A atração do amor

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

“Pois que com amor eterno te amei, também com amorável benignidade te atraí” Jeremias. 31:3

 

É difícil definir o que é o amor. Falamos muito de suas qualidades, aprendemos sobre sua essência e o definimos muitas vezes como um calor, a idéia natural mais próxima que temos sobre o amor, e esta é uma idéia verdadeira.
Mas, sem dúvida alguma, a definição melhor nos é dada de uma forma bem simples e ao mesmo tempo, profunda, pelas Doutrinas Celestes: o amor é uma forte atração.
Ao aprendermos esta definição nova e celeste, nosso senso comum nos diz que é assim mesmo, pois sentimos essa atração em forma de apego, de um desejo de estar junto das pessoas, das coisas e dos lugares que amamos.
A Palavra nos ensina em toda parte que a essência de Deus é amor, amor por nós. O Senhor nos ama e, por isso, a Palavra fala também que Ele nos atrai. O versículo que hoje tomamos como tema, em Jeremias 31, expressa de uma forma cheia de afeto este amor atrativo do Senhor, que nos diz: “Pois que com amor eterno te amei, também com amorável benignidade te atraí”. Mais tarde, quando estava prestes a ser crucificado, o Senhor repetiu: “E Eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a Mim (Jo. 12:32).
A atração do amor do Senhor é como a força de um ímã poderosíssimo. Ela foi comparada nos Escritos a uma corrente vigorosa do oceano. “Há, na realidade, uma esfera pela qual todos são elevados para o céu; ela procede continuamente do Senhor e enche todo o mundo espiritual e todo o mundo natural; e é como uma forte corrente no oceano, que, sem que se saiba, arrasta o navio. Todos os que crêem no Senhor e vivem segundo Seus preceitos entram nessa esfera ou corrente, e são elevados; mas aqueles que não crêem, não querem entrar aí; lançam-se para os lados, e aí são apanhados por uma [outra] corrente que os conduz ao inferno” (VRC 632).
Também pode ser vista na força de gravidade com que o Sol mantém os planetas em ordem e perpetuamente girando em órbitas à sua volta. Se não fosse a atração do Sol, todos os planetas se dispersariam nas profundezas escuras do espaço. Se não fosse pela ciência, nem saberíamos que o Sol exerce uma atração tão forte, mas a ciência nos prova que é ela que faz o movimento das marés, dos ventos e de vários fenômenos terrestres.
No entanto, o Sol natural é morto em si mesmo. Sua ação poderosa não vem dele, mas sim do Sol do mundo espiritual, ao qual corresponde, e que é o Senhor.
Como um Sol dos céus, chamado nos Evangelhos de Sol da justiça, o Senhor está no centro do universo espiritual, e todas as sociedades angélicas estão em torno dEle e se voltam para Ele. E não só elas, mas até as sociedades infernais são mantidas em sua ordem por causa do poder Divino. Ainda que elas estejam sempre de costas para o Sol do Divino amor e sabedoria, voltadas para as trevas, é pelo amor do Senhor que elas se mantêm e são alguma coisa.
E assim todas as almas humanas gravitam em torno desse Sol. Podem estar a uma distância maior ou menor, e podem estar mais ou menos voltadas para Ele, mas todas elas, quer queiram, quer não, estão sujeitas à mesma atração Divina que as mantém onde estão e sua vida depende disso. Ainda que não o creiam, não percebam ou não dêem importância a isso, mesmo as pessoas de um caráter maligno e infernal estão sob o efeito amoroso dessa atração Divina. E esta é a única razão de eles continuarem existindo, de não serem desintegrados pelos seus próprios ódios. É como disse o mesmo profeta Jeremias, nas suas Lamentações (3:22): “As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim”.
As Doutrinas Celestes para a Nova Igreja nos ensinam que essa atração que o Senhor exerce é por meio de Sua Divina verdade. “A Divina verdade que vem dEle influi no homem e, por meio da verdade, Ele atrai o homem para Si”. Podemos ter uma comprovação disto quando estamos lendo a Palavra de Deus numa atitude santa. As verdades entram em nossa mente, tocam os sentimentos bons que estão em nós, e eles nos elevam para perto do Senhor, e então O sentimos junto a nós.
A atração do amor efetuada por meio da verdade foi experimentada e explicada por Swedenborg: “Sempre que eu lia a oração do Senhor, percebia claramente uma elevação para Ele, que era como uma atração, e ao mesmo tempo minhas idéias eram abertas, e por aí se efetuava uma comunicação com alguma sociedade no céu”. (AC 6476).
Assim, esta é uma atração real, ainda que a condição de nossa vida faça com que a sintamos de vários modos.  “A vida que procede do Senhor tem um poder de atrair, porque procede do amor, e o amor tem esse poder, uma vez que ele quer ser conjunto, para ser como um. Por isso, quando o homem está no bem, e pelo bem na verdade, ele é atraído pelo Senhor e conjunto a Ele. Mas quando não está no bem, assim não na verdade do bem, é, ainda assim, atraído pelo Senhor, mas não pode ser elevado, porque os males e suas falsidades derivativas o desviam”. (AC 8604).
