Os Propósitos de um Novo Ano

Sermão pelo Rev.Cristóvão R.Nobre

"Portar-me-ei com inteligência no caminho reto. Quando virás a mim? An­darei em minha casa com um coração sincero"
Salmo 101:2
O início de ano nos faz pensar no futuro. Esta é também uma época propícia para pensarmos nos estados de nossa vida espiritual, para reformularmos objetivos e fazermos resoluções que traduzam em progresso de nossa regeneração.
Sabemos que é a Divina Providência que dirige e governa todas e cada uma das coisas, mas a aparência é de que é o homem quem o faz. Para que nos apropriemos de alguma coisa, precisamos desse "como por si mesmo". Isto implica que depende também de nós, como por nós mesmos, prever as necessidades e os estados futuros da regeneração. Cabe a nós buscar a instrução, aperfeiçoar o entendimento, cultivar as afeições espiritu­ais e assim promover nossa própria regeneração, como se tudo realmente depen­desse de nosso único esforço. Daí vem, pois, a necessidade de pensarmos no futuro de nossa jornada espiritual e nos meios e processos da regeneração, e, a partir daí, tomarmos resoluções que auxiliem e possibilitem a realização desse ideal. Assim, procuremos aqui fazer algumas reflexões que nos ajudem a pensar em nossos objetivos espirituais na regeneração.
Prever e prover as etapas e necessidades futuras da regeneração é matéria que diz respeito ao Senhor, somente. É a Divina Providência que guia o homem regenerando através dos infindáveis labirintos da alma, na reforma do seu inte­lecto e na nova criação de sua vontade. Mas a Divina Providência age em con­formidade com a prudência do homem. O agir "como por si mesmo" é quando o homem age por sua prudência e sob os auspícios Divinos, sabendo que é, de fato, a Providência que governa toda e cada uma das coisas. É por meio dessa prudência que temos de considerar os caminhos espirituais por que trilhamos e haveremos de trilhar. Isto é útil, porque, como lemos nos AC 7017, "quando alguém propõe algo para si, percebe a coisa como se ela estivesse presente". Se, então, refletirmos e tomarmos resoluções que contribuam para o avanço da re­forma do espírito, se nos propusermos a cultivar intenções do bem, desempenhar bom usos, fixar alvos ou intenções de viver uma vida de retidão, poderemos sentir esses ideais como se já estivessem presentes em nosso espírito. E muitos benefícios teríamos com isto: primeiramente estaríamos reafirmando nossos vo­tos de vida cristã, assim nos confirmando mais e mais nas verdades da fé da Nova Igreja; depois, estaríamos organizando nossa mente a partir de verdades racionais, com uma atitude positiva de assumir nossas responsabilidades de cristãos; estaríamos também dando um sentido novo, mais objetivo e mais claro, à vida de religião.  Porque então teríamos metas, fins, propósitos que alcançar, alvos bem definidos. E a visão desses alvos nos traria mais condições de enfren­tar as dificuldades que tivéssemos de atravessar.
A vida espiritual consiste essencialmente na vida de caridade e, depois, na vida de piedade. A vida de caridade é, primeiro, afastar os males como pecados contra Deus; em segundo lugar, fazer os bens do uso em favor do reino do Se­nhor e do próximo. E a vida de piedade é a vida externa da prática dos rituais religiosos, da instrução e do culto.
Quando, pois, pensando nos processos da vida espiritual, desejamos formu­lar propósitos ou resoluções acerca da regeneração, temos de, primeiramente, pensar na coisa essencial da vida de caridade, que é, afastar os males como pe­cados contra Deus. Depois, em desempenhar os usos a que fomos chamados. E, finalmente, nas práticas externas da piedade ou do culto ao Senhor.
Quanto ao essencial da caridade, sabemos que os males só são removidos por meio da penitência efetiva, isto é, pelo auto exame e, depois, pela renúncia dos males que tivermos identificado em nossa natureza própria. O auto-exame é a primeira coisa não só da penitência, mas de toda a regeneração, porque nos dá o conhecimento acerca de nosso verdadeiro caráter e das coisas que precisam ser mudadas, das que precisam ser feitas para o novo nascimento.
