O Bezerro de Ouro

Sermão pelo Rev. C. R. Nobre

"E vendo o povo que Moisés tardava em descer do monte, acercou-se de Arão, e disse-lhe: Levanta-te, faze-nos deuses, que vão adiante de nós; porque quanto a este Moisés, o homem que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe sucedeu".

Os capítulos anteriores do Êxodo tinham tratado dos estatutos e leis que o Senhor JEHOVAH outorgara aos filhos de Israel para o estabelecimento da Igreja. As leis tinham um aspecto externo, concernente ao ritual do culto e à vida do povo, e, evidentemente, um outro aspecto, interno e correspondencial, à respeito do espírito humano e da Igreja interna.
Mas os israelitas tinham uma natureza meramente corporal e terrena. Como tais, não podiam saber coisa alguma acerca dos interiores e do espírito, mas permaneciam obcecados pelas coisas externas, que eram apenas representações. Quando as afeições de uma pessoa se ligam assim somente aos exteriores, as coisas corporais e terrenas reinam; e quando essas reinam, os internos da mente, que deveriam estar abertos para o céu, são fechados.
Nessa condição, a pessoa não reconhece coisa alguma dos internos (AC 10396), mas crê apenas no que pode ver, tocar, sentir e avaliar pelos sentidos naturais. As coisas interiores são como se não tivessem existência;  e, na Palavra e no culto, todas as coisas são vistas somente em seus aspectos literais e externos.
É este estado de coisas que está representado no relato dos israelitas adorando o bezerro de ouro. Moisés estava no alto do monte Sinai e Arão permanecera embaixo com povo.  E o povo via  que "Moisés tardava em descer do Monte". "Moisés" representa a Palavra, tanto no seus internos quanto nos externos.  "Ver" significa entender; "tardar em descer do monte" é não sentir o influxo do céu provindo na Palavra, isto é, não se perceber a instrução interna da Palavra no entendimento. Porque a Divina Verdade que flui no homem é como se descesse do céu.
É num estado assim que se encontram as pessoas que não vêem um sentido interior na Palavra, nem admitem nela um significado interno além do que diz a letra. Qualquer mensagem interior e Divina que se manifeste na letra é ignorada, tida como ausente. É Moisés que está no alto e não desce diante de seus olhos, mas tarda. "Porque, quanto a este Moisés, o homem que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe sucedeu".
Quando se adere à mensagem da letra apenas, separada dos internos, a mente está na ignorância quanto à verdade. "quanto a este Moisés... não sabemos o que lhe sucedeu".  Mas a ignorância da verdade ocorre porque falta uma doutrina que a guie em meio à obscuridade das aparências de vero da própria letra. Sem a sã doutrina, o espírito da verdade, a letra da Palavra não é compreendida, e essa condição torna a pessoa sujeita a erros por quaisquer ensinamentos, mesmo quando os ensinamentos são baseados em passagens literais da Palavra.
O povo acercou-se de Arão e lhe disse: "E o povo disse a Arão: "Levanta-te, faze-nos deuses, que vão adiante de nós; porque quanto a este Moisés, o homem que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe sucedeu". "Arão", irmão de Moisés, representa esse sentido mais externo da Palavra, enquanto Moisés representa a Palavra, tanto no seus internos quanto nos externos, como foi dito. Arão, porque aqui estava separado de Moisés, só pode levar a um entendimento meramente literal das Escrituras, sem a luz do sentido interno. O povo acercar-se de Arão representa o apego da mente a essa compreensão meramente literal da Palavra. "Significa que eles se voltaram para os externos da Palavra, da igreja e do culto separados do que é interno" (AC 10397).
"E Arão lhes disse: Arrancai os pendentes de ouro, que estão nas orelhas de vossas mulheres, e de vossos filhos, e de vossas filhas, e trazei-mos. Então todo o povo arrancou os pendentes de ouro, que estavam nas suas orelhas, e os trouxeram a Arão.  E ele os tomou das suas mãos, e trabalhou o ouro com um buril, e fez dele um bezerro de fundição. Então disseram: Este é teu deus, ó Israel, que te tirou da terra do Egito".
