Confissão de pecados

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

 “Enquanto eu guardei silêncio, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo o dia. Porque de dia e de noite a Tua mão pesava sobre mim; o meu humor se tornou em sequidão de estio. Confessei-Te o meu pecado, e a minha maldade não encobri. Dizia eu: Confessarei ao SENHOR as minhas transgressões; e Tu perdoaste a maldade do meu pecado”.  Salmo 32: 3–5

Chama-nos a atenção, neste salmo, a relação que o salmista faz entre seu silêncio e sua culpa. Ele observa que, enquanto se calou, sofreu: seus ossos envelheceram, sentiu o peso da mão de Deus e o seu humor se secou.  Mas, quando confessou seu pecado e admitiu sua iniqüidade, alcançou o alívio do perdão, e, então, concluiu, dizendo: “Por isso, todo aquele que é santo orará a Ti, a tempo de Te poder achar; até no transbordar de muitas águas, estas não lhe chegarão. Tu és o lugar em que me escondo; Tu me preservas da angústia; Tu me cinges de alegres cantos de livramento”.
Estamos nos aproximando da comunhão da Santa Ceia, o ato mais santo do culto. Assim, somos convidados hoje a meditar sobre a nossa condição espiritual, para que possamos nos apresentar dignamente à mesa do Senhor nosso Deus. O caminho para essa preparação é o auto-exame e a conseqüente confissão dos pecados que temos praticado por intenções, pensamentos e atos. Após isso, teremos de suplicar ao Senhor que nos conceda o poder para deixarmos a vida do mal e recebermos a vida nova e celeste.
A confissão de pecados é a parte mais importante dessa preparação, pois sabemos que os males só podem ser afastados se forem vistos, reconhecidos e confessados. Enquanto estiverem ocultos, não serão afastados, mas permanecem e aniqüilam todo sentimento realmente humano na pessoa. É esta a triste condição em que o salmista se achava, quando disse: “Enquanto eu guardei silêncio, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo o dia. Porque de dia e de noite a Tua mão pesava sobre mim; o meu humor se tornou em sequidão de estio”.
Os pecados devem ser manifestos, tornar-se aparentes, para que sejam afastados. Isto não quer dizer que a pessoa tenha de praticar pecados para conhecer o que eles são, mas, sim, que ela deve examinar as intenções em sua vontade e os seus atos, ver os males ali, reconhecê-los como pecados contra Deus e, em seguida, resistir a eles e não praticá-los mais, nem na vontade, nem pensamento, quando a ocasião se apresentar.
O conceito de “pecado”, segundo a doutrina da Nova Igreja, é este: é todo mal que é contra um uso ou impede que a criatura humana preste os usos  de sua vocação.  Pecados são males que atacam e matam a alma, assim como as doenças atacam e matam o corpo.  As doenças roubam o vigor natural e, se não tratadas, tiram a própria vida; já os males do espírito roubam a faculdade e a capacidade do uso, e se não forem combatidos, também acabam por levar à morte espiritual.
As doenças do corpo têm, em geral, seus sintomas específicos pelos quais, quando estudados,  pode-se identificar cada a ocorrência e a gravidade de cada uma delas. A manifestação da febre, por exemplo, indica, em geral, a ocorrência de alguma infecção no organismo. A própria dor é, em si mesma, uma maneira de o corpo reclamar atenção e cuidado.
Da mesma forma, os males do espírito só podem ser combatidos se forem reconhecidos nas intenções e confessados como pecados.  A forma como os males se manifestam são também variadas, mas são, em geral, todos os pensamentos maliciosos e todas as cobiças afloram em nossa mente, pois todos eles procedem de um mal de um determinado mal. Essas infestações malignas devem nos chamar a atenção para tomarmos a medicação espiritual que cada mal requer. Só assim podemos nos livrar da enfermidade do espírito, que pode se tornar cada vez mais grave e até fatal para nossa vida eterna.
É da vontade irregenerada que procede todo ardor da cobiça, toda inflamação do ódio ou do ciúme, que arrastam o pensamento continuamente para sua satisfação.