Ao pensar nas mudanças que devem ser feitas, ou seja, nos inimigos espiri­tuais contra os quais temos de lutar, não podemos nos esquecer de que: 1º)É o Senhor, só, quem remove os males no homem. Todo o poder vem somente dEle. Todavia, Ele dá ao homem a capacidade de lutar e vencer como por si mesmo. O entendimento que Ele concede pela Palavra é para que o homem esteja munido das verdades da fé, as armas espirituais para o combate. É por esse entendimento esclarecido e enriquecido pelas verdades da Palavra que o salmista diz: "Portar-me-ei com inteligência no caminho reto".
Se a pessoa não reconhece que todo o poder vem do Senhor e a Ele perten­ce, será em vão que tentará lutar contra os inimigos de sua alma, em vão pensará em mudanças e melhorias de caráter. Se o indivíduo não partir de um humilde reconhecimento do poder e do socorro Divinos, de nada adiantará sua luta para aperfeiçoamento do caráter, de nada adiantará toda a força de vontade que possa reunir, se não se submete às verdades da Palavra. Assim lemos em VRC 48: "Todo o inferno é como um único gigante que é um monstro; é por isso que agir contra um único mal... é agir contra esse gigante monstruoso ou contra o inferno, e ninguém o pode senão Deus, porque Ele é Onipotente. É evidente que se o homem não se dirige ao Deus Onipotente, não tem por si mesmo mais força contra o mal e o falso desse mal do que um peixe contra o oceano... e do que um grão de areia contra uma montanha que desmorona".
2º) Os males não são removidos de uma só vez, mas gradativamente, por­que de outra maneira não restaria vida nenhuma para o homem. O Senhor, na Sua infinita sabedoria, dirige o exame que o homem faz de si mesmo e mostra que males devem ser afastados, em sua ordem. Mas, de um modo geral, os ma­les a serem removidos são aqueles que vemos no auto-exame. Outros poderão só se revelar mais tarde, quando tivermos condições de vencê-los. Entretanto, tal­vez nos ajude saber que o mal que deve ser primeiro combatido é aquele que no momento está  nos impedindo de desempenhar  os nossos usos.
3º) Também poderá dar-se o caso de que a pessoa tenha de lutar muitas vezes contra um mesmo mal, que parece nunca ser vencido. Se isto acontece é porque alguns males podem estar tão enraizados na vontade própria que só po­dem ser removidos depois de muitos combates, depois de um esforço vigoroso e honesto, e de uma penitência séria. Sendo assim, devemos estar atentos para não nos deixarmos vencer pelo desânimo quando virmos a influência de um mal antigo novamente retornar para nos infestar. Estaríamos prevenidos para enfren­tá-lo mais uma vez e, guiados pelo Senhor, mais uma vez derrotá-lo, sabendo que isto vai enfraquecer cada vez mais a força e a influência desse mal em nós, até que, um dia, não constitua mais um objeto de tentação para nós.
Outra coisa de que precisamos nos lembrar é que, se há males que são inte­riores e não podem ser removidos instantaneamente, por outro lado as manifes­tações externas dos males podem e devem ser prontamente combatidas e remo­vidas. É certo que a intenção ou o propósito de se cometer o mal pode voltar várias vezes a nos infestar o pensamento através da vontade, porém os gestos, as ações, as práticas desse mal não devem mais ter a nossa permissão de descer e finalizar no plano externo do corpo e dos sentidos. Se o Senhor permite que os males nos aqueçam as cobiças e infestem o pensamento, como acontece nas tentações, é para que sejam reconhecidos, combatidos, vencidos e removidos de nossa vontade (vide DP 283). Esses combates ou tentações se passam na mente racional. E enquanto os males forem resistidos e expulsos dali, eles não têm po­der sobre o homem. Portanto, a primeira coisa para se conquistar e triunfar sobre o mal é impedir que ele se realize no ato. Porque enquanto o homem combate e triunfa no plano do corpo e dos sentidos, o Senhor, ao mesmo tempo, diminui cada vez mais a força do mal nos internos do homem e finalmente o remove inteiramente para os lados, onde o mal jazerá adormecido. O homem é, portanto, príncipe do seu plano natural e aí cabe ao homem governar como por si mesmo, portar-se com inteligência no caminho reto.
