Causas de frieza no casamento

Segundo de uma série de dois sermões pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

"Portanto o que Deus ajuntou, não o separe o homem" - Mat. 19:6

Já tivemos a oportunidade de examinar em detalhes o que as Doutrinas Celestes nos ensinam sobre as diversas causas que dão origem à frieza no casamento. Ficamos sabendo que existem causas internas, externas e causas acidentais. As internas, já vimos, são em número de quatro e dizem respeito à religião, a saber: Primeira: quando um dos cônjuges rejeita a religião. Segunda: quando um tem religião e outro não tem. Terceira: quando um é de uma religião e o outro de outra. E a quarta causa: quando a religião de um dos dois ou dos dois é baseada em falsos ensinos. As causas internas têm origem na religião porque "a religião está implantada nas almas". Sendo os casamentos uniões espirituais, daí se vê que eles estão estreitamente ligados à religião e dependem da religião.
Mas existem também fatores externos que dão origem à frieza nos casamentos, e são destes fatores que iremos tratar em nosso sermão de hoje.
Os Escritos mencionam estes fatores ou causas de frieza em cinco categorias. A primeira delas é a dessemelhança de mentes. É sabido que a pessoa, desde que nasce, é influenciada por situações ou condições que moldam seu caráter ou suas inclinações. De pessoa para pessoa, há uma diversidade de afeições e inclinações externas que se vão adquirindo pela educação que se recebe, pelo meio social em que se vive e pelos hábitos contraídos. As influências que a pessoa recebe por estes fatores determinam o tipo de mente externa, porquanto as características internas têm relação com o caráter herdado dos pais, avós e demais ancestrais.
Quando, pois, um homem e uma mulher receberam influências semelhantes em sua criação, em sua educação ou no meio em que viveram, a tendência é que existam entre elas semelhanças externas da mente que levam a serem atraídas ao casamento uma com a outra. Ao contrário, porém, quando as influências externas recebidas foram diferentes, a tendência é que exista de ambas as partes, restrição ao casamento. E, se houver o casamento, essas dessemelhanças da mente, conforme dizem as Doutrinas, são uma causa externa de frieza. Como exemplo, os Escritos mencionam as dessemelhanças de costumes: "Um homem grosseiro com uma mulher polida; um homem asseado com uma mulher desasseada; ou uma mulher asseada com um homem desasseado; um homem ou uma mulher que gosta querelas com uma mulher ou um homem que ama a paz; em uma palavra, um homem imoral com uma mulher moral, ou uma mulher imoral com um homem moral" ("Amor Conjugal" 246). É interessante observar que essas dessemelhanças não se mostram nas faces, mas nos hábitos das pessoas. Quando essas diferenças de hábitos, costumes e educação estão presentes, a tendência é que provoquem frieza.
A segunda causa externa de frieza é a visão distorcida do casamento, isto é, quando ele é considerado como mera união carnal, não lhe sendo atribuído caráter espiritual nem santidade. "Quando... se crê que o amor conjugal é um com o amor escortatório, estes amores se tornam semelhantes na idéia, e então a esposa é considerada como prostituta e o casamento como impudicícia. O mesmo é por isso adúltero, se não de corpo, ao menos em espírito" (Ibid. 247). Daí decorre entre o homem e sua mulher o desprezo, o desdém, a repugnância e a frieza, como conseqüência inevitável.
Lê-se ainda na obra póstuma "De Conjugio", 4: "No amor verdadeiramente conjugal nada há de lascívia. Aqueles que não sabem o que o amor verdadeiramente conjugal é, e os que não estão nesse amor, podem achar que ele não existe sem a lascívia, mas a diferença é tal qual a que existe entre o céu e o inferno. Pois suas delícias aparecem nos externos como se fossem as mesmas, mas todo externo deriva sua qualidade e sua natureza essencial dos internos. Os internos do amor conjugal provêm do Senhor, e daí do céu, e de tudo o que é auspicioso e feliz ali, mas o interno da lascívia ou do adultério provém do diabo e assim do inferno e de tudo o que é mal e infeliz. ... Os anjos percebem claramente, pela esfera de dois consortes, se há algo de lascivo neles, e sua qualidade e quantidade, e na mesma medida se afastam deles. A razão de os anjos se afastarem na mesma proporção é que a lascívia do adultério faz comunicação com os infernos, mas a castidade do casamento com o céu".
Um dos usos da revelação das Doutrinas Celestes é exatamente restaurar para o mundo, através da Igreja, as verdades espirituais sobre um amor verdadeiramente conjugal, porque através desta visão e da implantação deste amor, o homem, constituído pelo marido e a esposa, pode atingir o propósito de Deus para a bem-aventurança da criatura humana, uma eternidade feliz, de prazer e ao mesmo tempo de realização através de usos para si mesmo e em favor do próximo.
