"O Combate nas Tentações"

Sermão pelo Candidato Cristóvão Rabelo Nobre

"Ouvindo o rei o negócio, pesou-lhe muito, e a favor de Daniel propôs dentro de seu coração livra-lo; e até ao por do sol trabalhou por o salvar"

Daniel 6:14

Todos os esforços do rei para salvar Daniel foram inúteis, porque a lei dos Medos e dos Persas estava acima de suas decisões pessoais. Esta situação de incapacidade do rei Dario representa a condição do homem externo quando quer vencer as tentações por suas próprias forças, ou pelos seus próprios raciocínios, ignorando a verdade que só o Senhor tem o poder de combater e vencer pelo homem.
Ao examinarmos esta história do capítulo 6 de Daniel, o Senhor nos concede ver vários ensinamentos concernentes ao estado do homem quando passa por tentações. A importância de conhecermos esse assunto reside no fato de que as tentações são necessárias, e devem ser suportadas e vencidas na ordem a que o homem possa ser regenerado.
Pelas doutrinas celestes nós sabemos que "nas tentações trata-se da dominação do bem sobre o mal, ou do mal sobre o bem. O mal está no homem natural ou externo; o bem no homem espiritual, ou interno" (I). No texto de Daniel 6, o homem externo é representado pelo rei Dario, pois os Medos, na Palavra, representam a igreja ou o culto externo (2). Por Daniel é representado o homem interno naquele que está sendo reformado pelos veros da fé.
Enquanto o externo e o interno do homem ainda não são conjuntos, eles podem ser completamente diferentes quanto à sua natureza. O externo pende para as coisas de si e do mundo, e se deleita com os prazeres provenientes daí. O interno, desde que foi aberto pelo Senhor, quer as coisas celestes e nelas encontra o seu deleite. Entretanto, "o homem externo não distingue entre o deleite celeste e o prazer infernal,  e ainda menos que eles sejam tão opostos" (3). Esta discordância de inclinações faz com que hajam conflitos entre o interno e o externo. De fato, há uma tal ignorância no homem natural, a respeito das coisas espirituais, que, enquanto ele está  em seus males, ele pode ser facilmente conduzido ao erro pelas falsidades. Tal é representado pelo rei Dario, quando ele quis estabelecer príncipes e presidentes sobre o reino, porque, pelo Sentido Interno da Palavra, os príncipes e os presidentes aqui representam os doutrinais de falsidade. Como o rei tinha a Daniel entre os príncipes e presidentes, isso nos mostra a ignorância do homem nesse estado precedente a reforma, isto é, que ele mistura os veros e os falsos da doutrina.
Os doutrinais de falsidades, que provêm dos infernos, levam e guiam o homem natural aos males. Muito embora o homem creia e pense que domina sobre a situação, no entanto a verdade é que ele é que é dominado pelos males. Assim nós lemos "Arcanos Celestes" (4): "Aquele que crê que antes da regeneração o prazer do seu homem natural não é infernal, e que ele não é possuído por espíritos diabólicos, esta muito enganado... saiba ele que seu prazer é infernal, porque não há outro amor que o de si e o do mundo; enquanto este faz seu prazer, não há caridade e não há fé"
Desse modo, quando os espíritos infernais que estão com o homem influem, as cobiças dele são despertadas. Tal foi o caso com Dario, quando os príncipes e presidentes o induziram a assina um absurdo decreto, no qual o rei deveria ser adorado como Deus. Contudo, ainda que aquele decreto possa nos parecer tão absurdo, ele representa exatamente a mesma loucura do homem natural quando as falsidades excitam as concupiscências do amor de si.
Então, o homem natural é levado pelos maus espíritos ao estado do mal, em que se encontra (5), por isso o rei Dario assinou aquele decreto. Assim também o amor de si no homem natural quer tomar o lugar do Senhor, e quer dominar sobre todas as coisas. E até quer submete as verdades espirituais do homem interno aos prazeres de sua própria cobiça. Este é o caso com o homem natural. Como o Senhor está efetuando a reforma, por isso Ele provê que os anjos que estão com o homem defendem os veros da fé e os bens do amor que estão no homem (6). Os anjos que estão com ele governam o seu racional, ou homem interno, enquanto os maus espíritos querem dominar o seu natural. Daí vem o combate (7).
Nesse combate, o homem tem a presença do Senhor através dos anjos (8), e por isso não é afetado pelo influxo infernal das falsidades. Assim é que compreendemos porque Daniel esteve imperturbável quando soube do decreto. A sua fé não foi abalada, pois, como já antes costumava fazer, continuou a adorar publicamente o Senhor. Com o rei Dario, no entanto, as circunstâncias foram outras, pois só depois percebeu o mal que havia feito e assim condenado a Daniel. O rei se demorou a perceber a conseqüência do seu mal, representando assim o que se dá com o homem: que ele não é introduzido na tentação até que esteja preparado pelo Senhor. Tal estado de preparação é o reconhecimento de seus próprios males e suas próprias falsidades, porque 'ninguém pode jamais combater contra os males e falsidades até que ele tenha aprendido a reconhecer o que os males e as falsidades são; e por isso, não antes que ele tenha sido instruído". (9)
Quando o homem externo ou natural está nesse estado de reforma, ele se atribui os bens e as verdades com as quais ele combate. Essa aparência é permitida, pois o homem são poderia então pensar de modo diferente. No texto, esse estado é representado pelo esforço de Dario, que trabalhou até o por do sol para salvar Daniel, mas não conseguiu por e, e mesmo. Isto é porque os bens e os veros atribuídos a si mesmo, são realmente males e falsidades no homem, e se o homem tem alguma vitória, ele atribui essa vitória a si mesmo, não sabendo que é o Senhor só quem combate e vence (l0). Quanto mais o homem tenta, vencer por si mesmo, menos ele o consegue, porque, quando se atribui força ou vitória, ele está realmente alimentando o amor de si.
