Asas da Nova Igreja

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

“E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz. ...  E foram dadas à mulher duas asas de grande águia, para que voasse para o deserto, ao seu lugar, onde é sustentada por um tempo, e tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente. (Apoc. 12:1,2,14).

 

“Foram dadas à mulher duas asas de grande águia, para que voasse...” O que estas palavras significam para nós? O sentido espiritual deste versículo é: a Igreja recebe a inteligência por meio das verdades da fé.
João viu uma mulher vestida de sol, tendo a lua sob os pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça, e que sofria dores para dar à luz um filho. Muitos cristãos interpretaram essa visão do profeta como se a mulher aqui fosse Maria no momento do parto e Jesus fosse o menino que devia nascer. Por isso, Maria foi até representada assim, em gravuras da Igreja Católica.
Mas vê-se que não é Maria, pelo fato de que, entre outros motivos, João estar fazendo uma profecia, relatando coisas que deveriam acontecer no futuro e não as acontecidas no passado.
Em toda a Palavra, a Igreja do Senhor é representada por uma mulher, ora chamada “noiva” e ora “esposa”, segundo a correspondências do sentido interno. No Apocalipse, a mulher representa que deve existir no futuro, especificamente a Nova Igreja, a instituição invisível e espiritual que foi vista como uma cidade, chamada Nova Jerusalém. É a verdadeira religião cristã que o Senhor vai implantar no coração de todos os que Lhe são fiéis. Ela foi vista vestida de sol porque está no amor para com o Senhor (o Sol), pois amar o Senhor é reconhecê-Lo e praticar Seus preceitos (AR 533). A “lua” sob seus pés significa a fé, que, nessa Igreja, é aplicada às coisas da vida natural. E as estrelas sobre a sua cabeça são a inteligência e a sabedoria que procedem da Palavra e que haverá nessa Igreja (AR 534).
A mulher estava “grávida e gritava com dores do parto e atormentada para dar à luz”. As dores ou o sofrimento da mulher representa a dificuldade com que as pessoas recebem sua doutrina (AR 535), pois a criança ou menino que estava para nascer representa a doutrina da Nova Igreja.  Essa dificuldade para se aceitar a doutrina da Nova Igreja não existe só nos cristãos, os que estranham a revelação de novas verdades, mas também em nós, na dificuldade que todos nós temos em pôr em prática, na nossa vida diárias, as instruções das verdades espirituais que temos recebido.
Diante da mulher havia um dragão, pronto para devorar o menino quando nascesse. Esse dragão aqui significa os que estão na doutrina errada sobre o Senhor como sendo três pessoas separadas. São especialmente os da Igreja evangélica que acreditam na salvação apenas pela fé, sem as obras, e por isso a separam da caridade. São  eles os que mais se opõem às verdades da Nova Igreja e muitas vezes a atacam. (AR 537).
Por causa do perigo que corria foi que a mulher recebeu duas asas de grande águia, para que voasse ao deserto e ficasse a salvo do ataque do dragão. É óbvio que, se ela permanecesse onde se encontrava, o dragão devoraria o menino quando este nascesse.
Esta visão do Apocalipse é uma profecia, como se vê, da perseguição a que estarão sujeitos aqueles que abraçam as Doutrinas da Nova Igreja. Muitos de nós já experimentaram críticas e ataques por defenderem que o Senhor Jesus Cristo é o próprio Deus, por dizerem que a salvação é pela fé e a caridade na vida, por acreditarem nas revelações sobre o céu, sobre na presença de anjos e espíritos com os homens, sobre a continuação do casamento na eternidade e sobre muitos outros ensinamentos que provocam nos cristãos repulsa e, algumas vezes, até mesmo ódio, como de um dragão.
Há muitas pessoas nas Igrejas cristãs, mormente na Igreja Católica, que concordam com a maioria dos pontos de nossa fé e os aceitam como verdadeiros. Mas outros se acham no dever de discordar e agredir nossa crença, chamando-a de heresia, por ser diferente do que crêem e, principalmente, por mostrar o erro que eles estão seguindo.