Nessa visão, a instrução religiosa que a Igreja provê às crianças, aos jovens e aos casais é essencial e indispensável, e precisa ser valorizada e devidamente apoiada por todos os membros da Igreja, porque este é o único meio de reparar e consolidar nas mentes das crianças, dos adolescentes e dos jovens o ideal de um casamento em que se encontra a alegria celeste como realizável já nesta vida. A instrução clara, objetiva, apoiada pelos exemplos na família, serão para eles uma defesa desses valores sagrados que o Senhor quer restaurar para a criatura humana. Sem essa defesa, não há como nossas crianças e nossos jovens não serem levados pela visão distorcida que o mundo tem sobre o casamento, a saber, como mera convivência física, no que o homem não difere muito da besta irracional.
A terceira causa externa de frieza no casamento é a rivalidade entre os cônjuges. As pressões de nossa realidade econômica levam a que marido e esposa tenham de sair de casa e, igualmente, buscarem o sustento material. Mas essa igualdade de papéis na sociedade, ao invés de contribuir para a união do casal, quase sempre contribui para fomentar a rivalidade entre ambos. Todos nós conhecemos exemplos em que marido e esposa convivem em constante disputa quanto à inteligência, sucesso profissional, salário mais alto e outras coisas, e em muitas destas situações, um casamento se esfria e termina porque uma as partes se tornaram concorrentes e uma não satisfaz os objetivos pessoais da outra.
Outro fator que leva hoje a que haja essa rivalidade nos casamentos é a visão errônea do papel feminino como antagônico ao papel masculino na sociedade. Nossa civilização, como sabemos, enfatiza e valoriza o aspecto intelectual, masculino, da fé, enquanto menospreza o aspecto afetivo, feminino, da caridade. A queda da raça humana foi esse desequilíbrio e desse desejo antigo da fé de dominar sobre a caridade. É a luta de Jacó contra seu irmão, Esaú, pelo direito de primogenitura.
Mais uma vez, a Nova Igreja tem nas mãos o dever de restaurar para o mundo uma noção equilibrada da fé como irmã da caridade, e da conjunção Divina entre uma e outra, sem antagonismos e sem disputas, sem que uma se sobreponha ou aniqüile a outra. Enquanto não houver entre nós uma visão de que marido e esposa formam um casamento de fé e caridade, e por isso fazem um, estaremos sujeitos à visão vesga de nossa civilização que enxerga o masculino em primeiro plano, que recompensa a inteligência, que valoriza o intelecto e despreza o afeto. Neste respeito, os movimentos feministas e os que compartilham de suas bandeiras erram ao lutarem contra o desequilíbrio no campo masculino, ao invés de exaltarem os valores femininos em seu próprio terreno. Mas a educação da Nova Igreja pode restaurar em nossas mentes o conceito verdadeiro e eterno de que "no dia em que Deus formou o homem, macho e fêmea o criou". O masculino, o intelecto, a fé, não se realizam sozinhos e nada são sem o feminino, a afeição e a caridade.
A começar por nós, devemos nos habituar a pensar e a agir segundo essa visão sã, nas menores coisas e em nossos hábitos. É nosso dever acreditar e agir de acordo com essa fé de que, num casamento, tem preeminência quem tem a razão, e tem a razão quem está na verdade e na justiça, seja o marido seja a esposa. E quando a razão e a justiça aparecem, ambos devem abandonar suas próprias posições em favor da justiça e da verdade, porque então é o Senhor que governa o lar, pois Ele é a Verdade mesma. Se não houver essa disposição de seguir a Verdade e ceder, prevalecerá uma disputa infernal e egoística por superioridade. "Enquanto dura esta rivalidade, o espírito de um medita violências contra o outro. Se então suas mentes se abrissem e fossem examinadas pela vista espiritual, eles apareceriam como combatendo com punhais, e como se encarando com ódio, e ora com ódio, ora com olhar favorável: com ódio quando estão na violência da rivalidade, e como olhar favorável quando têm a esperança de dominar, e quando estão no desejo libidinoso. Depois da vitória de um sobre o outro, este combate se afasta dos externos e se retira para os internos do mental, e aí fica escondido com inquietação. Daí vem a frieza naquele que foi subjugado ou se tornou escravo, e também na esposa que ficou vitoriosa ou se tornou senhora" (Ibid. 248).
