Apreciando a Vida

Sermão pelo Rev. Kurt Horigan Asplundh

“Disseram-lhe então eles: Por que jejuam os discípulos de João muitas vezes, e fazem orações, como também os dos fariseus, mas os teus comem e bebem?

(Lucas 5:33).

Quando o Senhor e Seus discípulos andavam pela terra de Israel, os publicanos e os homens ricos freqüentemente os convidavam para comerem. Comiam a comida e bebiam o vinho que lhes eram oferecidos. Isso desconcertava os líderes religiosos dos judeus. O Senhor e os Seus seguidores não se enquadravam nas práticas comuns dos homens santos. Eles não renunciaram aos costumes mundanos, praticando o jejum, como os fariseus ou os discípulos de João. Comiam e bebiam livremente. Pelo que o Senhor foi acusado de comilão e beberrão (11:19). Ele parecia apreciar a companhia e a hospitalidade de todos, mesmo sendo pecadores. O Senhor não agia da maneira que os fariseus pensavam que deveria; Ele não obedecia as suas regras. Portanto, concluíram que Ele não era o homem de Deus.
Atualmente, como naquela época, existe uma expectativa de que uma pessoa verdadeiramente religiosa deve-se isolar das demais e viver uma vida retirada. Pensa-se nelas como “santas”, porque renunciaram aos prazeres comuns que apreciamos e as características humanas que exibimos. Elas têm uma maneira de vida que parece ser mais espiritual do que mundana, uma vida que você ou eu acharíamos difícil de alcançar. Através dos tempos as denominações religiosas têm desenvolvido esse conceito do que é ser religioso. Crê-se que certos padrões de comportamento marcam aqueles considerados seguidores verdadeiros. Para os judeus foi a prece, o jejum e a obediência estrita a Lei. Para os cristãos são os feitos piedosos e caritativos, além de uma disciplina rigorosa.
Os religiosos verdadeiros não se enquadram, necessariamente, nesse conceito. Sabem que o espírito é que promove os hábitos. Sabem também que, se o espírito enfraquece, os hábitos se tornam apenas metas em si mesmos. É como o lado de fora do copo e do prato, que pode estar limpo, enquanto por dentro estão cheios de imundície. Ainda que os fariseus fossem cuidadosos em dizimar até a última erva, desprezavam todavia o mais importante da lei: a misericórdia e o amor por Deus (ver Mateus 23:23, Lucas 11:42). Assim, a piedade e os bons atos externos do religioso podem não ter amor algum para com Deus e o próximo, e ser simplesmente uma exibição de benevolência.
E sobre a Nova Igreja? A doutrina determina um tipo de vida especial? O que precisamos renunciar para nos regenerar? Vamos responder isso mais adiante.
Primeiramente, precisamos ser bem claros: apreciar a vida não significa entregar-se aos prazeres mundanos e corporais como única finalidade em si mesma. Isso é espiritualmente fatal segundo a passagem que segue: “Aqueles que na vida do corpo fizeram dos prazeres meramente a sua vida, amando-os apenas para satisfazer as suas tendências naturais, e viveram na luxúria e festividade, preocupando-se somente consigo mesmos e com o mundo, sem nenhuma consideração pelas coisas Divinas... são depois da morte... levados para o inferno... Eu os vi carregando esterco e lamentando a sua sorte” (AC 943).
Os ensinamentos da igreja dão uma perspectiva da vida diária. O princípio maior da igreja é que o Senhor é um Deus de amor e que deseja a felicidade para nós. Todo o poder da Sua Providência é para nos guiar para a maior felicidade possível no céu (ver DP 324:6). E sobre a felicidade na terra? Por muitas razões explicadas nas Doutrinas Celestes, a nossa vida aqui é muito inferior à vida do céu, e, por conseqüência, a nossa felicidade aqui é inferior à do céu. Em realidade, podemos passar na terra por muitos estados de tentação, infelicidade e pesar, tudo visando o nosso bem estar eterno, e essas coisas nos impedem de sermos mais felizes. No entanto, o Senhor não pretende para nós uma vida miserável. O Senhor deseja que sejamos felizes na terra como no céu. Ele deseja que apreciemos a vida! “Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (João 10:10). “Tenho-vos dito isto para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo seja completo” (João 15:11). “O que é a vida sem alegria e prazer?” os Escritos perguntam (DP 195).
É um princípio da doutrina que a vida, em todos os seus estados, física, natural e espiritualmente, é boa se for subordinada corretamente à ordem. Os prazeres do corpo, tal como o sentido gustativo, serve para a nutrição. Assim, sabemos que o prazer em comer nos foi dado pelo Senhor com um bom propósito: para sustento da vida do corpo, para que possamos ter uma mente sã num corpo são. E nos é dito que “um homem espiritual não despreza a nutrição nem mesmo os seus prazeres...” (AC 395:3). Ele “pode comer e beber refinadamente, contento que não faça consistir nisto a sua vida...” (Cl 358).
Desde que nossos deleites e prazeres visem ao uso mais alto, eles são legítimos e bons. É quando abusamos do nosso apetite, por exemplo, exaltando o seu prazer fora da proporção do seu uso, que pervertemos o prazer e ele se torna nocivo e pecaminoso.