É interessante saber também que esta faculdade que o amor tem, de atrair, vem do segundo essencial de amor de Deus. Como sabemos, há três qualidades essenciais no amor, que são: 1) amar os outros fora de si; 2) querer ser um com eles; 3) fazê-los felizes por si. E como assim é o Amor Divino em sua essência, assim também deve ser todo amor no ser humano, para ser verdadeiro. Deve ter, além dos outros atributos, esta característica de atração: “querer ser um”, querer estar próximo, estar junto, estar presente. É isto que faz a comunhão da Igreja.
Querer ser um não para se beneficiar, para tirar proveito da união, mas ao contrário, para poder ser útil, para servir o outro. Se existe amor sincero para com o próximo, haverá também o prazer com a convivência, a verdadeira comunhão. O amor nos atrai para as pessoas que amamos e também faz com que elas se sintam atraídas por nós. A congregação da Igreja existe para que as pessoas que sentem amor ao Senhor e para com o próximo possam exercer entre si essa atração, beneficiarem os outros e serem por sua vez beneficiadas. E é a falta do amor faz existir o oposto: o distanciamento, a repulsa e a rejeição e, por fim, o ódio.
Enquanto vivemos neste mundo, nem sempre podemos sentir a atração do amor do Senhor por nós. Na verdade, haverá sempre ocasiões em que não sentimos atração alguma de Deus e por Deus. Às vezes, parece que o Senhor nos abandonou e Se distanciou de nós. Mas esta é uma mera aparência. É assim porque o Senhor não deseja forçar Sua recepção. Se o homem sentisse visível e perceptivelmente a atuação do amor do Senhor, se ele se sentisse arrastado por essa colossal corrente Divina, ele reagiria e rejeitaria, pois que o homem precisa da aparência de liberdade (ver DP 183).
Todavia, a atração pode ser claramente sentida no mundo espiritual, a começar do momento da morte. Ao ressuscitar da morte, o ser humano sente essa vigorosa atração que o desperta e o faz erguer-se. A força dessa atração pode ser vista, de certo modo, na história da ressurreição de Lázaro: “E, tendo dito isto, clamou com grande voz: Lázaro, sai para fora” (João 11:43). A “grande voz” que Lázaro ouviu é, o poder da Divina Verdade, a força da Palavra, aqui operando especialmente para fazer o espírito humano sair da prisão de seu corpo mortal.
O Senhor concedeu que Seu servo, Swedenborg, sentisse o que ocorre no momento da morte e da ressurreição, para que informasse à Sua Nova Igreja. O que foi visto e sentido foi descrito nos Arcanos Celestes (179) e no Céu e Inferno, a saber, que o espírito sente-se atraído por uma força imensa que o arrasta completamente para fora de seu corpo sem vida. “Logo que os interiores corpóreos se resfriam, as sub­stâncias vitais são separadas do homem, em qualquer parte em que estejam, mes­mo se forem encerradas em mil formas de labirinto. Pois a eficácia da misericórdia do Senhor que eu antes tinha percebido como uma atração viva e forte que é tal, que nada de vital pode permanecer”.
E, em outra parte, ele completa: (DE 322): “Pela Divina misericórdia do Deus Messias, foi-me concedido saber, e hoje até por meio de experiência, que a única coisa que faz o homem ressuscitar é o amor, e assim a misericórdia do Deus Messias para com a raça humana, pois que Ele quer salvar a todos e a cada um, e assim desviá-los do inferno para o céu, daí para a conjunção, que se efetua por infinitos modos. Porquanto o amor tem em si mesmo uma eficácia tal que não pode ser descrito de outra maneira senão como uma atração. Pela mesma misericórdia, também todas e cada uma das coisas são mantidas em conexão, numa ordem e numa forma celeste, para que possam existir em sucessão” (8 de dezembro de 1747)”.
Mais tarde, depois de ressuscitado, o homem, agora no mundo dos espíritos, continua sentindo a atração do amor Divino, mas reage a seu modo, como lemos no livro Céu e Inferno (548):  “...o Se­nhor atrai a Si todo espírito, através de seus anjos e também pelo influxo do céu, mas os espíritos que estão no mal resistem veemen­temente e se desprendem, por assim dizer, do Senhor, e são arras­tados por seu mal como por uma corda, assim pelo inferno; e como são arrastados, e pelo amor do mal querem ser arrastados, é eviden­te que eles se precipitam no inferno por sua livre vontade".
E é dito também que “Os anjos têm uma sensação real de estarem sendo elevados; é como uma força que arrasta todas as coisas para o centro da atração, sendo que o centro é onde o Senhor está dentro de Seu Sol. Os anjos têm suas cabeças voltadas para esta direção, mas os que estão nos infernos têm os pés virados para cima, se sorte que os anjos estão voltados para os cima e os do inferno para baixo” (AC 3642, 3643).

