Contentar-Se em Deus

(Sermão por um pastor da Igreja Geral)

"...Contentai-vos com o vosso soldo"

Luc.3:14

O homem só encontra a felicidade e a paz verdadeiras quando aprende a se contentar com aquilo que Deus lhe concedeu. A chave para os estados de paz e eterna bem-aventurança está nestas simples palavras de João Batista, a quem os soldados perguntaram: "E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém trateis mal nem defraudeis, e contentai-vos com o vosso soldo" (3:14).
O contentamento verdadeiro não está nas coisas finitas que se recebe, muito menos em salários e soldos; não tem relação direta com a riqueza ou a pobreza da pessoa, com sua posição de honra ou de simplicidade na vida. Uma pessoa insatisfeita com as graças da Providência Divina sempre será insatisfeita, seja pobre ou rica. Na verdade, a riqueza e a indigência podem igualmente ajudar a levar o homem para o céu ou a afasta-lo dali. Porque o contentamento, considerado em si mesmo, é um estado da mente. É um estado da mais íntima felicidade e paz, proveniente de uma franca disposição de aceitar os desígnios da Divina Providência, e um humilde desejo de seguir a liderança do amor do Senhor.
O amor Divino se propaga, incessantemente, para alcançar toda a humanidade. O Senhor jamais Se afasta de pessoa alguma, nem um só instante. Ele não dá o Seu amor a uma pessoa mais do que a outra, nem numa época mais do que em outra, na vida do indivíduo. O amor de Deus é sempre e invariavelmente o mesmo. O Pai Celestial "faz que o Seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos" (Mat.5:45). Porque o Senhor, em Sua infinita misericórdia, quer dar a todo homem as bênçãos da salvação e a felicidade de uma vida eterna nos céus.
Mas somente aqueles que recebem o Divino amor é que podem receber essas bênçãos e essa felicidade que o Senhor quer conceder. E o homem só recebe na medida em que retribui com o seu amor. Na medida que o homem ama o Senhor e mantém uma firme confiança na sabedoria da Divina Providência, na mesma medida todas as coisas de sua vida progredirão para um estado cada vez mais feliz para a eternidade.A eterna felicidade consiste essencialmente em se desempenhar usos nos céus. O Senhor criou cada pessoa para desempenhar um uso no Corpo da Igreja e nos céus, isto é, no Máximo Homem.
Geralmente se acredita no mundo que a paz da mente é estar bem consigo mesmo, perfeitamente ajustado, qualquer que seja o ambiente em que se encontre. É natural que a pessoa queira estar bem consigo mesma, mas isto não deve ser visado como o objetivo maior da vida. Porque a realização da vida não será neste mundo. Carne e sangue não podem herdar o reino de Deus. Pois o Senhor disse: "Meu reino não é deste mundo". Uma grande alegria nos aguarda na morada celeste, e é para viver lá que fomos criados. O Senhor predestinou todos os homens para os céus, porque é só lá, desempenhando seus usos à sua maneira, que o homem poderá encontrar a duradoura felicidade que não depende de modo alguma das exigências do tempo e do espaço. Porque é a felicidade do Senhor no homem.
Por isso a direção Divina governa cada uma das mínimas particularidades da vida do homem e da sua sorte: sua cor, sua pátria e a época de seu nascimento; sua família, seus amigos e sua religião; suas capacidades físicas e mentais, sua condição de riqueza ou pobreza, e, em suma, todas as influências que agem sobre seu físico e seu mental, tanto de dentro quanto de fora. A maioria dessas coisas está inteiramente fora do controle do homem, ainda que algumas poucas ele possa parcialmente modificar no decorrer de sua vida. Mas todas elas são dispostas pela Divina Providência. Porque, tendo previsto o uso, e tendo criado o homem para ser instrumento desse uso, Ele também prevê e provê as habilidades mentais, bem como as condições naturais que serão as melhores para a realização do propósito Divino no uso. A Divina Providência, em tudo o que faz, tem por objetivo o que é eterno, e as coisas temporais só na proporção em que elas concordarem com as coisas eternas.
