As jornadas de Israel

Sermão pelo Rev. Cristóvão R. Nobre

"E escreveu Moisés as suas saídas, segundo as suas jornadas, conforme ao mandado do SENHOR; e estas são as suas jornadas, segundo as suas saídas. ...  Partiram, pois, os filhos de Israel de Ramessés, e acamparam-se em Sucote. E partiram de Sucote, e acamparam-se em Etã, que está no fim do deserto". Números 33, 2, 5, 6.

E segue-se aqui uma longa lista de nomes de lugares. Acontece em várias outras passagens dos livros de Moisés, que nos deparamos com uma longa lista de nomes de lugares ou de pessoas ou medidas de números que, para nós, dificilmente nos dizem alguma coisa além disso, nomes, nomes e nomes.
Uma vez que sabemos que há um sentido interno na Palavra, ficamos satisfeitos em saber que, ainda que não saibamos o que esses tantos nomes queiram dizer, temos certeza de que os anjos o sabem, razão pela qual os lemos, sabendo que os anjos presentes estão vendo ali ensinamentos de profunda sabedoria. E conservamos a esperança de, um dia, podermos nós também alcançar a compreensão de coisas inefáveis da Palavra. Os relatos dados na letra são, porém, "de uma natureza tal que dificilmente chega à luz do entendimento humano, porque são segredos inumeráveis da regeneração, dos quais o homem mal sabe alguma coisa." (AC 5202).
Mas as coisas que foram dadas na letra não são somente para os anjos. Há muitos lugares, como aqui em Números 33, de onde podemos obtemos, mesmo hoje, vários ensinamentos, se prestarmos atenção a umas poucas coisas que sabemos das correspondências. Assim, não somente os anjos, mas nós também poderemos ser beneficiados com as riquezas que o Senhor encerrou no sentido literal de Sua Palavra.
Como regra geral, tenhamos em mente o que dizem os Arcanos (1678): "Todos os históricos na Palavra são representativos e significativos, tanto os que se referem aos lugares quanto os que se referem às nações, e também os que se referem aos fatos ocorridos".  Por causa disso, não há, em parte alguma da Palavra, uma só expressão ou vocábulo, por menor que seja, que não tenha sua importância e que não faça alusão a um fato ou aspecto qualquer da glorificação do Senhor e da regeneração do homem. Ainda que não compreendamos ainda a vasta maioria das coisas, a sabedoria está ali, para ser tirada, como água de uma fonte que não se esgota.
Sabemos que as jornadas de Israel pelo caminho do deserto são o retrato de nossa regeneração neste mundo e, mesmo depois, de nossa continuada regeneração nos céus. Mas cumpre saber também que todos os lugares citados, assim como as cidades, representam a doutrina da vida, ou o modo como se vive, seja bom ou mau. E, ainda, que os caminhos percorridos representam os pensamentos e a instrução. E como ligam uma cidade a outra, eles representam aqui os pensamentos que geram instrução ou os princípios que nos levam a ter determinada conduta ou atitude na vida.
Relendo, pois, Números 33 (5-8) "Partiram, pois, os filhos de Israel de Ramessés, e acamparam-se em Sucote. E partiram de Sucote, e acamparam-se em Etã, que está no fim do deserto. E partiram de Etã, e voltaram a Pi-Hairote, que está defronte de Baal-Zefom, e acamparam-se diante de Migdol. E partiram de Pi-Hairote, e passaram pelo meio do mar ao deserto, e andaram caminho de três dias no deserto de Etã, e acamparam-se em Mara". E assim por diante. Fazer a jornada de um lugar para outro e acampar-se ali significa, então, uma fase do processo de regeneração. É progredir, por meio da instrução, para um outro modo de vida e permanecer ali por certo tempo.
Ora, como toda essa lista dada neste capítulo é um sumário de toda a jornada de Israel, desde a saída do Egito até à entrada da terra de Canaan, temos aqui, por conseguinte, um sumário da regeneração do homem, dada agora na forma de uma longa viagem.
