-4:  Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus.  Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão.   Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita;  Para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente.
Aqui, Ele ensina que a contribuição não deve ser feita com o pensamento da recompensa. O judeu baseava-se em passagens como a do profeta Malaquias, entendendo que o dízimo era uma espécie de troca, de retorno imediato: dava a oferta, e recebia a bênção material. O cristão, como o Senhor ensinava agora, não devia dar com o intento da recompensa ou de alguma retribuição, mas haveria para ele algo íntimo, que é o prazer de ser útil que se sente quando se tem o privilégio de pôr-se e aos seus bens aos serviços de Deus. É esta a alegria do céu, como lemos no livro "Amor Conjugal": "É o prazer de fazer algo útil a si mesmo e aos outros". É o deleite inerente a todo bem genuíno que se pratica como por si mesmo, mas sabendo-se que se fez por Deus.
"Quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita". A "mão esquerda", como todo o lado esquerdo do corpo, refere-se ao entendimento; a mão direita refere-se ao bem. Não saber a mão esquerda o que faz a direita quer dizer, portanto, que a oferta ou todo benefício feito, não deve ser matéria de cogitação d entendimento humano, dos raciocínios, do pensamento de medir, de contar e de se numerar o bem que se fez. Antes, deve proceder, sim, da afeição do bem, do desejo de ser útil sem se medir as próprias forças e a própria capacidade, pois é o Senhor quem as dá.
Todo bem que fizermos deve proceder do íntimo de nossos melhores sentimentos, sem quaisquer considerações externas, ainda menos do pensamento de algum eventual prejuízo que possa nos advir por termos nos submetido ao governo do Senhor. "Se fizermos o bem de acordo com nossas habilidades e capacidades, com desprendimento e independentemente de nossa própria satisfação ou recompensa, nosso Pai celestial nos dará um deleite que todo habitante dos céus tem em seu seio, o deleite e a bem-aventurança do céu".

 