Todavia, o Senhor está ciente desses ataques e por isso provê aos da Nova Igreja os meios de proteção e defesa. Essa defesa foi representada no texto do Apocalipse pelas duas asas que foram dadas à mulher, para que ela voasse para o deserto e ficasse ali, aguardando um tempo, dois tempos e metade de um tempo, até que o dragão fosse derrotado pelo anjo Miguel.
As asas são citadas em muitos lugares na Palavra, porque elas representam as verdades da fé (AC 8764) e o poder que as verdades têm de elevar o nosso entendimento, assim como as asas elevam os pássaros nos ares Elas são como os braços para as aves, e o braço também representa o poder. Por causa desse poder da verdade, os anjos, quando chamados querubins e serafins, foram vistos e representados como tendo asas, ainda que os anjos sejam pessoas normais e nenhum deles tenha, realmente, asas.
Assim como as asas, as verdades da fé fazem com que a Igreja (ou a mente do homem da Igreja) se eleve nas dimensões da vida espiritual. Quando aprendemos as verdades da fé, estamos dando asas ao nosso entendimento. Por meio das verdades corretamente compreendidas, nossas mentes alcançam a luz que estão os anjos dos céu e assim obtêm inteligência espiritual, a verdadeira visão das causas, efeitos e fins de todas as coisas, e se tornam racionais, espirituais e celestes. Tudo isso só se faz por meio da elevação que as verdades propiciam.
As asas eram asas de grande águia porque as águias significam, na Palavra, a percepção, isto é, a capacidade de entender claramente as coisas, porque as águias vêem do alto, de uma posição privilegiada e assim enxergam com grande alcance e nitidez todas as coisas que estão abaixo.
Mas, só o fato de ter as asas não ajuda a mulher a se livrar do dragão. É necessário que ela use as asas para voar ao lugar onde estará protegida. O vôo é o seu livramento do perigo e a sua liberdade.
Meditemos um pouco sobre o vôo em si mesmo, pois é um fenômeno interessante e aparentemente simples, mas na realidade é bastante complexo.
Não é só porque tem asas que uma ave pode voar, pois, como se sabe, muitas aves não têm essa capacidade. Alguns elementos são essenciais, como a combinação certa de peso do corpo e da envergadura ou tamanho das asas, como também a esforço de bater de asas.
Num vôo, há quatro forças que atuam ao mesmo tempo, duas contra duas, umas devem prevalecer sobre as outras. Para se deslocar no ar, um corpo (um pássaro ou avião) tem de combinar essas quatro forças e mantê-las em equilíbrio.
A primeira delas é a força da gravidade, essa que faz todo corpo que possui massa ou peso ser atraído para baixo, para a terra. É a força da gravidade que faz os objetos caírem e os arrasta sempre para baixo. No plano espiritual, que é o plano de nossa mente, a força da gravidade também existe e é a tendência natural do ser humano de se voltar para si mesmo e para o mundo, assim, para baixo e para as coisas egoísticas e contra Deus, por conseguinte, más e infernais. Os males hereditários e os males que nós mesmos fomos acrescentando são o nosso peso. São os males e pecados que nos fazem ser arrastados para baixo e para os infernos, os quais exercem uma forte atração sobre toda criatura humana, arrastando todos para lá.Assim lemos nos Escritos: “Os próprios males é que fazem o mau cair, como os objetos pesados, no inferno... O mal é o que pesa, no sentido espiritual, e assim é o que cai como se pela força da gravidade” (AC 8298).
E também: “As coisas interiores do homem, junto com as coisas dos sentido, são elevadas pelo Senhor quando o homem está no bem da fé e da caridade; mas, se ele está no mal e na falsidade, então suas coisas interiores, junto com as dos sentidos, voltam-se para baixo e, assim, para as coisas que estão no mundo somente, pelo que eles se despe da natureza humana e se reveste de uma natureza animalesca. Pois que as bestas selvagens olham para baixo ou somente para as coisas que estão na terra. Aquele que se volta para baixo quer o que é mal e pensa o que é falso, mas aquele que é elevado pelo Senhor quer o que é bom e pensa o que é verdadeiro. A elevação pelo Senhor acontece realmente e por aí a remoção dos males e falsidades...” (AC 6952).