Existe uma seqüência que parece óbvia, parecendo também desnecessária repetição: "Partiram de tal lugar, acamparam-se em tal lugar; partiram de tal lugar, acamparam-se em outro lugar". Mas o termo "partiram" ou viajaram significa progredir por meio da instrução (ver AC 8007). E "acampar-se" tem relação com a permanência no estado de bem na vida, por causa da idéia da tenda envolvida, que representa o estado de santidade que há no bem.
Esta seqüência, na nossa regeneração, retrata o processo de sermos instruídos com a verdade, por ela progredirmos para um modo de vida bom, ensinado por essa verdade, e permanecermos então no bem novo ao qual fomos conduzidos. E como não vida no bem senão pela instrução do vero, por isso é sempre citado arranjo de idéias "partir" e "acampar". Para cada partida há um acampamento, assim como cada princípio verdadeiro e prático nos leva a um estilo de vida probo e condizente com o princípio.
Parece óbvio, mas a instrução pode não conduzir a parte alguma, se não for de caráter prático, ou pior, pode-nos levar a um estado de degeneração espiritual, se nos afasta do bem do amor ao Senhor e para com o próximo.
Assim, a conjunção de uma verdade específica com o seu próprio bem, como a que vemos neste relato, é assim explicada nos Escritos: (Arcana Coelestia  3179). "O caso aqui é este: A verdade mesma, que deve ser iniciada no bem, reconhece seu próprio bem, porque o bem reconhece sua própria verdade; daí vem o consentimento" ou casamento do bem com sua verdade. E se diz também que o homem não sabe que existe essa conjunção da verdade com seu bem, ou de uma instrução do vero com um modo de vida bom que lhe é compatível. O homem ignora isso porque as coisas que acontecem durante sua regeneração lhe são completamente desconhecidas. "E se ele conhecesse uma dentre dez mil delas, ficaria espantado. Com efeito, há coisas secretas, inumeráveis e ilimitadas, pelas quais o homem é então conduzido pelo Senhor, sendo que somente algumas delas transparecem pelo sentido interno da Palavra". (Ibidem).
Nesta sucessão de nomes estranhos do livro dos Números, está descrita, pois, a série de progressões espirituais por que passamos ao sermos regenerados, mas cujas particularidades escapam à nossa compreensão, porque são para a sabedoria angélica. Mesmo assim, é dito que chegam de alguma forma àqueles que estão no desejo bom de conhecer as verdades da Palavra (AC 5202).
O modo como a regeneração de cada um de nós se processa é tão particular, que chega a ser um segredo só completamente conhecido pelo Senhor mesmo. Quando falava com Nicodemos, foi a esse processo oculto que Ele Se referiu, quando disse: "O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes dizer de onde vem, nem para onde vai" (João 3:8). "Não saber de onde vem nem para onde vai" significa que o homem não sabe como a regeneração se efetua, porque é operada pelo Senhor por meio de coisas secretas e indescritíveis" (AC 10240).
E por que, perguntamos, a regeneração se efetua dessa maneira? Porque diz respeito a uma mudança integral de nossa vida mesma. Quando nos regenera, o Senhor está removendo afeições que constituem nossa própria existência, nossos sentimentos e vida, por outras, as quais são, no começo, insípidas e estranhas. Gradativamente, sem alterar nossa personalidade, Ele opera para nos fazer outra pessoa. Temos de ser conduzidos a contrariar nossos próprios desejos sem que nossa liberdade seja contrariada. E para isto o Senhor tem de tocar nas fibras mais íntimas de nossos corações, atuar em sentimentos que estão todos entrelaçados, compondo toda uma rede de nossas afeições gerais e singulares, nossos humores, nossas cobiças, desejos e apetites, amores e ódios.
