Causas de separação e causa de divórcio
Rev.. Cristóvão Nobre

“Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de escortação, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada comete adultério”
Mateus 19:9.

Ao responder a pergunta dos fariseus, o Senhor lhes chamou a atenção para um aspecto mais interior do casamento e que eles não conheciam: “Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez. E disse: Portanto deixará o homem pai e mãe, e se unirá à sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim, não são mais dois, mas uma só carne. Portanto o que Deus ajuntou não o separe o homem”.
São palavras graves que nos mostram que o casamento deve ser encarado com a máxima seriedade. Ouvindo essa resposta, os discípulos compreenderam o rigor da instrução Divina e por isso se queixaram: “Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar. Ele porém lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas a quem foi concedido”.
O casamento é uma união espiritual e é instituída pelo Criador, envolvendo a junção de almas e mentes, razão pela qual o rompimento dessa união não afeta apenas as coisas físicas, mas, principalmente, as interiores que pertencem ao espírito.
Quando criou o ser humano dotado de dois gêneros, masculino e feminino, o Senhor tinha como propósito fazer com que, pela sua conjunção voluntária e recíproca, ambos representassem, em conjunto, o Divino Amor e a Divina Sabedoria do Criador, fazendo dos dois uma imagem e semelhança real do casamento Divino de Bem e Verdade que há em Deus.
Somente por essa conjunção e por seu aperfeiçoamento é que o ser humano encontra sua realização, em conseqüência disso, desfruta de felicidade indescritível pela infinidade dos tempos, pois, na plenitude dessa união as afeições e idéias se potencializam, frutificam e multiplicam incessantemente, capacitando cada um dos dois a desempenhar cada vez mais plenamente os usos de sua vocação particular.
É certo que os estados completos de contentamento e realização não podem alcançados na curto espaço de tempo da vida terrena, mas é nessa vida, aqui, que as bases desses bens são lançadas para toda a eternidade. É por isso que, como aprendemos nas Doutrinas Celestes, o amor conjugal é o fundamental de todos os amores.
O propósito da criação é que exista no ser humano uma imagem do casamento, seja entre o marido e a esposa, seja entre seu interno e seu externo, seja entre sua mente espiritual e sua mente natural, e assim por diante.  Os meios pelos quais esse propósito se efetua e depois progride na pessoa são variadíssimos, mas se resumem basicamente num princípio: afastar-se dos males como pecados contra Deus.  Pois dessa maneira ela se molda gradativamente numa forma receptiva do amor de Deus.
A união é sempre recíproca, havendo sempre uma transferência de qualidades ou virtudes de uma parte para outra. Na mente, por exemplo, o nível espiritual dá vida e luz ao natural, e o natural dá base e sustentação à vida espiritual. No casal, o marido recebe da esposa o amor pelo casamento, porquanto é a mulher, só, que recebe do Senhor o amor conjugal. E a esposa, por sua vez, recebe do marido o entendimento correspondente desse amor, o que se dá pela apropriação nos interiores do seu corpo da alma do marido que se encontra na semente.  Assim, gradativamente, o marido se torna o entendimento da afeição da esposa e esta se torna afeição do entendimento do marido; um deseja querer e pensar como o outro e ambos sentem contentamento íntimo nessa complementação, conjunção e convívio.
Quando refletimos que tudo isto está implícito no casamento, podemos compreender o erro dos fariseus, que pretendiam que fosse lícito e correto rejeitar a esposa por qualquer motivo.  De fato, bastava ao fariseu não ter mais o primeiro ardor ou simpatia pela esposa, aborrecendo-se dela por qualquer razão, para se achar no direito de despedi-la. A lei mosaica permitia isso, mas prescrevia que, quando isso ocorresse, o marido lhe desse carta de divórcio, uma espécie de proteção para ela, para que não fosse tida como desertora do lar por sua vontade ou banida por alguma indignidade de sua parte.
Mas quando vieram a Jesus, os judeus ouviram a razão verdadeira pela qual Moisés lhes dera uma permissão tão impiedosa: “Por causa da dureza dos vossos corações”.  Essa natureza ruim do judeu ainda estava viva nos discípulos, eles mesmos judeus, tanto é que, quando ouviram o Senhor dizer que, de fato, não havia o divórcio por qualquer motivo, eles disseram: “Se é assim a condição do homem... não convém se casar. Ele porém lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas a quem foi concedido”. 