Cabe notar que não foi realmente o povo quem fez o ídolo, mas Arão. Mais tarde, como se vê na continuação desta história, o povo é duramente punido, mas nada acontece a Arão. Isto seria uma injustiça por parte de Moisés e de Deus, segundo uma interpretação literal. Mas "Arão" aqui significa a compreensão material da Palavra, como foi dito. Separado de Moisés, ele é uma visão obscurecida da Palavra na letra, separada da doutrina do sentido interno que a ilumina. É a compreensão errônea que faz desviar o povo.
Arão, atendendo o desejo do povo, faz para eles um ídolo. Isto significa que essa compreensão literal da Palavra, sem a luz do sentido espiritual, forja doutrinais, falsos ensinos ou heresias ao bel-prazer das cobiças da vontade. E essas doutrinas errôneas que concordam com seus amores, as pessoas adoram e seguem piamente como deuses. E mais, se elas forem questionadas quanto à natureza dessas heresias, elas prontamente trarão dezenas de passagens da letra das Escrituras a fim de confirmar e justificar seus falsos. A letra da Palavra favorece esse desvio de interpretação, porque seu estilo é envolto em símbolos que, em si mesmos, contém ambigüidades, contradições e meras aparências de verdade;  somente em alguns poucos lugares os veros estão nus em seu significado. Mas, para elas, Arão ou a letra da Palavra positivamente ensina tais doutrinais que são seguidas piamente, ainda que sejam contra a razão, o amor ao próximo e ao Senhor.
Lemos ainda nos Escritos que: "Quem separa o interno da Palavra, da igreja e do culto, do externo, separa-o da santidade Divina. Porque o interno destes é o seu espírito, mas o externo é o corpo deste espírito, e o corpo sem o espírito é morto. E, por conseguinte, adorar o que é morto é adorar um ídolo. Neste caso, é adorar o bezerro de ouro e proclamar jejum a ele, e assim fazer o povo errar". AC 10397.
Arão mandou que arrancassem as argolas de ouro das orelhas das mulheres, das filhas e dos filhos, e com eles fez um bezerro de ouro. A razão de o ouro ter sido tirado dos pendentes das orelhas é que elas correspondem à obediência. O ouro significa o bem do amor, mas aqui, como era o amor de si que reinava, o ouro representa o prazer dos amores externos. Os pendentes na orelha são, portanto, testemunhos e sinais de que eles prestam obediência aos seus amores e são subservientes aos seus motivos e caprichos pessoais, em vez de serem guiados pela consciência e servirem ao homem interno e ao Senhor
Os pendentes foram arrancados das mulheres, das filhas e dos filhos, significando que tais ensinamentos foram elaborados da letra da Palavra por uma afeição da verdade, neste caso, aplicada aos próprios motivos.
"E ele os tomou das suas mãos, e trabalhou o ouro com um buril, e fez dele um bezerro de fundição. Então disseram: Este é teu deus, ó Israel, que te tirou da terra do Egito". "Trabalhar com o buril" e forjar um ídolo significam usar a própria inteligência para elaborar doutrinais. Isto acontece quando se busca na letra da Palavra ensinamentos que favorecem os amores de si e do mundo (vide AC 10406).
"Em toda parte da Palavra se faz menção a "imagem gravada" e "imagem de fundição". Os que compreendem a Palavra meramente de acordo com a letra imaginam que essas imagens significam apenas ídolos. Entretanto, não são ídolos que são aqui representados, mas falsos doutrinais da igreja, tais como os que são elaborados pelo homem mesmo, sob a direção de algum de seus amores. A formação de falsidades que são coerentes, para que apareçam como se fossem veros, é significada por "imagem gravada". Mas a coleção delas para favorecer os amores externos, para que males apareçam como se fossem bens, é significado pela "imagem de fundição". Visto que ambos os tipos foram entendidos pelo "bezerro de ouro", por isso se diz aqui que Arão "trabalhou com o buril", pelo que se entende formar a falsidade para que apareça como se fosse verdade, e se diz que "fez dele (do ouro) bezerro de fundição". E mais tarde se disse que "lançou no fogo e saiu um bezerro", significando acrescentar o que favorece os amores externos para que os males apareçam como bem. Este é o caso com toda doutrina feita pelo homem e não pelo Senhor, e é feita pelo homem quando ele tem em vista sua própria glória ou seu próprio proveito, mas é pelo Senhor quando o bem do próximo e o bem do reino do Senhor são considerados como fins".