O trabalho Divino é um trabalho paciente, metódico, infinitamente sábio que só Ele podia realizar sem violar nossa liberdade. Seria como o trabalho de um hábil pedreiro, que tem de reconstruir todo um prédio que está habitado, substituindo tijolo por tijolo de toda a construção, sem que seu trabalho seja notado, a maior parte do tempo, pelos moradores dali. Só o Senhor sabe que males Ele pode remover em determinado tempo, em determinada ordem e série. Ele nos leva a aprender verdades quando delas formos precisar, e nos leva a identificar os males gradualmente, quando estivermos munidos de força para enfrentá-los.
É por causa das singularidades desse processo que o povo de Israel tinha de percorrer, em suas jornadas, caminhos determinados, acampar-se em certos locais, conforme os guiava a coluna de nuvens de dia e a coluna de fogo de noite, pousadas sobre a Arca da aliança. E "acontecia que, partindo a arca, Moisés dizia: Levanta-te, SENHOR, e dissipados sejam os teus inimigos, e fujam diante de ti os odiadores. E, pousando ela, dizia: Volta, ó SENHOR, para os muitos milhares de Israel". (Números 10: 35).
Ao sabermos um pouco desses arcanos e olharmos então para o mapa da terra de Canaan e o roteiro traçado pela jornada de Israel, podemos ainda tirar outras conclusões pertinentes. Primeiro, observamos que o traçado não foi uma linha reta, do Egito para Israel, pelo caminho mais curto, a margem do Mediterrâneo, que poderia ser percorrido em poucos dias. Pela nossa lógica, esse seria o caminho ideal. Mas, que aconteceria: Israel era, na realidade, uma multidão de ex-escravos que desconhecia o Senhor. Não era hábil na guerra nem conhecia as leis Divinas. Quando essa multidão entrasse na terra, não seria uma nação coesa, não teria forças para defender sua terra nem daria valor algum a ela, porque a não teriam conquistado à espada e com a força do seu braço. O caminho mais longo levou 40 anos, tempo porém suficiente para aquela multidão conhecer o Senhor, receber Suas leis e assim se transformar numa nação poderosa que cultuava o Senhor e pôde facilmente conquistar a terra prometida.
O caminho longo de Israel é emblema da enorme distância que existe entre o bem e o mal, o inferno e o céu. Quando somos presos por sentimentos maldosos ou maliciosos, e esses sentimentos fazem nosso amor dominante, estamos, quanto ao nosso espírito, habitando nas sociedades infernais de onde tais sentimentos provêm. Somos escravos dos demônios ali. Por isso, para sermos conduzidos ao céu, temos um árduo caminho a fazer, porque longo é o caminho e imensa é a distância que há entre o rancor e o afeto, a velhacaria e a sinceridade, a escortação e a castidade, a mesquinharia e a generosidade. Não há como sermos transportados instantaneamente de um lugar para outro.
Também observamos que o rumo tomado, no início, foi para o sul, enquanto Canaan ficava a nordeste do Egito. Mas no Sul estava o Monte Sinai, onde o Senhor iria dar os Dez Mandamentos, a regra de vida pela qual eles se tornariam nação de Deus. No mundo espiritual, no sul habitam os que estão numa luz maior da inteligência, e por isso, na Palavra, o sul representa a sabedoria. Viajar para o sul significa, pois, receber a instrução necessária para a vida.
Também no processo de regeneração, somos levados primeiro ao sul, isto é, a adquirir as verdades, a reformar nosso entendimento, antes de sermos levados de fato ao bem. Por isso é que, durante algum tempo, parece que a pessoa não faz progresso algum na sua transformação espiritual. Todavia, enquanto ela está aprendendo as verdades, há um progresso efetivamente em curso. Sua reforma está acontecendo no entendimento, porque é preciso primeiro mudar os conceitos, para que possam ser mudadas as atitudes e o comportamento. Isto nos leva a sermos mais tolerantes e mais pacientes com as pessoas, a que as olhemos com mais compreensão, quando elas, apesar de estarem dentro da Igreja, tiverem atitudes ainda aparentemente egoísticas e negativas. Porque, se elas estiverem sinceramente querendo adquirir a instrução, o Senhor poderá levá-las, por meio dessa instrução, ao bem da vida mais tarde. Não há outra maneira de isso acontecer.