Pelo que podemos ver em toda a Palavra, como por algumas das passagens citadas aqui, a contribuição para com os usos da Igreja, desde os tempos antigos, implicava na contribuição para com os carentes que, com a devida prudência, a Igreja socorria. É lógico que não cabe à Igreja resolver as questões sociais, o que é incumbência dos governos civis; mas esta posição não pode ser argumento para eximir o membro da Igreja de atentar para as necessidades do irmão ao seu lado. Vimos em Deuteronômio 26:12: ¶ Quando acabares de separar todos os dízimos da tua colheita no ano terceiro, que é o ano dos dízimos, então os darás ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, para que comam dentro das tuas portas, e se fartem. E também, no mesmo livro (15:9):  Guarda-te, que não haja palavra perversa no teu coração, dizendo: Vai-se aproximando o sétimo ano, o ano da remissão; e que o teu olho seja maligno para com teu irmão pobre, e não lhe dês nada; e que ele clame contra ti ao SENHOR, e que haja em ti pecado. 10  Livremente lhe darás, e que o teu coração não seja maligno, quando lhe deres; pois por esta causa te abençoará o SENHOR teu Deus em toda a tua obra, e em tudo o que puseres a tua mão. 11  Pois nunca deixará de haver pobre na terra; pelo que te ordeno, dizendo: Livremente abrirás a tua mão para o teu irmão, para o teu necessitado, e para o teu pobre na tua terra".
É muito claro que esta ordenança tem um sentido espiritual que deve ser observado, ou seja, o "pobre" aqui representa aquele que é destituído de bens e veros, assim como "o órfão, o estrangeiro e a viúva", que representam as diversas condições de pessoas que estão nos bens, isto é, no desejo de servir a Deus e fazer o bem, mas não têm a riqueza dos conhecimentos espirituais da fé. Atender a estes é, espiritualmente, dar-lhes a instrução doutrinal de que necessitam.
No entanto, a ordenança também tem o seu sentido natural que deve ser cumprido e que, neste caso, se faz pelo donativo também do pão e da roupa materiais. Seria muito conveniente tentarmos cumprir estas instruções da Palavra apenas em seu sentido espiritual, mas isto seria inútil e vazio, visto que o amor ao próximo expresso no interior não teria a base material da ação em que se sustentar. Seria como lemos em Tiago 2:15,16: "E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, E algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?"
De acordo com isto é que temos, na obra Verdadeira Religião Cristã, que existe a caridade mesma (que "é agir com justiça e fidelidade no cargo, no trabalho e na obra"), existem os benefícios da caridade (que consistem em dar aos pobres e em socorrer os indigentes, com prudência); e existem as dívidas da caridade, que são coletas para a conservação da Pátria, para sua defesa, e para a Igreja". (VRC 422-432).
Em razão, pois, do que está na letra da Palavra, como em Mateus 5:42: "Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes"; como em Zacarias 7:9-10:  "Assim falou o SENHOR dos Exércitos, dizendo: Executai juízo verdadeiro, mostrai piedade e misericórdia cada um para com seu irmão. E não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre, nem intente cada um, em seu coração, o mal contra o seu irmão". Como no Salmo 41:1 "Bem-aventurado é aquele que atende ao pobre; o SENHOR o livrará no dia do mal". Como nas obras apostólicas desde os primeiros tempos da Igreja Cristã, (em Tiago 1:27):  "A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo", e como está nas Doutrinas Celestes da Nova Jerusalém, não há como separar estas duas coisas: praticar a caridade real e atentar para as necessidades do próximo, seja ele um indivíduo, seja ele a sua expressão maior, o Reino de Deus. Não se pode ser cristão sozinho, à parte do mundo à nossa volta, pois a vida cristã é o exercício do uso, é a prestação de serviços altruísticos ao semelhante.
Por conseguinte, a contribuição para com os usos da Igreja, em todas as suas expressões e em todos os tempos, é justa, é digna, é nobre. É correto o zelo pelo sacerdócio, porque diz a Palavra que "digno é o trabalhador de seu salário", e a Igreja do Senhor na terra não pode ser estabelecida e mantida sem pessoas que zelem pelos seus usos e administrem com fidelidade os negócios eclesiásticos e promovam a sua divulgação.
É igualmente correto o zelo pelas necessidades dos estrangeiros, órfãos e viúvas. Não existe, portanto, nada de indigno ou vergonhoso em que se façam contribuições para que tais usos sejam promovidos ou, pelo menos, mantidos em suas necessidades mais básicas.
Compreender isto é nosso dever, mas fazer isto é imperioso a todos nós, qualquer que seja nossa situação. Os sacerdotes davam o exemplo, porque, quando recebiam sua parte dos dízimos, devolviam o dízimo dos dízimos. E mesmo os necessitados, tinham também de contribuir, conforme sua capacidade. Levítico 14:21  Porém se for pobre, e em sua mão não houver recursos para tanto, tomará um cordeiro para expiação da culpa em oferta de movimento, para fazer expiação por ele, e a dízima de flor de farinha, amassada com azeite, para oferta de alimentos, e um logue de azeite". O dever era igual para todos, embora cada um o cumprisse conforme sua condição, como lemos também em Êxodo 30:15:  "O rico não dará mais, e o pobre não dará menos da metade do siclo, quando derem a oferta alçada ao SENHOR, para fazer expiação por vossas almas".
Não deve haver mais, como na Igreja Judaica, a obrigatoriedade da lei nem a imposição dos números representativos dos dízimos, a décima parte. Mas deve haver uma disposição tal que se queira oferecer a Deus toda a sua vida. Se houver essa disposição sem reserva, o Senhor tocará em nossa consciência quanto à nossa responsabilidade e nos levará a fazer a contribuição que deve ser feita. Se for muito, não importa quanto, será pelo Senhor; se for pouco, também não importa quanto, é também por Ele. Porque a medida agora não é mais externa, do entendimento, mas a do coração.
O "pouco" e o "muito" de um donativo são valores relativos, e não representam absolutamente coisa alguma para Deus, pois Ele vê em secreto a intenção do doador. É como lemos em Lucas 21:1  E, olhando ele, viu os ricos lançarem as suas ofertas na arca do tesouro; 2  E viu também uma pobre viúva lançar ali duas pequenas moedas; 3  E disse: Em verdade vos digo que lançou mais do que todos, esta pobre viúva; 4  Porque todos aqueles deitaram para as ofertas de Deus do que lhes sobeja; mas esta, da sua pobreza, deitou todo o sustento que tinha".
Portanto, o compromisso e o zelo pela casa de Deus e os seus usos devem ser compartilhados e sentidos por todos. Se pensarmos que não podemos fazer nada porque dispomos de pouco, estamos medindo com o entendimento a nossa falta de recursos, e assim estamos olhando com a mão esquerda o que a direita gostaria de  fazer. Não foi assim que Deus ensinou.

 