Para o vôo, é necessária, portanto, uma segunda força, que atue contra a força  de gravidade. É a força que se chama sustentação. Ela é proporcionada pelas asas. A asa gera a sustentação porque tem uma forma abaulada. Quando uma corrente de ar passa pela asa, ela se divide em dois fluxos, passando por cima e por baixo. O ar que passa por cima flui mais rapidamente que o que passa por baixo, e essa diferença cria uma pressão menor em cima do que embaixo. Como resultado, a pressão maior empurra a asa para cima e, com ela, o corpo do pássaro ou do avião. Assim, é a forma das asas que, com a sustentação, anula a força da gravidade e possibilita o vôo.
A respeito da sustentação, lemos também nos Escritos: “O mal é o que, dentro do homem, reage todo o tempo contra o bem que vem do Senhor. O mal que procede do hereditário e das próprias ações se adere ao homem em cada um de seus pensamentos... Esse mal arrasta o homem para baixo, mas o Senhor o sustenta e o eleva por meio do bem que Ele implanta. Dessa maneira o homem se mantém suspenso entre o mal e o bem, e por isso, se por uma fração de um momento, o Senhor o não afastasse dos males, ele se precipitaria para baixo”. (AC 2410).
A terceira força que atua no corpo é a resistência ao avanço. É como que um arrasto para trás, também por causa do próprio peso. Todo corpo, para se deslocar, tem de vencer essa força chamada inércia, a tendência de ficar em repouso no mesmo lugar. A inércia é representada, no plano espiritual, pela tendência que o ser humano tem de ficar inativo, de não avançar, de não fazer nada, de se deixar vencer pela letargia ou preguiça. Vemos a inércia atuar quando percebemos que é mais fácil cruzar os braços do que trabalhar; mais fácil parar do que caminhar; assim, mais fácil ser inútil do que ser ativo e útil.
Para vencer essa inércia, que nos puxa para trás, deve existir uma quarta força: a tração ou impulsão. Nas aves, a força de tração é criada quando elas batem as suas asas, porque, ao baterem as asas, elas fazem o movimento como se de remos e, de fato, estão remando no ar. A ação de bater das asas é que empurra o corpo para a frente e consegue vencer a resistência ao avanço. Num avião, o movimento de bater de asas foi substituído pela movimento da hélice ou pelo motor a jato, que produz a tração ou a impulsão no ar.
É importante notar que, sem essa quarta força, de tração, um pássaro não iria a lugar algum, mas cairia, porque perde a sustentação. Para haver sustentação no ar é preciso haver a velocidade de deslocamento, a progressão para diante. Quando não está batendo as asas, o pássaro não está mais voando, mas  planando, porque desce constante. Por isso, para manter a altura ou para subir, precisa de sempre bater as asas.
Da mesma forma, quando as verdades são aprendidas e ficam apenas na memória, pode-se dizer que a mente adquiriu asas, mas não ganha a altura da inteligência. Para de fato haver elevação e deslocamento, o progresso na vida espiritual, é preciso que as verdades sejam usadas com empenho, com esforço mesmo, até que se tornem princípios e ações da vida diária.
Deus deu asas aos pássaros, mas bater as asas é o esforço que eles têm de fazer para voar. Também deu asas a alguns que, por serem muito pesados, não conseguem se erguer do chão. As verdades da fé foram dadas por Deus a todos, mas temos de fazer o esforço de estudar a Palavra, ler os livros doutrinais com interesse e, sobretudo, descobrir como os ensinamentos recebidos se aplicam na vida e aplicá-los.
Somos por natureza pesados e temos dificuldade de nos erguer acima das coisas do mundo e dos sentidos. Nossa mente, no começo, é como ave de asas, mas pesada e incapacitada para o vôo. Muitas vezes lemos um texto e, não o compreendendo, desistimos. Mas é necessário ler de novo, perguntar, meditar... É necessário algum esforço e real interesse pela verdade, até que alcancemos a compreensão do foi lido. É como o pássaro que tem que bater as asas vigorosamente no começo, para se despegar do chão, mas depois de estar voando, tem facilidade de se manter no ar.
O “vôo”, na Palavra, representa ter o entendimento esclarecido e a percepção ou circunspecção, isto é, a compreensão clara que as verdades proporcionam (ver AR 561, AE 281, 282).