O amor da criatura humana é apenas uma imagem muito imperfeita do amor de Deus, mas tem também essa característica de atrair pessoas ou coisas que ama. Se o que nós amarmos acima de tudo são as coisas externas, terrenas, mundanas e corporais, todo o nosso ser será atraído nessa direção, cada vez mais, direção essa que é oposta a Deus e aos céus. E quando isso acontece, “elas arrastam o homem externo para os externos e para baixo, e assim o afasta do homem interno”.
Também nos  pensamentos se percebe essa atração, porque os pensamento vêm das afeições. Assim, os pensamentos maus que deixarmos permanecer em nossa imaginação têm a faculdade de atrair maus espíritos para junto de nós, assim como o cadáver atrai os abutres e o lixo atrai moscas e ratos. Daí é que, quando alguém deseja praticar o mal, em seu pensamento já o está praticando. Por conseguinte, seu espírito exala um mal cheiro, como de imundície ou de cadáver que atrai os demônios associados àquele mal; eles vêm e entram em comunhão com o homem. Penetram nas idéias, reavivam a memória, descobrem meios, maquinam astúcias para que o mal seja executado; e influem nas afeições, instigando a pessoa a ir sempre mais adiante, até executar o mal nos atos e do corpo e nas palavras da boca.
É por isso que a pessoa que intenta o mal ao próximo, ela mesma já se torna a primeira vítima do mal, porque as sociedades infernais de onde aquele mal provém estabeleceram uma morada na pessoa e a subjugaram.  Portanto, fazer o mal de propósito é fazer aliança com os infernos, mas uma aliança desvantajosa para a pessoa, visto que nela sós os infernos dominam: eles são predadores; enquanto a pessoa se torna meramente escrava; ela é a presa e o alimento infernal.
O amor de fazer o mal deliberadamente atrai tanto e prende tanto o espírito da pessoa aos infernos que é como se fossem cordas, algemas e correntes que arrastam a alma sempre e continuamente para infernos cada vez mais profundos. Foi por isso que o Senhor exortou o povo de Israel, em Êxodo 34:12 : “Guarda-te de fazeres aliança com os moradores da terra aonde hás de entrar; para que não seja por laço no meio de ti.
Mas a Misericórdia do Senhor é eficaz, quando o homem suplica Seu auxílio e luta verdadeiramente se para afastar o mal. A mão Divina o pode sustentar e o impedir que caia ainda mais nos males. E, se o homem resiste ao mal e persiste nessa luta, Senhor pode romper todas essas cordas e correntes infernais, uma a uma, até fazer o homem completamente livre, podendo assim elevá-lo aos céus. Como diz o Salmo: (124:7)  A nossa alma escapou, como um pássaro do laço dos passarinheiros; o laço quebrou-se, e nós escapamos. E: (129:4)  O SENHOR é justo; cortou as cordas dos ímpios.
Amando e praticando o bem, somos atraídos “com amorável benignidade” para o Senhor e para os céus; mas desejando e praticando o mal, estaremos sendo amarrados e arrastados impiedosamente para os infernos.
Cuidemos de nossos pensamentos e nossas afeições, porque com eles atraímos ou bem ou o mal; podem ser laços de amor a Deus ou grilhões que nos farão perecer. Conservemos nossos pensamentos limpos da malícia, do engano, da insinceridade, e afastemos para longe de nossa vontade toda afeição imunda e pecaminosa. Não criemos mais vínculos do que já temos com o mal, para que não sejamos arrastados pelos infernos.
Leiamos a Palavra e deixemo-nos ser tocados pelo amor de Deus. Aprendamos com Ele qual é o caminho da justiça que nos cumpre seguir, para que, ao sermos atraídos por Ele para nossa morada celestial, possamos subir livremente, sem ter nossos pés presos aos infernos. Possamos nós responder positivamente a essa poderosa atração do amor do Senhor, e subir para Ele. Porque Ele prometeu: “E Eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a Mim (João 12:32). Amém.

Lições: Jeremias 31; CI 548