Como se diz em Jeremias:
"Todo o homem é embrutecido no seu conhecimento; envergonha-se todo o fundidor da sua imagem de escultura; porque sua imagem fundida é mentira, e nelas não há espírito". (Jer. 10:14) E: "Embrutecido é todo o homem, no seu conhecimento; envergonha-se todo o artífice da imagem de escultura; porque a sua imagem de fundição é mentira, e nelas não há espírito". (Jer. 51:17)
Pela ciência das correspondências na Palavra, aprendemos que o "bezerro" representa o bem da inocência e da caridade no homem natural. Mas quando se está apenas nos externos sem os internos, o bezerro representa os prazeres naturais e dos sentidos, que é o deleite dos prazeres, das cobiças e dos amores de si e do mundo. "É nestes prazeres que estão os que se acham nos externos sem um interno, e esses prazeres eles cultuam, porque o homem adora aquilo que ele ama acima de todas as coisas. Eles, na realidade, dizem adorar o Deus do universo, mas o dizem de boca e não de coração. Tais pessoas são entendidas pelos que adoram o bezerro de ouro..." AC 10407.
Como estas afeições naturais tomam então o lugar de Deus, por isso são os deuses que eles amam acima de tudo o mais e os quais servem, seguem e defendem. "Então disseram: Este é teu deus, ó Israel, que te tirou da terra do Egito. . E Arão, vendo isto, edificou um altar diante dele; e apregoou Arão, e disse: Amanhã será festa ao SENHOR. E no dia seguinte madrugaram, e ofereceram holocaustos, e trouxeram ofertas pacíficas; e o povo assentou-se a comer e a beber; depois levantou-se a folgar".
Arão edificou um altar diante dele. "Significa o culto, mas aqui o culto diabólico, porque os que estão nos externos sem os internos têm comunicação com os infernos e não com os céus. (...) Quando o interno se fecha, o céu também se fecha, e então o externo não é mais dirigido pelo céu, mas pelo inferno, e o culto não é Divino, mas diabólico". AC 10411.
O pedido do povo a Arão é o desejo das pessoas por ensinamentos que as conduzam, sim, mas ao mesmo tempo concordando com os seus próprios amores. As pessoas têm seus objetivos ou propósitos e procuram na religião doutrinais que justifiquem tais propósitos. Elas querem veros em que acreditar mas à sua maneira. Buscam e abraçam a instrução que mais se harmonize com os seus interesses pessoais. Enquanto o correto, o sensato, é que examinemos os veros e os aceitemos mesmo quando contrariam os nossos ou amores, porque assim, por meio da verdade, esses amores e motivos podem ser examinados, conhecidos e reconhecidos em sua natureza real. Somente assim podemos identificar em nós as inclinações hereditárias para o mal e os próprios males ativos, na intenção e na prática, e só desta maneira podemos, com o auxílio Divino, nos ver livres deles.
Entretanto, a tendência da criatura humana é crer naquilo que lhe faz bem ou lhe parece bom. É por isso que uma pessoa pode ver na religião apenas uma tábua de salvação para seus desenganos pessoais ou um meio de realizar um anseio próprio. E os ensinamentos ali recebidos serão para ela verdades a serem estimadas acima de quaisquer outras. A igreja que formula doutrinas que satisfazem os intentos dos indivíduos é o Arão destituído de conhecimento, separado da doutrina genuína dos internos da Palavra.
Por exemplo, os que abraçam a doutrina de uma igreja que prega a riqueza material como se fosse esta  a real promessa Divina: essa doutrina é aceita como vero porque o objetivo dessas pessoas que a abraçam nada mais é que a prosperidade material..
