O Anúncio do Natal

Sermão pelo Rev.Cristóvão R.Nobre

"E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo; pois hoje vos nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor, na cidade de Davi. E isto vos será por sinal: Achareis o menino envolto em faixas, deitado numa manjedoura" -Lucas 2:10-
Na noite em que o Senhor nasceu no mundo, os pastores foram as pessoas que vieram recebê-Lo. Eles estavam nos campos, naquela mesma região, nas cercanias de Belém, quando viram um prodígio nos céus: um anjo lhes apareceu e anunciou o nascimento do esperado Salvador: "Eis que vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo. Porque hoje vos nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor, na cidade de Davi". E também lhes deu um sinal, uma indicação de como  encontrariam o Senhor nascido: "Envolto em faixas, deitado numa manjedoura". Depois apareceu com aquele anjo uma multidão dos exércitos dos céus louvando a Deus, dizendo: "Glórias nas alturas a Deus, na terra paz e nos homens boa vontade". Os pastores foram depressa ao lugar indicado, encontraram o menino, o Senhor nascido, e ali O adoraram.
Como os primeiros a receber e adorar ao Senhor, os pastores O encontraram num estábulo, deitado numa manjedoura ou cocho, improviso de um berço. O cenário era todo de simplicidade e pobreza. De um lado, os pastores, humildes moradores dos campos; do outro, um bebê envolto em faixas e num berço de palha, vindo à luz num estábulo devido à falta que a mãe e seu marido tiveram de um lugar normalmente mais apropriado.
Nesses dias em que estamos vivendo, quando pouca gente ainda se lembra de associar as festividades do Natal com o nascimento do Salvador, muitas pessoas citam o nascimento do Senhor numa manjedoura, como uma demonstração de humildade e renúncia aos bens terrenos e ao conforto próprio da vida material. E o fato de Ele ter sido recebido por pastores de ovelhas, gente simples do campo, uma indicação da preferência de Deus pelos pobres e desvalidos de recursos, em comparação aos de melhor sorte terrena. Vêem nesse relato do Natal apenas um quadro de aprovação da pobreza e da indigência e de renúncia às coisas da vida natural, tidas como em si mesmas abomináveis. E isto é tudo o que tiram da história do Natal.
Se lembrarmos de outras passagens das Escrituras, veremos que, se foram simples pastores que vieram ao Senhor, recebê-Lo em Seu nascimento, por outro lado foi um homem muito rico, Zaqueu, coletor de impostos, que O recebeu em sua casa e com quem o Senhor Se alegrou. E também foi um outro homem rico, José de Arimatéia, que veio tirar o Seu corpo da cruz e o sepultou num sepulcro novo. Isto evidencia que não era a situação econômica que fazia ou não as pessoas estarem adequadas para receberem o Senhor ou serem por Ele recebidas. O fato de os pastores terem vindo a Ele não é, portanto, porque eram gente singela. Deve ter existido outra razão. Tampouco o fato de ter nascido num lugar tão modesto quanto uma manjedoura de um estábulo não foi, de modo algum, um exemnplo de renúncia que Ele quisesse dar. Porque os Escritos nos dizem que, se o Senhor quisesse, teria nascido num esplêndido palácio, num berço adornado de pedras preciosas. E isto é óbvio quando lembramos de que Ele era o herdeiro legítimo do trono de Davi e Salomão, cuja riqueza até hoje é memorável. E que ao Senhor pertencem a prata e o ouro, como disse o profeta Ageu (2:8).
Não sendo estas as razões para ter nascido em semelhante condição e para ser recebido por pastores, com certeza devem ter existido outros motivos. A Doutrina para a Nova Igreja, que nos revelou o sentidfo espiritual da Palavra, pode nos dar essa resposta. Mediante a ciência das correspondências como uma chave, podemos nos penetrar um pouco mais na história do Natal. De posse dessa chave, procuremos então ampliar nossa visão e aprofundar um pouco mais nossa compreensão acerca do nascimento e da vinda do Senhor.
No seu sentido interno, o texto descreve como o Senhor é recebido espiritualmente pelo homem. Os pastores, como também a manjedoura e outros detalhes que nos são relatados, todas as coisas representam um aspecto dessa recepção espiritual do Senhor por parte da alma humana.