Obviamente, o homem não pode ver as coisas como Deus as vê. O homem não pode saber as razões internas por que as coisas acontecem desta e daquela maneira. E muitas vezes não entende porque deveria estar satisfeito com os soldos espirituais que recebeu. Não pode entender porque nasceu em determinado lugar e em determinado tempo, em específicas condições de vida material, tendo certos talentos ou habilidades, mas carecendo de outros. No entanto, o homem pode saber isto, se quiser: que uma Providência infinitamente sábia está governando todas as coisas em prol da felicidade eterna não somente dele,  mas de todos os outros membros da raça humana. Assim é que toda a verdadeira felicidade consiste em se contentar com a própria sorte, em se contentar com as dispensações e leis da Divina Providência, em se contentar com Deus. Visto como toda infelicidade vem basicamente do vão esforço de alcançar um destino que não é seu.
Esse contentamento não é um estado passivo, não é uma resignação. Não quer dizer que a pessoa deva se sentar e apenas aguardar o influxo do céu. Antes, o contentamento é um estado ativo em que o homem serenamente aceita sua sorte sabendo que as dispensações da Providência são as únicas coisas que podem lhe proporcionar a felicidade eterna. A pessoa pode não estar contente com o que é, mas pode estar contente com o que pode se tornar. Ela pode, evidentemente, ter uma ambição digna, pode ter iniciativa e visão de um objetivo; pode lutar para melhorar as condições de vida e os instrumentos de seu viver: suas capacidades física, mental, emocional e espiritual. Mas deve estar contente com as capacidades que o Senhor viu serem adequadas a ele, e não almejar outras que não pode alcançar. Deverá ter um caráter prático de não cobiçar o que é evidentemente impossível, mas deverá confinar suas ambições dentro de seus próprios limites. Será grato pelos dons que o Senhor lhe concedeu, não desejando trocá-los por outros. Mas procurará sempre desenvolver essas potencialidades ao mais alto grau possível, ao mesmo tempo em que está perfeitamente ciente de que a vida eterna é a essencial, e que todas as habilidades e fortunas mundanas são importantes mas somente na medida em que servirem para o propósito mais alto.
O homem que está neste estado é chamado, na Palavra, "bendito de JEHOVAH". E a "bênção de JEHOVAH... é estar contente em Deus, e daí estar contente com o estado (...) em que se está, seja entre os honoráveis e ricos, seja entre os menos honoráveis e pobres. Pois aquele que se contenta em Deus considera as honras e as riquezas como meios para usos; e quando pensa nelas e ao mesmo tempo da vida eterna considera as honras e riquezas de nenhuma importância, e a vida eterna a essencial" (AC 4981). Vive contente com o que tem, seja muito ou pouco, porque sabe que recebe o tanto que lhe será bom, pouco se o pouco lhe for útil, e muito se lhe for útil o muito. Também reconhece que por si mesmo não sabe o que é bom para si, porque o Senhor, só, sabe isto, e Ele, em todas as coisas que provê, visa o que é eterno.
Por outro lado, aquele que não se contenta com sua sorte, aborrece-se com os dons que Deus lhe deu e procura se livrar deles. Vive continuamente insatisfeito, sempre almejando mudar o imutável. Gostaria de ter herdado potencialidades, habilidades e poderes que não tem e que não poderá ter. Não pensa que tal mudança o faz transformar-se em outra pessoa e não ser mais ele mesmo, coisa de que ele certamente não gostaria. Esse rejeita a felicidade que poderia possuir. E se está no amor do mundo sobre todas as coisas, imagina que a alegria dos céus é possuir os bens alheios. Assim, evidentemente, ele nunca estará satisfeito.
Na Palavra, o contentamento é uma das qualidades da inocência. E aprendemos que "aqueles que estão num estado de inocência nada atribuem do bem a si mesmos, mas consideram todas as coisas como recebidas e as atribuem ao Senhor. Querem ser guiados por Ele e não por si mesmos... Nem ficam ansiosos a respeito do futuro. Chamam a ansiedade pelo futuro de cuidado pelo amanhã, e isto definem como um desgosto de perder ou de não receber as coisas que não são necessárias para os usos da vida" (CI 278). Alguma coisa dessa inocência aqui mencionada podemos ver nas crianças. Elas são facilmente dirigidas; não têm ansiedades quanto ao futuro; seus desejos são modestos, e quando suas necessidades são supridas, tornam-se um quadro vivo do contentamento e da despreocupação.