Há igrejas que ensinam que o Senhor cura todas as enfermidades do mundo, como se as enfermidades do corpo fossem os reais perigos espirituais. Dizem com toda convicção que o crente, ao aceitar essa fé, nunca mais terá enfermidade ou, se a tiver, será prontamente sarado. E muitas pessoas desesperadas pelo sofrimento aceitam essa crença, porque concorda um com o alívio que elas buscam. As passagens das Escrituras a que elas mais se apegam serão aquelas sobre a cura.
Também há os que adotam certa religião como meio de serem aceitas socialmente, de fazerem parte de um grupo respeitável. Há pessoas que se sentem rejeitadas pela sociedade e fora dos círculos comuns de amizade, e portanto carecem de reconhecimento e de convivência com os outros. A entrada no grêmio religioso para elas é para satisfazer essa necessidade de afirmação, de reconhecimento ou de status. E as verdades ali ensinadas sobre a fraternidade e a harmonia serão os deuses que as guiarão nesse objetivo.
Muitas aceitam a religião por mera soberba - por incrível que pareça - porquanto esperam alcançar, por intermédio da religião, uma situação privilegiada nos céus, quando receberão a função de juizes, ou serão coroadas e assentar-se-ão em tronos, ou condecoradas com que galardões pela sua fé. Por pensarem assim, não há como não serem levadas pelo amor de si e se considerarem superiores a todas as outras pessoas. Para essas pessoas, as passagens das Escrituras que prometem tais recompensas são os deuses que elas escolheram seguir.
Um grande número de pessoas adotou a religião por achar nela um alívio de consciência por remorsos, ou o afastamento do medo do castigo eterno, ou a confiança pessoal de que estarão salvos após à morte, a despeito de erros que cometeram e cometem constantemente ainda. Para esses, há passagens nas Escrituras que parecem ensinar que Deus não olha para as obras ou a vida, mas dá recompensa somente em razão da fé, pois é a fé que salva.
Outros, especialmente os líderes religiosos, vêem na religião um meio de exercerem domínio sobre a alma dos seguidores, os quais olham como se fossem filhos espirituais por eles mesmos gerados. E tiram da Palavra passagens sobre a autoridade sacerdotal as quais seguem como deuses que atendem os seus desejos.
E assim por diante. Todos esses motivos e interesses pessoais e materiais são provenientes de ambições ou cobiças do amor de si e do mundo, e os ensinamentos que os confirmam e justificam são deuses ou ídolos reais que as mesmas da pessoa põem à frente de seu entendimento como lema a seguir e os adora. São tais ensinamentos que são representados aqui pelo bezerro de ouro. A verdade que adotaram é a única que seguem, ignorando e negando qualquer outro ensinamento da Palavra que contrarie os seus amores.
"Assim fazem pensam e falam todos aqueles que estão nas coisas externas sem as internas... são os que estão no amor de si e do mundo. ...com esses o homem interno está fechado e somente o externo está aberto; e o que o homem externo sem o interno vê quando lê a Palavra, ele o vê em densa treva" pois "a luz do céu entra pelo homem interno no externo e o ilumina. Por esta razão é que tantas heresias têm surgido, que a Palavra é chamada de livro de heresias... os que crêem que há alguma interna na Palavra, não sabem onde ela está..."
Não podemos prescindir das Doutrinas Celestes na Igreja. Se quisermos ser guiados pelo Espírito da Verdade, pelo Senhor mesmo, e não por nossos próprios sentimentos e princípios enganosos, precisamos de ler à Palavra e compreendê-la à luz da doutrina de seu próprio sentido interno, pois este sentido é o Senhor mesmo nos abrindo o livro selado, falando-nos plenamente a respeito do Seu amor, o Pai, como ele nos prometera.
Creiamos nas Doutrinas e saibamos usá-las como nossa lâmpada. Se não a adotarmos como uma luz esclarecedora da Palavra, nossa mente será levada a erros, aonde quer que a obscuridade de nosso entendimento e o deleite de nossa vontade irregenerada a conduzir e a arrastar. "A doutrina que deve servir como lâmpada é o que o sentido interno ensina". "Porque o céu (que está no sentido interno da Palavra) influi no homem quando ele lê a Palavra e o ilumina, e lhe dá percepção, e assim o ensina". Amém.