A quarta causa externa de frieza no casamento é quando há falta de determinação para uma ocupação, para um uso ou um estudo definidos. A razão disso, lemos nas Doutrinas, "é que o homem foi criado para os usos, porque o uso é o continente do bem e do vero". Quando está aplicada num uso, a mente está na ordem da criação e por isso na forma verdadeiramente humana. Nessa ordem, ela pode ver as coisas em sua luz, e por isso vê as cobiças que estão fora e as examina, podendo assim conhecer as loucuras do desejo libidinoso. Em decorrência disso, o calor conjugal pode fluir e permanecer mais tempo do que num estado de desordem. Quando, todavia, existe o ócio ou a preguiça, a mente fica sem determinação e sem termo, num estado de desordem. Assim, fica sujeita a todo influxo inútil e frívolo, e o amor conjugal é expulso. "Pela preguiça e a ociosidade a mente se torna estúpida e o corpo se entorpece... O homem inteiro se torna insensível a todo amor vital, principalmente o amor conjugal", pois desse amor emana a atividade e a vivacidade.
Temos aprendido que a caridade mesma consiste em se afastar os males como pecados contra Deus e, em seguida, agir com sinceridade, fidelidade e justiça em toda obra, em toda ocupação e em todo relacionamento, e isto tudo é algo ativo, operante, militante mesmo. A negligência quanto à caridade assim definida não é outra coisa senão o comodismo, depois a letargia, o torpor e finalmente a estupidez espirituais, quando o homem deixa de ser homem. O reino dos céus é o reino dos usos, porque a vida Divina a atividade mesma, uma atividade constantemente útil e benéfica. Sendo assim, a inatividade ou a não aplicação a um uso é a própria negação da vida dos céus e do amor conjugal. É por isso que esse estado de inatividade também é causa externa de frieza no casamento.
Cumpre lembrar que, quando se trata do casal, o uso maior a que marido e esposa podem se dedicar é a boa criação dos filhos com a consciência de que estão preparando futuros cidadãos dos céus, anjos para o Senhor, porque a existência de um céu composto pelo gênero humano é o propósito do Senhor, a procriação é a maneira pela qual Ele provê isso, e o amor conjugal é a causa média pela qual o propósito Divino avança para Seus efeitos (vide n. 387).
A quinta das causas externas de frieza é a desigualdade de estado e de condição nas coisas exteriores. São citadas, neste número do Amor Conjugal, as desigualdades de dignidade, de idade e de opulência. "Que a desigualdade de idades, como de um moço cm uma velha, e de uma moça com um velho, conduzam à frieza, nos casamentos, isso não precisa ser provado". O mesmo se aplica às situações de desigualdade entre um príncipe e uma criada, porque, nesses casos, uma das partes se considera complacente em relação à outra, e a que está em posição de inferioridade ou desvantagem se conjunta apenas servilmente e não com liberdade e espontaneidade (vide 250 e compare com 248). Quando falta a liberdade autêntica, a conjunção é fria.
Ensinamentos como estes, vindos do sentido interno da Palavra para a Nova Igreja, põem diante de nós um mapa da vida, ou um retrato da alma humana em sua complexidade. Aqui vemos, com nitidez, situações reais de nossas vidas e todas as possibilidades de erros e acertos a que estamos sujeitos no universo de nosso relacionamento com o sexo oposto e, depois, com nosso cônjuge.
Assim, quando nos falam a respeito de condições externas que levam à frieza, as Doutrinas Celestes estão nos alertando a respeito de perigos a que estamos sujeitos. Não quer isto dizer que a ocorrência de uma ou mais dessas condições vá fatalmente aniqüilar o amor verdadeiramente conjugal entre duas pessoas, até porque são causas externas. Mas quer dizer, sim, que devemos empregar nossa prudência, nosso zelo e nossa racionalidade no exame dessas situações, estando alertas quanto ao que elas representam, a saber, uma porta aberta por onde a frieza pode entrar no casamento.
Sem dúvida, quando essas situações existem no casamento, os infernos as conhecem como fraquezas reais e tendem usá-las como meios de tentação. Ainda que sejam coisas externas, o calor do verdadeiro amor conjugal perece quando os infernos se aliam ao proprium humano para fazer de tais situações o principal meio de derrota nos casamentos.
Mas, ainda que os infernos estejam continuamente operando para minar e destruir os casamentos por meio dessas causas, é dito que elas, as causas externas, não são as causas mesmas, mas causas derivadas, pois as causas mesmas estão nos íntimos. Isto quer dizer, portanto, que o processo de regeneração, quando os motivos e os amores do indivíduo são mudados, pode tornar nulas situações externas que, de outro modo, seriam propícias à frieza e conseqüentemente à separação.
De qualquer maneira, sejam as causas internas ou externas, possamos nós permanecer conscientes de nossos reais inimigos, de nossas reais fraquezas, das áreas em nossos casamentos em que eles atacarão com mais força. Estejamos preparados para esses ataques e não consintamos jamais que nosso proprium, nosso ego, nosso velho homem, seja instrumento dos infernos para a destruição do amor conjugal. "Portanto, o que Deus ajuntou, não o separe o homem". Amém.

Lições: Mat. 19:1-12
Am. Conj. 237