O texto começa falando que era noite; nos campos havia pastores que vigiavam o seu rebanho. A "noite", na Palavra, corresponde ao estado do fim da igreja, estado em que não existe mais a verdade, seja por causa das falsidades, seja por causa da ignorância. A igreja chega ao seu fim por causa da perversão das verdades. O Senhor nasceu neste mundo na época em que a Igreja Judaica estava em um tal estado de consumação, de trevas e de escuridão espirituais. Ele nasceu na noite dos tempos (CI 155),  como é dito em Mateus: "`A meia-noite ouviu-se um clamor: aí vem o Esposo, saí-lhe ao encontro"(25:6), e a vinda do Senhor é que iniciou o alvorecer de uma nova Igreja.
Nesse estado de fim da Igreja, há contudo os remanescentes, alguns poucos fiéis que se conservam (e são conservados pelo Senhor) numa vida de obediência aos mandamentos da Palavra. Por causa disso, preservam um resto de vida espiritual pela qual toda a igreja é sustentada. Esses poucos que ainda restam, porque permanecem até o fim na vida da fé e da caridade, são aqueles que podem receber o Senhor quando Ele vem ao mundo e com os quais o Senhor inicia uma nova Igreja. São relativamente poucos em comparação com a multidão que O rejeita. Essas pessoas são aqui representadas pelos pastores. Eles simbolizam e sintetizam a recepção do Divino por todos os outros.  Porquanto o pastor, sendo aquele que cuida do rebanho de ovelhas e bois, representa assim as verdades que zelam pelas boas afeições. Na Palavra, as ovelhas significam as afeições do bem espiritual ou amor ao próximo, e os bois são esse bem no natural. Pastorear um rebanho, por conseguinte, significa zelar pelas boas afeições ou cultivá-las para que se desenvolvam, se multipliquem e se aperfeiçoem. Todos nós somos pastores dos bens em nosso espírito, os bens que o Senhor implanta em nossa consciência. O rebanho são os bens da caridade (AC 3762) e também aqueles que estão nos bens da caridade. No plano geral, o rebanho é, portanto, a congregação da Igreja; e no plano individual, o rebanho são todas as práticas úteis de amor ao próximo, próprias da regeneração em cada pessoa da Igreja. São as afeições que recebemos pela vida espiritual, vida que consiste em primeiro lugar em se afastar os males como pecados contra Deus e, em segundo lugar, em desempenhar usos em favor do reino do Senhor e do próximo.
A esses pastores veio um anjo anunciar o nascimento do Senhor. Quando os pastores viram o anjo, ficaram cheios de temor. Mas o anjo lhes disse: "Não temais", e isto também é por causa das correspondência, porque "Não temais" significa a renovação de vida. "Porque hoje vos nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor, na cidade de Davi". E nos <is>Arcanos Celestes<fs> lemos, a respeito desta passagem: "Ele é chamado "Cristo" como o Messias, o Ungido, Rei; e "Senhor" como JEHOVAH; "Cristo" em relação a verdade, e "Senhor" em relação ao bem. Quem não sonda diligentemente a Palavra não pode saber isto, porque pensa que nosso Salvador era chamado Senhor, como outros, por um título comum de reverência, quando todavia Ele era assim chamado porque era JEHOVAH"(2921).
O anjo lhes deu um sinal: "Achareis o menino envolto em faixas, deitado numa manjedoura". Os pastores saberiam que Ele era o Salvador quando O encontrassem nas circunstâncias indicadas pelo anjo. Eles foram e logo encontraram o menino na manjedoura, como o anjo lhes havia dito. Foi importante que tivessem essa indicação; sem ela não poderiam ter encontrado o Salvador. O sinal era fundamental.
A manjedoura ou o cocho, o lugar onde os cavalos comem num estábulo, significa a doutrina das verdades procedentes da Palavra (VRC 277). Porque, na Palavra, "cavalo" significa o entendimento da verdade. Todas as coisas relativas ao cavalo ou ao ato de cavalgar têm, portanto, relação com os estados e processos do entendimento. O "Cavalo branco", por exemplo, que é citado no Apocalipse, significa o entendimento da verdade, pois o branco representa a verdade. Ora, o entendimento do homem da igreja se nutre especialmente com as verdades que tira da Palavra, com os doutrinais e instruções derivadas da Palavra que ele aprende e nos quais medita. Por isso, a manjedoura, sendo o lugar onde os cavalos comem, representa  a doutrina das verdades procedentes da Palavra.