É importante, na Nova Igreja, que amemos as verdades por causa das verdades, pois a afeição de compreender o que é verdadeiro nos elevará a uma visão cada vez mais justa de Deus e do Seu propósito para nossas vidas. O amor pela instrução, o esforço de ler e meditar para procurar entender o que foi lido dá como resultado nossa sustentação espiritual e nosso progresso. As verdades nos sustentam e o amor por elas nos impulsionam para diante.
Se pararmos de estudar a Palavra, ou se nos deixarmos levar pelo desinteresse para com o aprendizado das doutrinas, estaremos fazendo como o pássaro que mantém as asas abertas, mas começa a planar, não a voar, e vai cada vez perdendo altura, sendo atraído pela força de gravidade. Por isso é que se diz que, para irmos ao inferno, basta não fazer nada. Mas para irmos ao céu, precisamos nos empenhar com sincera dedicação.
Lemos nos Escritos (AC 6410) que “na atividade, o deleite e o prazer são permanentes e elevam constantemente, fazendo a bem-aventurança” E, no livro Amor Conjugal: “O repouso eterno não é a ociosidade, porque da ociosidade resultam, para a mente e, por conseguinte, para o corpo, o langor, o entorpecimento, o estupor e o amolecimento, e isso é a morte e não a vida, e ainda menos a vida eterna, em que estão os anjos do céu. Por isso o repouso eterno é um repouso que expulsa esses inconvenientes e faz com que o homem viva; e não é outra coisa senão o que eleva a mente; é portanto um estudo e uma obra pelos quais a mente é estimulada, vivificada e alegrada, e isso se faz segundo o uso pelo qual, no qual e para o qual se opera; daí vem que todo o céu é visto pelo Senhor como o continente dos usos” (207).
Além disso, se, tendo a posse das verdades, mesmo assim nos entregamos à prática do mal, seremos como  “águias que voam alto”, lemos na obra Divina Providência 20, “e que caem quando as asas lhe são tiradas. Com efeito, semelhantemente agem depois da morte, quando se tornam espíritos, os homens que compreenderam as verdades, falaram delas, as ensinaram, e entretanto não elevaram de modo algum seus olhos para Deus em suas vidas...”
Lembremo-nos de que a vida espiritual é uma vida ativa. Temos de ser ativos e dispotos para vencermos a influência das duas forças más, que nos arrastam para trás e para baixo: uma, para o egoísmo infernal, e outra para o atraso, a letargia, a indolência. Se quisermos progredir espiritualmente, temos de nos dedicar ao estudo das verdades, que nos darão a sustentação, e ao desejo de  cumprir essas verdades na vida, o que nos impulsionará para adiante, para o progresso na regeneração.
Não sejamos negligentes com o estudo da Palavra, para não ficarmos sujeitos a um declínio na fé, e também ao ataque de falsidades contra nossa crença. Saber a verdade, compreendê-la com clareza, fundar nossas convicções no conhecimento sólido da Palavra e, além disso, fazer disso nosso padrão de vida; eis aí a única proteção que temos contra todo engano e todo erro.
A mulher recebeu asas para que voasse ao deserto e fosse preservada, fora da vista da serpente, até o tempo determinado. Essa estada temporária no deserto significa que a Nova Igreja estará com poucas pessoas no começo, como que isolada, até que as falsidades e males da falsa igreja cristã sejam julgados, e então a Nova Igreja crescerá plenamente, vindo a estar com um maior número de pessoas (ver AR 547), porque as falsidades da antiga Igreja cristã precisam ser afastadas primeiro, antes que a Nova Igreja cresça.
Os que forem da Nova Igreja hão de saber fazer uso da instrução para se elevarem acima de si mesmos e dos males. Se fizerem isso, poderão confiar na proteção do Senhor, que Ele os defenderá até que os bens e veros da Igreja cresça em seus corações e não tenham mais que recear o ataque dos infernos. Assim lemos em Isaías: 40:31  “...os que esperam no SENHOR renovarão as forças, subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão; caminharão, e não se fatigarão”. Amém.

Lições:
Isaías 40
Apocalipse 12
Divina Providência 20