No que concerne às doenças naturais, quando notamos os sintomas, vamos a um médico, fazemos os exames requeridos e, em seguida, tomamos a medicação que nos é prescrita. Se quisermos ser curados, este é o procedimento a seguir.  Com mais forte razão, o cristão deve fazer a mesma coisa em relação às enfermidades do espírito. Deve prestar atenção às insinuações de cobiças que se insinuam em sua vontade ou às falsidades que infestam seu pensamento;  deve investigar não somente a natureza dos seus atos, mas as intenções por trás deles, por mais ocultas que estejam em sua vontade. Nesse exame, o Senhor é Quem conduz o entendimento da pessoa,  a Palavra é o instrumento dessa avaliação e, como resultado ou diagnóstico, a pessoa passa a ter o auto-conhecimento.  É ainda pela Palavra que o Senhor provê a medicação para a cura espiritual, mostrando ao homem os meios de resistir e vencer os males como pecados, do que resultará, enfim, a salvação.
A confissão assim efetuada deixa bem clara em nossa mente a idéia das coisas de que precisamos nos esvaziar, para que o Senhor possa nos conceder a vida espiritual.  Como lemos no Salmo de nosso texto: “Confessei-te o meu pecado, e a minha maldade não encobri. Dizia eu: Confessarei ao SENHOR as minhas transgressões; e tu perdoaste a maldade do meu pecado. (5)”
Assim, a confissão de pecados é uma parte essencial do novo nascimento. Todos nós devemos, periodicamente, ou, pelo menos, antes de nos aproximarmos da Santa Ceia, fazer esse exame e confessar os pecados. Numa confissão sincera, reconhecemos que nossos erros e nossas inclinações infernais são as coisas que nos separam do amor de Deus e nos afastam da salvação; por estas coisas, estamos miseravelmente condenados. 
Por outro lado, se não pratica a confissão de pecados nem reconhece sua condição de culpada e condenada, a  pessoa não tem como receber de Deus a salvação. Porque, quando se considera justa, não acha que precisa da justiça de Deus. Quando se considera sã, não pensa em suplicar a Deus nenhuma cura, e quando se considera forte, acha que pode dispensar o Divino auxílio. É como lemos também no livro dos Provérbios (28:13): “O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia”.
Quem crê em Deus mas não confessa a Ele os seus pecados está na condição representada pela Igreja de Laodicéia, a quem o Senhor declarou:
“Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada  tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e  cego, e nu; Aconselho‑te que de Mim compres ouro provado no fogo, para  que te enriqueças; e roupas brancas, para que te vistas, e não apareça a  vergonha da tua nudez; e que unjas os teus olhos com colírio, para que  vejas. Eu repreendo e castigo a todos quantos amo; sê pois zeloso, e  arrepende‑te. (Apocalipse 3:16‑19).
Suplicar perdão ao Senhor e começar nova vida, são as etapas seguintes à confissão. Suplicamos ao Senhor porque sabemos que, de nós mesmos, nada podemos contra a força infernal que atua nas nossas raízes más, da mesma forma que um grão de areia não pode agir contra uma montanha.  Não obstante essa nossa fraqueza, é muito necessário que nos esforcemos como por nós mesmos, que nos empenhemos para começar vida nova como se a força fosse nossa, ainda que saibamos que o poder vem, de fato, do Senhor. Lemos em DP 206 que “a confissão de seus pecados diante do Senhor efetua a conjunção do homem com Ele e a recepção do Influxo que vem dEle.  Se não fosse assim, o homem não poderia agir. O Senhor, então, opera no homem desde as coisas mais íntimas até às mais externas, e remove as cobiçcas, que são as raízes do mal. De si mesmo, o homem não pode fazer isso, pois de si mesmo opera somente nas coisas externas.
Ao confessar nossos pecados e darmos os primeiros passos num caminho novo, somos amparados e sustentados por Deus, e nos distanciamos gradativamente dos maus hábitos, das práticas mesquinhas, dos sentimentos e pensamentos egoísticos, além de todas as coisas inumanas nos ligam a alguma sociedade diabólica ou satânica. Na nova vida que se segue, não queremos mais ter coisa alguma em comum com os habitantes dos infernos e, para isso, é preciso que lutemos bravamente para romper as cadeias que a eles nos prendem. 