Existe em nós um sentimento muito forte, quando contribuímos para com os usos da Igreja, de que somos nós que estamos mantendo a obra, pois acreditamos que a Igreja depende de nós, nossas posses, nossos recursos. Consideramo-nos patrocinadores da causa Divina. Tola ilusão. A verdade é justamente o contrário. Hoje, como antigamente, o Senhor não necessita de nossos recursos materiais. Ele poderia e pode fazer surgir recursos e condições quando e onde quiser. Se Ele deseja porém usar a agência e a instrumentalidade dos homens é somente para que estes tenham a oportunidade de aprender a compartilhar da alegria celeste e descobrir o deleite do uso, o prazer de fazer os outros felizes por si. No entanto, em nossa presunçosa tolice, achamos que sustentamos a Igreja. O caso aqui é semelhante à história que vimos há algumas semanas, sobre Elias e a viúva de Serepta.
O Senhor mandou que Elias fosse para um lugar onde havia fome. Lá ele encontrou uma viúva paupérrima que ajuntava alguns gravetos para fazer para si e seu filho um bolo e em seguida, não tendo mais nada que comer, só restaria a ela a morte. Elias então mandou que ela primeiro fizesse um bolo para ele. Surpreendentemente, a mulher atendeu a ordem de Elias. Por causa dessa disposição obediente, o azeite e a farinha se multiplicaram nas vasilhas, e a viúva e seu filho foram sustentados fartamente durante toda a estação da seca. O pequeno bolo que ela fez para Elias foi comparativamente nada diante do alimento que ela teve depois, mas foi vital para a sua salvação.
Acreditamos que nosso dinheiro mantém a Igreja de Deus, mas é justamente o contrário. É Deus, por Sua misericórdia, que nos mantém espiritualmente vivos através de Sua Igreja. Somos alimentados espiritualmente por seus bens; somos protegidos por suas doutrinas; somos saciados por suas verdades; somos animados pela sua esperança. E tudo isto é um alimento e uma vestimenta que durarão para a vida eterna, ao passo que nossa contribuição material (seja o dinheiro, seja o esforço, seja o trabalho, seja o interesse, seja a boa-vontade em ser útil) é comparativamente nada diante de tanto benefício que o Senhor nos faz e nos fará. Porque os nossos recursos materiais se perderão na poeira do tempo, enquanto os bens espirituais recebidos do Senhor permanecerão conosco pela vida eterna.
Existe ainda um outro aspecto crucial na questão das contribuições para a Igreja. Leiamos, na parte histórica do Antigo Testamento, o seguinte texto: (Neemias)   Vers.4:  "Sobe a Hilquias, o sumo sacerdote, para que tome o dinheiro que se trouxe à casa do SENHOR, o qual os guardas do umbral da porta ajuntaram do povo, 5  E que o dêem na mão dos que têm cargo da obra, e estão encarregados da casa do SENHOR; para que o dêem àqueles que fazem a obra que há na casa do SENHOR, para repararem as fendas da casa; 6  Aos carpinteiros, aos edificadores e aos pedreiros; e para comprar madeira e pedras lavradas, para repararem a casa. 7  Porém não se pediu conta do dinheiro que se lhes entregara nas suas mãos, porquanto procediam com fidelidade.
"Não se pediu conta do dinheiro... porquanto procediam com fidelidade". Deve existe uma esfera de confiança no ato de se contribuir para com os usos da Igreja. Além de ser voluntária e anônima, a contribuição deve proceder da confiança de que as pessoas encarregadas dos usos da Igreja estão agindo com fidelidade, salvo prova em contrário. Porque, se não há essa confiança, não há a espontaneidade, mas o constrangimento da suspeita, da dúvida ou da discordância de como os recursos estão sendo usados. É justamente para proteger a confiança também que existe o anonimato nas contribuições, pois ninguém se sente obrigado a fazer aquilo com o que não concorda.
Não pretendo dizer que não se deva prestar conta, absolutamente. É dever dos encarregados, por meio dos tesoureiros, manter registros fiéis do que é recebido e apresentá-los eventualmente. Mas isto deve ser feito por ser da ordem e não por ser exigido. Quem contribui merece saber os fins destinados à contribuição que fez, mas não pode, após ter contribuído, exercer controle sobre o que foi dado, pois então isto não seria oferta, mas empréstimo com propósito determinado.
Na verdadeira Igreja Cristã, ninguém pode ser constrangido a coisa alguma; todos devem agir pelo livre segundo a razão. Por conseqüência, se não existir confiança nos que estão encarregados de administrar os recursos à Igreja confiados, é preferível que não haja absolutamente a contribuições. De uma forma ou de outra, os usos da Igreja continuarão sendo sempre sustentados pelos meios e recursos que o Senhor sempre provê de várias maneiras e de várias origens. Nenhum irmão é ou será discriminado por se decidir a não contribuir, se não em clima de confiança plena. Mas, se não houver confiança quanto ao destino do que é mais material em nossas vidas, que é o dinheiro, o que dirá então da confiança quanto ao cuidado de nossas almas, cuidado esse que Deus confiou aos Seus ministros e pastores?
A Igreja também, quando contribui para com os seus necessitados, não pode medir com a esquerda o que faz com a direita. Não seria caridade a Igreja socorrer uma necessidade de um membro e em seguida proclamar o feito diante da assembléia; a Igreja estaria fazendo o oposto do que ensina.
As contribuições na Igreja são anônimas, salvo se a pessoa mesma se revela. Por isso, pelo menos até onde sei, ninguém, em nossa Igreja, jamais foi e nunca será tratado com mais distinção por ter contribuído muito, nem foi ou será tratado com menos consideração por nunca ter podido contribuir. Deus é nosso juiz e cabe a Ele julgar nossos atos.
Na Nova Igreja, o que nos aproxima e nos nivela deve ser sempre a caridade espiritual para com o próximo, a amizade franca, a consideração mútua, e nunca o interesse material e ainda menos a quantia deixada no ofertório. Pelo menos tem sido este o nosso esforço e, no que me concerne, sempre será. Amém.

 

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