Mas a submissão à lei Divina não é coisa tolerável por todos. Para os fariseus, tanto se lhes fazia se o Senhor explicava ou não a questão do divórcio da maneira verdadeira: eles não aceitariam mesmo Suas palavras, quaisquer que fossem, se elas contrariavam sua vontade. Continuariam agindo como melhor lhes parecesse.  Mas para os discípulos, pessoas com as quais o Senhor estava para instaurar uma igreja nova, estava lançada a sua sorte: aceitar a lei do casamento, aparentemente inconveniente, porque contrariava o seu ego, mas que, por isso mesmo, era a única maneira de a pessoa se superar e alcançar sua realização e felicidade.
A lei Divina prescreveu que o único motivo legítimo de divórcio é a escortação, que é uma devassidão desenfreada. Não haveria mais, para o cristão, outros motivos, como havia para o judeu, por causa da dureza do coração deles.  Porquanto num divórcio por qualquer motivo o proprium do indivíduo se sobrepõe ao propósito de Deus, impede sua realização, ignora o bem do cônjuge e lesa a própria pessoa, porque a priva das bem-aventuranças que são prometidas ao indivíduo na outra vida e que só são alcançadas por meio do casamento. Quando repudia o seu cônjuge por qualquer motivo, o homem ou a mulher estão permitindo que o seu ego separe o que Deus ajuntou. Por isso ele disse: “Não separe o homem o que Deus ajuntou”.
O “homem”, aqui, é o eu, o proprium de uma pessoa, que é a única coisa que pode realmente se interpor numa união e a destruir. Marido e esposa juntos enfrentam e superam qualquer inimigo e perigo. Nem a morte pode destruir o amor de um pelo outro. Nada acaba um casamento, senão a própria pessoa.  É o proprium do indivíduo que faz o orgulho ferido de um que não querer admitir seus erros, suas falhas e fraquezas. É proprium que se recusa a aceitar os mesmos erros no outro, e perdoá-los.  É proprium que guarda ressentimentos, que conserva antigas ofensas na memória com a expectativa de futura vingança. É o proprium que toma para si o melhor e privando o outro do que lhe é devido; é o proprium, enfim, que quer dominar e não servir, ganhar e não perder, impor-se e não abrir mão de seus princípios e desejos. “Não separe o homem”, por conseguinte, é mais que um apelo, é uma ordem do Senhor, para que não permitamos que o nosso proprium entre no relacionamento, pois, se o fizer, é para separar e para destruir.  Eis aí por que o casamento só se aperfeiçoa consoante a regeneração, porque a regeneração consiste exatamente na substituição de propria, um proprium infernal por um proprium celeste.
A causa única em que o divórcio é permitido - e isto podemos ver claramente pela letra mesma da Palavra - é quando um dos cônjuges comete adultério confirmado. Porque, na língua grega original, a palavra que se tem aqui é “escortação”, que é devassidão ou adultério continuado.  Este é o único motivo previsto pela Palavra, porque a escortação ou devassidão atenta diretamente contra o casamento e mesmo o destrói.
A palavra “devassidão” é, pois, um adultério desbragado e desenfreado, uma atitude da qual a pessoa não se envergonha e na qual se confirma por meio de falsidades. É mais que o adultério.  Essa classificação é importante, porque, mesmo que no casamento tenha havido um ato isolado de adultério,  devassidão, por preponderância de uma cobiça da qual a pessoa se arrependeu com sinceridade e da qual depois realmente se afastou pela penitência, não haveria, ainda assim, segundo a mesma lei da Palavra, motivo justo de divórcio.  Um mal não confirmado pelo entendimento não é ainda o que destrói o casamento.  Se uma atitude impura de adultério fosse já o motivo de divórcio, não haveria mais casamento algum na face da terra, uma vez que o adultério não é só o ato físico, a ação praticada com o corpo, mas até mesmo o desejo oculto e o simples pensamento de cobiça, como o Senhor disse: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela” (Mateus 5:27,28). Foi por isso que, ao trazerem diante de Jesus a mulher apanhada em flagrante adultério, para que fosse condenada, o Senhor fez ver aos fariseus ali presentes que nenhum homem ou mulher há que, diante de Deus, não tenha também cometido tal pecado em intenção e não esteja, assim, sujeito ou sujeita à mesma condenação de adúltero ou adúltera.