Assim, tendo frustrado seus esforços, o rei Dario foi instado pelos príncipes e presidentes, e lançou Daniel a cova dos leões. Aí, reconhecendo a sua incapacidade, o rei confiou que o combate só poderia se levado a bom termo pelo Deus de, Daniel, e lhe disse: "O teu Deus, a quem tu continuamente serves, Ele te livrará".
O Senhor combate pelo homem na sua mente interna, e por isso Daniel estava na cova dos leões, cuja significação é o estado de tentação; os leões dali  representam o poder da falsidade contra os veros, como lemos no Apocalipse Explicado' (ll): "...pelos leões na Palavra, no sentido oposto, é significada a falsidade infernal destruindo os veros da Igreja".
Notemos que o período da noite, enquanto Daniel esteve na cova é relatado apenas do ponto de vista de Dario. Isso é porque, é tão somente o homem externo ou natural que está na insegurança de que a vitória vem do Senhor. Ele é que duvida da, Onipotência do Senhor, e não o homem interno ou espiritual. A razão da dúvida é o influxo que afeta o homem natural, insinuando nele a negação, ao passo, que os anjos mantém o homem interno na esperança (l2). O estado de duvida e angústia da mente natural é representado por Dario passando a noite em jejum, e não permitindo que se lhe trouxessem instrumentos musicais, pois jejum representa "aflição, tal como existe nos combates de tentações" (l3), e instrumentos musicais representam os prazeres das afeições celestes e espirituais, e as alegrias das afeições internas e externas (l4).
Quando o homem passa por esse estado, ele as vezes cai no engano de querer ser excluído da tentação e não passar por elas, e freqüentemente ora ao Senhor para, deixá-lo fora delas. Mas isso é porque ele não sabe que as tentações são necessárias e devem ser suportadas e vencidas, porque não haveria outra maneira de o Senhor conjuntar o homem a Si, e consequentemente, não havia outro modo do homem ser conduzido aos céus. Assim, o Senhor não atende as súplicas do homem natural que pede para ser excluído das tentações, porque o Senhor visa os fins eternos, enquanto o homem visa as coisas imediatas e temporais.
Sabemos pelas doutrinas celestes que o Senhor combate pelos veros nas tentações com o homem. Esta verdade fica evidente na história de Daniel, quando ele dá a resposta ao rei  que fora buscá-lo pela manhã, dizendo: "O meu Deus enviou o Seu anjo e fechou a boca dos leões". Aqui o anjo significa tanto os veros que são do Senhor, quanto os veículos ou meios pelos quais o Senhor influi os veros e bens. Entretanto, os anjos são inteiramente conscientes de que eles são simplesmente os meios, e por isso, não se atribuem coisa alguma dos veros e bens, mas atribuem ao Senhor. Por conseguinte, não são os anjos mesmos que combatem, mas o Senhor através deles.
Com o homem natural, os bens e veros com os quais combate podem ser bens e veros genuínos, nos quais o Senhor está. Basta para isso que o homem reconheça como fazem os anjos, que não combate por si mesmo, mas é o Senhor quem o faz, enquanto o homem combate como se fosse por si mesmo. Assim ele não se apropria do que é do Senhor; e o Senhor pode então influir nos seus veros e bens pelos anjos, e o homem então participa do combate. Esta deve ser a atitude do homem na tentação (l5). Não poderia ele também permanecer inerte, ou cruzar os seus braços, esperando, apenas, pela ação do Senhor, pois isso seria contrário à ordem (l6), e não poderia haver então o recipiente onde o Senhor pudesse influir.
Da parte do homem, o essencial é, portanto, que ele resiste nas tentações com os veros da Palavra como por si mesmo, pois essa aparência é necessária para sua liberdade; mas que ele creia que é o Senhor quem realmente o faz. Nem ainda pelos anjos, mas pelo Senhor só. E se o homem não consegue atribuir a luta ao Senhor, em virtude de algum impedimento durante o combate, mas que pelo menos ele creia e reconheça isso depois (l7).
Quando cessa a tentação, uma nova ordem é estabelecida no homem. O Senhor pode então governar o homem externo no mundo, através do homem interno que está nos céus (l8). O estado seguinte a tentação é representado no texto pela alegria de Dario e pelo livramento de Daniel; como lemos nos "Arcanos Celestes": "Após toda tentação espiritual vem iluminação e afeição, daí prazer e deleite; prazer, proveniente da iluminação através dos veros, e deleite, proveniente da afeição do bem... Por meio das tentações os veros e os bens são implantados e são conjungidos, e consequentemente, o homem, quanto ao seu espirito, é interiormente introduzido no céu e nas sociedades celestes às quais ele tinha sido antes consorciado" (l9).
A nova ordem e a instauração da nova igreja no homem, são representada pelo segundo decreto que o rei Dario assinou, para que todos os povos, nações e gente de diferentes línguas, temessem e tremessem diante do Senhor. Também agora há no homem o pleno reconhecimento de que só o Senhor Deus pode vencer as tentações e operar a regeneração, tanto do homem interno quanto do homem externo, o que é representado pelas últimas palavras de Dario no texto, em relação ao Senhor: "Ele livra e salva, e opera sinais e maravilhas no céu e na terra".
Assumida pois uma real condição de humildade da Onipotência do Senhor, e certo de que toda honra é para ser atribuída somente a Ele, o homem poderá então prosseguir em se regenerado pelo Senhor, para que, como Daniel prosperou no reinado de Dario e Ciro, assim também o homem possa alcançar a prosperidade no reino do Senhor. AMÉM.