Vemos ainda que o tempo, aos olhos do Senhor, tem outras medidas. Pode ter parecido muito deixar um povo quarenta anos no deserto. Em alguns lugares, permaneciam pouco tempo e em outros, muito tempo. Na região de Kadesh Barneia, só ali, parece que ficaram trinta e oito anos, enquanto num caminho muito mais comprido, de Ramesés ao Sinai, percorreram em um ano ou menos. Isto nos indica também que há situações em que nossa regeneração parece não avançar. Mas o fato é que há males que foram tão enraizados em nossa natureza, tanto pela hereditariedade quanto pelos males ativamente praticados por nós, que é necessário um tempo maior para que sejam removidos do que aqueles males para os quais não tivemos forte atração.
E há, enfim, passagens em que o povo de Israel parece que andou em círculo, retornando ao mesmo ponto. Assim, parece que a primeira passagem ali teria sido inútil. Mas isso também não é verdade. Nenhuma experiência que o Senhor nos permite é inútil. E sempre que passamos outra vez por uma luta, ou por um evento, já o encaramos de modo diferente. Então, se estivermos de fato progredindo na regeneração, cada experiência que aparentemente se repetir será, de fato, uma nova oportunidade de adquirir instrução e sentimentos melhores. Não há movimento em círculos, de fato, nas coisas espirituais, mas movimento em espiritual, quando se alarga o raio de alcance ainda que se pareça estar no mesmo lugar.
Finalmente, podemos concluir que nosso caminho nesta vida, as etapas de nossa regeneração, estão todas nas mãos do Senhor. Devemos ser confiantes e otimistas, porque Ele sabe para onde está nos levando a cada momento. Longe de nós o desânimo, a impaciência e a intolerância, tanto em relação a nós mesmos quanto em relação aos irmãos que são nossos companheiros de jornada e serão, quem sabe, co-habitantes das mesmas sociedades celestes.
Se formos leais ao que tivermos aprendido, se não negarmos os ensinamentos da caridade para com o próximo e do amor ao Senhor, mas os desejarmos, querendo sinceramente fazer deles princípios sólidos de nossa vida, o Senhor estará sempre à nossa frente, nos levando por caminho seguro ao cumprimento de Seu propósito eterno para cada um de nós. Amém.

Lições:  Núm. 33;  João 3; AC 5502

 

AC 5502. And they trembled a man to his brother. That this signifies a general terror, is evident from the signification of "trembling," as being terror; and from the signification of "a man to his brother," as being what is general (as just above, n. 5498). The reason why fear is here expressed twice, by the "heart going forth," and by their "trembling," is that one expression has reference to the will, and the other to the understanding; for it is usual in the Word, especially the prophetic, to express one thing twice, merely changing the words. He who does not know the mystery herein might suppose that it is a meaningless repetition; yet this is not so, for one expression refers to good, and the other to truth; and because good is of the will and truth is of the understanding, one refers to the will and the other to the understanding. The reason is that in the Word everything is holy, and the holiness is from the heavenly marriage, which is that of good and truth. Hence it is that heaven is in the Word, and consequently the Lord, who is the all in all things of heaven, insomuch that the Lord is the Word. The double name of the Lord, "Jesus Christ," involves the same; the name "Jesus" expressing the Divine good, and the name "Christ" the Divine truth (see n. 3004, 3005, 3008, 3009). Hence it is plain also that the Lord is in all things of the Word, insomuch that He is the Word itself. (That a marriage of good and truth, or the heavenly marriage, is in every part of the Word, may be seen above, n. 683, 793, 801, 2516, 2712, 5138.) From this it may also be plainly concluded that man, if he hopes for heaven, must be not only in the truth which is of faith but also in the good which is of charity, and that otherwise there is no heaven in him.