Mas essa inocência das crianças é externa, chamada inocência da ignorância. O estado espiritual da inocência é o da sabedoria e é criado somente na vida da regeneração, somente quando os combates espirituais da vida madura são empreendidos vitoriosamente.
Mas não é errado a pessoa pensar no futuro. Porque devemos ser previdentes em relação a nós mesmos e aos nossos. Sabemos por experiência que é real a necessidade que temos de pensar no futuro e de buscar, para nós e nossas famílias, o alimento, o vestuário e os recursos razoavelmente adequados para o futuro imprevisto. Realmente, num certo sentido, temos cuidado pelo dia de amanhã.
Todavia, esse cuidado pode ser diferente da ansiedade pelo futuro. Quando se contempla o futuro sem ansiedade nem solicitude, mas com a confiança em que Deus irá prover o melhor e guiará nossa prudência e nossa busca. Podemos pensar em objetivos futuros, mas devemos ter tranqüilidade de espírito, quer alcancemos os objetos de nosso desejo, quer não. Não devemos lamentar a perda deles, mas ser contentes com nossa sorte. Quem é rico não deve pôr o coração na riqueza; quem for elevados às dignidades não deve se considerar por isso mais digno do que os outros. Se perdemos nossos bens, não vamos nos entristecer por isso. Se nossa condição é humilde, não estejamos por isso abatidos (veja AC 8478).
Precisamos nos lembrar de que, se confiamos na Providência do Senhor, tudo o que nos acontecer servirá para o Senhor nos conduzir pelo caminho mais adequado à vida eterna. Dessa maneira não sobra espaço para o ciúme ou inveja em ralação aos dons materiais, físicos e mentais que os outros possuem.
Um estado de tão completa confiança no Senhor indica um estado de real inocência. E esta inocência pode encontrar sua mais plena expressão na vida conjugal. "Porque o conjugial celeste existe quando um homem, junto com a sua esposa, a quem ele ama com ternura, e com seus filhos, vive contente no Senhor. Daí ele está, neste mundo, como em meio a deleites, e na outra vida (estará) na alegria celeste" (AC 5051).
Uma tal confiança no Senhor só se alcança através da regeneração, somente na medida em que no homem o bem estiver conjunto à verdade -a conjunção da verdade da Palavra com o bem da vida. A paz interior que o homem assim alcança não é sentida claramente enquanto se vive neste mundo. Porque essa é uma paz que se acha encerrada nos interiores, e só será manifesta quando ele deixar o corpo e entrar na vida do céu, porque então os seus interiores serão abertos. Neste mundo temos sempre à nossa volta muitas tribulações, de uma sorte ou de outra. E as ansiedades da vida cotidiana não podem ser completamente dissipadas enquanto aqui vivermos.
Entretanto, o homem que possui a sabedoria da regeneração, em quem há a conjunção do bem e da verdade e alguma coisa da paz do céu, esse sabe o que é o repouso da mente que só conhecem aqueles que estão contentes em Deus. Não ficará ansioso quando enfrentar a necessidade de fazer as decisões da vida. Apesar da tormenta externa, terá uma repouso íntimo e uma confiança que não lhe podem ser tirados. Ele sentirá o prazer de ter servido, prazer que é a verdadeira recompensa do uso.
E na vida eterna ele verá que todas as ansiedades do mundo foram deixadas para trás, porque elas eram, na verdade, apenas do corpo, e são como nada em vista da eternidade, eram como nada quando comparadas com os usos. Somos ensinados que um tal homem encontrará estados indescritivelmente doces de paz celeste, muito melhores, mais maravilhosos que jamais tinha sonhado. E então perceberá os prazeres celestes que são as recompensas - os soldos verdadeiros- daqueles que procuram estar contentes no Senhor Deus. Amém.
AC 8478; Lucas 3.