    Citações feitas: (l) - "Nova Jerusalém e Sua Doutrina Celeste" nº l90;  (2) - "Arcanos Celestes" nº l228;  (3) - "Arcanos Celestes" nº 3928 - "Mateus l6:23";  (4) - Ibdem;  (5) - "Arcanos Celestes" nº 5036;  (6) - "Nova Jerusalém e Sua Doutrina Celeste" nº l96;  (7) - "Arcanos Celestes" nº 2183;  (8) - "Salmos" 9l:ll;  (9) - "Arcanos Celestes" nº l66l;  (l0) - - "Mateus" 4:ll, l2 "Mateus" 28:l8;  (ll) - "Apocalipse Explicado" nº 782 -  "Salmo" 7:2, 22:l3, "Isaías" 38:l3;  (l2) - "Arcanos Celestes" nº 2338 "Êxodo" 23:20, "Salmo" 34:7, 9l:ll, "Isaías" 63:9;  (l3) - "Apocalipse Explicado" nº 730 - "Salmo" 35:l3, "Mateus" 9:l5;  (l4) - "Arcanos celestes" nº 8802, "Apocalipse Explicado" nº ll85;  (l5) - "Arcanos Celestes" nº l66l - "Mateus" 5:4, l0;  (l6) - "Arcanos Celestes" nº l7l2 - "Lucas" l4:27;  (l7) - "Arcanos Celestes" nº 8969;  (l8) - "Verdadeira Religião Cristã" nº 578;  (l9) - "Arcanos Celestes" nº 8367 - "Salmos" l24:6,7,8.  Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1983.  _