Também é bom refletir sempre sobre como os males são alimentados e crescem no espírito humano. Sabemos que os sentidos - basicamente a vista e a audição- são os meios de comunicação da mente com o mundo. Mas são tam­bém os acessos pelos quais os infernos nutrem e excitam as cobiças e as afeições do próprio. É claro que não podemos evitar de todo essa espécie de infestação, porque não podemos eliminar as comunicações de nosso espírito com o plano natural; não podemos nos ausentar do mundo. No entanto, podemos bem seleci­onar as fontes ou as ligações que temos com este mundo. Podemos escolher grande parte daquilo que queremos ver e ouvir e assim exercer controle sobre grande parte dos motivos, objetos ou fontes de infestação. Podemos perfeita­mente perguntar, a respeito das coisas que nos cercam em nosso dia a dia tais como as ocupações, as conversas, as diversões e recreações: "Isto contribui para a minha edificação ou para a minha derrota espiritual? Isto é alimento para o meu espírito ou alimento para os infernos que infestam por meio das cobiças?"  E, conforme for a nossa resposta, estaremos livres para assumir o governo de grande parte de nossas relações com o mundo ao nosso redor.
Lembremo-nos também de que uma outra via de infestação, além da dos sentidos, é a da memória. Há maus espíritos que nos trazem da memória a lem­brança de fatos passados, tanto bons quantos ruins, os pervertem e por meio deles buscam nos enredar e nos condenar, tanto pelos males que realmente co­metemos, quanto por ações boas que fizemos mas que eles transformam em males (AC 751).  Uma coisa muito freqüente é o sentimento de mágoa ou ran­cor. Os maus espíritos vão buscar no fundo da memória  mágoas, até de um pas­sado remoto, e lançam-nas em nosso pensamento externo de uma forma tão viva e tão presente que, sem o percebermos, somos levados aos mesmos sentimentos de rancor ou de vingança vividos na época. E assim nos provocam, pela nossa própria memória, e nos induzem a cair novamente no mal.
Os pensamentos são purificados pela leitura e pela meditação habitual da Palavra. Quando tivermos em nosso pensamento o influxo de um mal e perce­bermos que tendemos para ele, podemos fazer o que a VRC chama de uma peni­tência mais fácil: "Eu penso isso e tendo para isso; mas como é um pecado, eu não o farei". Com isto, a tentação lançada pelo inferno é quebrada, e sua marcha para penetrar mais adiante é detida" (VRC. 535). Isto, verdadeiramente, é portar-se com inteligência nos retos caminhos do Senhor. São essas coisas que nos ajudam a refletir melhor nos processos da regene­ração, ensinamentos que organizam a nossa mente e a preparam para enfrentar com mais firmeza as lutas vindouras.
Em todas as áreas da vida, não pode haver progresso real quando se atrope­la passos ou etapas da ordem. Nos AC 1318 lemos que: O fim (ou propósito) com o homem nunca pode ser mudado a não ser que o estado seja mudado". Em conseqüência, se desejamos a regeneração, precisamos encarar cada um de seus estados como estados importantes em si, nos preocuparmos com as pequenas coisas de cada estado, de cada dia, porque é o conjunto delas que constitui a vida cristã, que é a vida de regeneração. Só assim, a medida em que nos preparamos inteligentemente para enfrentar as lutas e as vencemos, mais capacitados ficamos para desempenhar os usos para os quais o Senhor nos chamou.
Não podemos cumprir nossos usos sem que antes tenhamos triunfado sobre os males. Mas, a medida que alcançarmos os objetivos de nossas lutas, o Se­nhor, ao mesmo tempo, irá nos inspirando um desejo genuíno de realizar o uso que nos cabe em Seu reino, uma afeição de fazer os bens que são opostos àque­les males que nos empenhamos em remover. É assim que nossa vontade é criada de novo e nos tornamos uma nova criatura, imagens de usos e de caridade.
"Portar-me-ei com inteligência no caminho reto". Assim diz o Salmo. Le­vantemos nossas preces ao Senhor e peçamos a Ele que este Salmo possa ser nossa resolução e princípio de conduta no ano que hoje inicia. E tenhamos con­fiança que, com Sua graça e Seu poder, isto pode se tornar realidade todos os dias deste e de todos os anos de nossa vida. Amém.
Lições: Salmo 101;  Lucas 14:25-35; CI 532.