O menino Jesus foi posto numa manjedoura, à falta de um berço, mas isto foi assim por causa das correspondências, como vimos, uma vez que assim ficaria representado que Ele é encontrado nos doutrinais da Palavra, nas instruções que a Igreja tira da Palavra. Ali, e não em outro lugar, é que podemos encontrar o Senhor.
É dito que o menino ou o bebê estava envolto em faixas ou panos próprios dos recém-nascidos. Na Palavra, as roupas representam as verdades. "Estar vestido" representa a posse de verdades, e, ao contrário, a "nudez" representa a ignorância ou da inocência ou da sabedoria. Mas as faixas do bebê, aqui, representam as primeiras verdades, as verdades da inocência, em que o homem encontra o Senhor. São as primeiras instruções nas matérias espirituais, instruções que o homem regenerando recebe com uma fé simples e um coração todo obediente.
Até aqui, por meio das correspondências vimos uma série de significações que estão neste pequeno texto do relato do Natal. Por meio destes poucos significados já podemos ter uma instrução espiritual consistente. Porque vimos, realmente, o relato do Natal verdadeiro, o nascimento espiritual do Senhor no homem, a história de como o indivíduo recebe a Verdade e o Bem Divinos e se torna, ele mesmo, uma nova criatura, uma nova igreja. É este nascimento, este Natal do Senhor que devemos comemorar especialmente, Natal que pode acontecer todos os dias em nossas vidas, quando o Senhor vem com as verdades espirituais de Sua Palavra e nòs O recebemos em nossa consciência por uma vida de acordo com  o que ela nos dita.
O Senhor fez o Seu Advento ao mundo para redimir a raça humana que estava espiritualmente presa pelo mal. Pôs o homem em liberdade de escolha, para que o homem pudesse escolher ser salvo ou não, pelo poder do Senhor. Após isto o ser humano está livre para individualmente receber o Senhor  ou para ignorá-Lo e até rejeitá-Lo. O Senhor veio para toda a raça humana, de todos os povos, todos os tempos e todos os credos. O anúncio de Sua vinda para esta redenção universal e a alegria daí resultante foram traduzidos nas palavras do anjo: "Eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo". Ele veio para todo o povo e a todos redimiu, mas deve ser individualmente recebido por cada um que queira ser salvo. Quando o homem O recebe é o Natal, o Advento do Senhor na sua vida, pois é como se as verdades e os bens nascessem pela primeira vez para o homem.
Quando a Divina Verdade influi no homem é para que ele seja instruído e por ela receba o Divino Bem em sua vontade. A verdade instrui o entendimento nas coisas que devem  ou não devem ser feitas, e por essa instrução o homem deve subjugar a vontade de seu próprio e cultivar uma vontade nova, que lhe é implantada na consciência. Se o homem não se dispõe a abandonar o mal e as suas perversões, não poderá  receber o bem do Senhor, não poderá de modo algum fazer um bem que seja realmente bem, nem exercer algum uso genuíno, porque o mal que está no interior contamina e corrompe cada ato bom que o homem pensa fazer, e o contamina com a cobiça pelo mérito ou pelo culto a si. É evidente a necessidade de combater os males e removê-los para que o bem seja recebido e feito.
Um coração que quer se desprender do mal e quer mudar-se, ligar-se ao bem celeste, é uma terra boa e fértil em que a verdade pode ser recebida e frutificar. Se não houver essa boa disposição do coração, as coisas da igreja, que todas se referem ao amor ao próximo e ao Senhor, serão postas de lado ou rejeitadas. Essas duas qualidades de coração são vistas também no relato do Natal: de um lado temos a massa do povo da Igreja Judaica que rejeitou o Senhor e fez pouco caso de Seus ensinamentos. Esses foram representados pelos três tipos de solo em que a semente lançada não pôde frutificar. Mas os outros, os que receberam o Senhor, os pastores, são os que fazem esforços para cultivar uma vida reta e moral por causa de suas religiões e por temor a Deus. Esses, porque constroem em si um coração bom, ou, melhor dizendo, porque procuram se abster da maldade e amar e servir ao seu semelhante, estão como que pastoreando as boas afeições da religião e zelando por elas. Ainda não têm grande conhecimento da Palavra, porque estão na escuridão da falsidade e da ignorâncoia que reina em suas religiões. Mas a disposição do coração os prepara para receber a luz, se na noite cuidam de seus rebanhos.