Às vezes, não basta que somente deixemos de fazer o que é tortuoso, ou de pensar no que é enganoso, mas também é necessário que, no caso de nossos pecados terem causado dano a alguém, que estejamos dispostos e sinceramente desejosos de reparar o dano, e fazermos isso efetivamente, quando ou se tivermos condição e oportunidade. Confessamos a Deus, mas também devemos estar dispostos a reconciliar com nosso irmão, mostrando-lhe todo nosso pesar pelo que lhe tenhamos feito de mal.
Finalmente, a confissão verdadeira deve provocar um arrependimento sincero, isto é, vergonha e tristeza pelo mal que se praticou. Pois há casos de pessoas que confessam seus erros sem nenhum sentimento de vergonha ou remorso, até mesmo por um certo sentimento de orgulho, carecendo da humilhação real. Uma confissão assim não é confissão, porque, quando se humilha diante de Deus, a pessoa se abate a si própria, para que o Senhor,  somente, seja engrandecido. Na humilhação real, a pessoa não se considera justa aos  próprios olhos, tampouco se considera superior aos outros, como lemos em Lucas 18:9‑14:  E disse também esta parábola a uns que confiavam em si  mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens  subiram ao templo, para orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu,  estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque  não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem  ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos  de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem  ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: O  Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo‑vos que este desceu  justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se  exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será  exaltado.
Como se vê, a atitude de humilhação do publicano, que “nem ainda queria levantar os  olhos ao céu” porque se considerava pecador, foi o que o tornou justo, pois em sua  humilhação o seu ego foi removido e o Senhor pôde Se aproximar para o exaltar, erguê‑lo do  chão. A atitude do publicano foi mais importante do que todos os atos “de justiça”  praticados pelo fariseu. Este, o fariseu, fazia tudo o que a sua religião prescrevia, mas, em seu orgulho, achava que o fazia por si mesmo e, por causa de seus atos, merecia algum valor acima dos outros e algum mérito especial diante de Deus.
O estado de humilhação que acompanha a confissão, em que a pessoa se abate até ao pó, por assim dizer, não é por causa  de algum prazer que Deus tenha de ver o homem ser assim humilhado. De fato, a  humilhação não agrada a ninguém, muito menos a Deus.  Mas ela existe e é  necessária para dar ao homem o reconhecimento de sua real situação e, assim, poder ser conduzido ao estado em que a fará, corretamente, a confissão de pecados.
Quando confessa os pecados ao Senhor, e, em seguida, se esforça efetivamente para não volta a praticá-los, a pessoa tem os seus pecados remidos, isto é, eles são afastados do centro de sua consciência. E quanto mais a pessoa passa a viver segundo os preceitos Divinos, mais os pecados são afastados e mais ela é mantida no bem, pelo poder e misericórdia do Senhor. Nesse estado, a pessoa desfruta, pela primeira vez, da liberdade espiritual, pois foi resgatada do jugo do mal, pelo que é dito no Salmo: “Tu és o lugar em que me escondo; tu me preservas da angústia; tu me cinges de alegres cantos de livramento”.
Como resultado da confissão, opera-se na pessoa uma mudança espiritual extremamente positiva, pois ela percebe “prazer adorando a Deus por Deus, servindo o próximo pelo próximo, portanto fazendo o bem pelo bem, e pronunciado o vero pelo vero. Não se quer ter mérito por causa de alguma coisa da caridade e da fé; foge-se dos males e têm-se aversão a eles, tais como às inimizades, aos ódios, às vinganças, aos adultérios, e aos próprios pensamentos com a intenção concernente a esses males”. (NJDC 167).
Compreende-se, então, que a confissão de pecados é uma passagem estreita e difícil, uma caminhada no caminho estreito e de renúncia, mas inevitável, que se tem a percorrer no caminho da penitência e da regeneração. Que o Senhor possa nos conduzir, a cada um de nós, nesse exame, e nos preparar, através da confissão e expiação de nossos pecados, para a uma vida em comunhão com Ele, agora e sempre. Amém.

 

Lições: NJDC 159-162

DP 278