A obra “Amor Conjugal” cita várias razões consideradas motivos justos para separação de leito e separação de casa, mas essas não são motivos de divórcio. Nessas separações, o casamento continua existindo entre os cônjuges, por mais doloroso que seja esse fato, pois que entre eles houve uma união consentida de almas.  Há casos em que uma das partes pode precisar se separar e interromper a convivência com a outra, mas, segundo as leis espirituais do casamento, continuará havendo, ainda, o casamento entre ambos.  Nesses casos, como o casamento das mentes persiste, a despeito da separação de corpos, não é lícito a nenhum dos cônjuges ter ou pretender ter relacionamento físico ou afetivo com terceiros, pois isso constituiria adultério. São palavras do Senhor: “Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de escortação, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada comete adultério”- Mateus 19:9.
Na Nova Igreja, temos a consciência de que o proprium do homem é infernal, e é por isso que aqui todos buscam, por meio da penitência dos males, receber do Senhor um proprium novo, uma vontade nova, celeste, e Ele no-la dá por meio de nossas vitórias nas tentações. Quando nos afastamos do mal do adultério como pecado contra Deus, afastando do pensamento as insinuações e fantasias infernais e da vontade os desejos diabólicos, o Senhor pode, aos poucos, insinuar em nós esse novo proprium, que ama o que é santo, o que é Divino e o que está dentro da ordem, como lemos na obra Doutrina de Vida:
“Quanto mais alguém foge dos adultérios de todo gênero como pecados, mais ama a castidade. Por cometer adultério, no sexto preceito do Decálogo, entende-se, no sentido natural, não só cometer escortação, mas também fazer obscenidades, dizer lascívias e pensar indecências; porém, no sentido espiritual, por cometer adultério entende-se adulterar os bens da Palavra e, no sentido supremo, entende-se negar o Divino do Senhor e profanar a Palavra: são esses os adultérios de todo gênero... o adultério é um mal tão grande que pode ser chamado diabólico mesmo, porque aquele que está no adultério natural está também no espiritual e vice-versa. ... A lascívia do adultério e a castidade do casamento são dois opostos; eis porque quanto mais alguém foge de um, mais está dentro do outro” (74, 75).
A nós, que desejamos fazer parte da Igreja espiritual do Senhor, a lei Divina nos é dada de modo claro e irrefutável; somos nós aqueles a quem foi dado receber estas coisas, como o Senhor disse, pois aceitamos livremente sobre nós o jugo suave de Jesus como nos foi oferecido nas leis espirituais e eternas das Doutrinas Celestes do Sentido Espiritual da Palavra. Nós é que temos consciência de que, embora sejamos maus e pecadores, temos a nosso favor a misericórdia Divina que nos capacita, pela transformação de nossas mentes, a nos elevarmos acima dos influxos infernais que atuam incessantemente em nossa vontade natural e irregenerada, e assim recebermos o poder de cumprir a lei do Senhor em nossos atos, palavras e intenções.
Quem crê na palavra do Senhor e a deseja receber como lei espiritual da sua vida, diante desta doutrina, não pode considerar o divórcio como uma alternativa disponível para escapar de problemas comuns ao casamento.  Para a nós, a resposta à pergunta dos fariseus é, pois: “Não, não nos é lícito repudiar o cônjuge por qualquer motivo”. Mesmo se houver motivo de separação de leito e de casa, conforme são listados na obra “Amor Conjugal” o casamento ainda existirá, porque, pela união diante do altar, as almas começaram a se fundir em uma só.
Os casais devem vigiar constantemente para que o proprium de cada um não interfira nesse relacionamento, com seus amores nocivos que  certamente causam danos que poderão vir a ser irreparáveis. É por isso que ambos os cônjuges precisam se voltar para o Senhor, buscar livre e espontaneamente da Palavra e da doutrina da Igreja a instrução espiritual para as suas vidas e aplicá-las em sua regeneração, porque regeneração e casamento são dois processos que andam lado a lado, e um depende intrinsecamente do outro.  Amém.

Lições: Mateus 19 (p). Am.Con. 255, 426