A "vigília" ou vigilância que estes fazem corresponde à pesquisa, o exame da Palavra a fim de encontrarem a verdade (AC 9926)." Vigiar de noite" é buscar a verdadeuira resposta na Palavra quando a mente está em dúvida e incerteza. E como os pastores eram fiéis e vigiavam, por isso puderem ver o aparecimento dos anjos nos céus, puderam receber a instrução e o sinal pelo qual acharam o Senhor. Assim também, para aqueles que, mesmo em meio às dificuldades de interpretação ou de compreensão, persistem em estudar a Palavra para ver as verdades e conhecer o Senhor, o Senhor envia um anjo, isto é, o Senhor influi em seu entendimento e lhes dá a iluminação para que compreendam a verdade. É como diz no profeta Isaías: "O povo que estava assentado em trevas viu uma grande luz; e aos que estavam assentados na região e sombra da morte a luz raiou" (9:2). O Senhor lhes dá a intuição, o sinal, de que na Palavra poderão encontrá-Lo. Porque lá, de fato, Ele está visível, envolto nas primeiras verdades, as verdades genuínas que brilham no próprio sentido da letra, verdades que dizem plenamente que Ele é o Senhor JEHOVAH nascido no mundo, o Messias prometido, e que Ele veio para reinar na vida do homem espiritual, que Ele é o Salvador, Cristo, o Senhor.
Aqueles que amam a verdade e desejam vê-la por causa de um uso, têm iluminação do Senhor, têm o "sinal" para que vejam essas verdades e conheçam o Senhor nosso Deus. Sem esta iluminação, sem a orientação do Senhor, é em vão que o homem estuda a Palavra, porque ela se torna um livro fechado, selado com sete selos. Nossos estudos da Palavra devem ser sempre precedidos de uma humilde súplica pelos auspícios Divinos, para que Ele abra nosso entendimento e nos conceda Sua luz.
A cidade de Davi, de que o anjo falou, onde o Salvador havia nascido para eles, significa a doutrina a respeito do Senhor, porque a "cidade" na Palavra está em lugar de doutrina, e "Davi" representa o Senhor. Portanto, "cidade de Davi" é a doutrina a respeito do Senhor. Esta doutrina é a fundamental de toda a Igreja, é a base e o alicerce de toda a vida espiritual, porque a idéia sobre Deus é a idéia principal da mente humana. Que Ele tenha nascido na cidade de Davi é, por conseguinte, que Ele Se revelou na doutrina do Senhor que está na Palavra. E esta doutrina -nós já tivemos a oportunidade de ver- pode ser plena e completamente exposta pelo próprio sentido da letra através de passagens explícitas e claras que nos dizem que o Senhor Deus Jesus Cristo é o Próprio JEHOVAH em Seu Humano prometido, que veio ao mundo para resgatar o homem do poder das trevas e da morte, e pôr o homem em condições espirituais de ser regenerado por Ele.
Nós, da Nova Igreja do Senhor, que temos visto e recebido o Senhor nessa manifestação radiante, na letra e no espírito de Sua Palavra, revelado como o próprio e uno Deus, de eternidade Criador, no tempo Redentor, e pela eternidade Regenerador, nós temos o dever e a missão de levar aos nossos semelhantes esta visão glorificada do Senhor, de torná-la acessível àqueles que desejam recebê-Lo como Senhor e Salvador. E podemos fazê-lo especialmente através da divulgação da mensagem essencial da Igreja, que é a Doutrina do Senhor, o Senhor como Se revela na própria letra da Palavra esclarecida pelo sentido espiritual, o Senhor como Se mostra nas verdades genuínas, as primeiras verdades, a manjedoura, para que as pessoas bem dispostas possam vê-Lo, reconhecê-Lo e adorá-Lo.
E também em relação a cada um de nós mesmos, temos individualmente o dever de perseverarmos em nossa vigília, zelando pelos bens espirituais da caridade que aprendemos e procurando sempre na Palavra integral da letra e dos Escritos aperfeiçoar nossa visão da verdade, nossa visão do Senhor e nossa concepcão a respeito da vida cristã, a vida que devemos viver para que o Natal do Senhor esteja sempre presente em todos os nossos dias.
Se estivermos nesse dever e nessa vigilância, poderemos receber também o "sinal", a iluminação do Senhor e Sua orientação, a instrução do anjo, e depois vê-lo com as hostes celestes que louvam ao Senhor, dizendo: "Glória nas maiores alturas a Deus, na terra paz, e nos homens boa vontade". Amém.

Lições: Lucas 2:1-20
Apocalipse Revelado 706