Tomemos outro exemplo ilustrando este princípio. Em algumas religiões o ato sexual no matrimônio é considerado apenas como uma acomodação da natureza animal do corpo, e é tolerado unicamente para a procriação. Na Nova Igreja não é assim. O Escritos nos dão a lei universal de que “os primeiros existem, subsistem e persistem pelos últimos”. Todo amor anterior e interior tem seu lugar e sua base no grau da vida natural ou ultimo. Do mesmo modo também este amor . “As suas delícias finais são as bases e as fundações do amor conjugal (ver AC 44). “Segue-se que todas as beatitudes, todas as doçuras, todos os prazeres, todos os encantos e todas as volúpias que podiam ser reunidas no homem pelo Senhor Criador, foram reunidas neste amor (AC 68).
O Senhor deseja que apreciemos as legitimas e amorosas delícias do matrimônio. O fato de que os prazeres sexuais são tão obscenamente pervertidos no nosso mundo atual, não os fazem serem errados em si mesmos. O mal uso ou o abuso não elimina os usos (exceto para aqueles que abusam).
Nós tínhamos feito a pergunta: “O que é preciso renunciar para se regenerar?” As Doutrinas Celestes são claras: não é preciso renunciar as coisas do mundo, quando elas são apreciadas dentro da ordem. Não temos que renunciar às delícias e aos prazeres da vida. Os Escritos ensinam: “Muitas pessoas crêem que renunciar ao mundo e viver pelo espírito e não pela carne, é renunciar às coisas mundanas..., é estar continuamente em piedosa meditação sobre Deus, sobre a salvação e sobre a vida eterna, passar sua vida nas preces, na leitura da Palavra e dos livros piedosos e impor-se aflições; mas não é isso renunciar ao mundo a (NJDC 126). O Senhor deseja que vivamos neste mundo e que participemos das suas atividades.
Como estão tristemente equivocados aqueles que abandonam as atividades normais desta vida e dos seus prazeres achando que assim conseguirão mais facilmente a vida celestial. Swedenborg falou na outra vida com alguns que tinham propositadamente se afastados das coisas mundanas. Ironicamente, tanto que eles tinham se esforçado para renunciar ao mundo e aos seus prazeres, para serem anjos, que tornaram-se incapazes de se consorciar com os anjos, porque a vida dos anjos é uma vida de alegria. Essas pessoas acabaram adquirindo uma natureza triste e rigorosa, e não estavam aptos para a vida do céu (Cl 535).
A nossa religião não requer que nos afundemos na pobreza, que nos entreguemos à infelicidade ou que expulsemos todos os prazeres do corpo. Esta não é a maneira pela qual o mal é conquistado ou subjugado. De fato, uma tal vida conduz, ao contrário, ao mal, o mal de sentir-se superior aos outros, mais merecedor do céu do que os demais, por causa do sacrifício que se fez (ver AC 1947). Na realidade, não é tão difícil, como alguns crêem, levar uma vida que guia ao céu (ver Cl 528). Não temos que seguir esse caminho difícil e estranho.
A verdadeira renuncia não é abandonar às coisas do mundo e aos seus prazeres. “Renunciar ao mundo”, os Escritos dizem, “é amar a Deus e amar ao próximo; Deus é amado quando se vive segundo os seus preceitos, e o próximo é amado quando o homem faz usos” (NJDC 126). Em outras palavras: podemos levar uma vida celestial cheia de alegria e prazer, contanto que obedeçamos aos mandamentos e sirvamos o próximo; nenhuma outra restrição há, nenhum outro sacrifício.
Que ensinamento confortante sobre a vida!  “...O homem pode adquirir riquezas e aumentar a sua opulência tanto quanto lhe é dada a ocasião de o fazer, contanto que não sela por velhacaria nem por maus meios; pode comer e beber refinadamente, contanto que não faça consistir nisto a sua vida; pode alojar-se com magnificência, segundo a sua condição; pode, como os outros, conversar com outros, freqüentar lugares de divertimento, confabular a respeito de coisas do mundo. Não é necessário que ele ande devotadamente, com o rosto triste, choroso e cabisbaixo, mas pode ser alegre e prazenteiro. Não é também necessário que ele dê o que tem aos pobres, senão na proporção que a afeição o levar. Em uma palavra, ele pode viver na forma externa inteiramente como um homem mundano, e isso não impede de forma alguma que o homem venha ao céu, contanto que interiormente em si mesmo ele pense a respeito de Deus como convém e proceda para com o próximo com sinceridade e justiça” (Cl 358).
Desses ensinamentos podemos ver que a opulência e a riqueza não são em si mesmas males, nem os prazeres da vida. É o amor à opulência e à riqueza como fins em si mesmos que é o mal. Quando as procuramos e nos alegramos com a sua aquisição, tiramos delas os seus valores verdadeiros, meios pelos quais podemos praticar bons usos. A mesma coisa é com os amores e prazeres deste mundo. Se os amamos pelo seu uso, são bons; mas se os amamos por eles mesmos e pela nossa indulgência, tornam-se pervertidos em nós.
“O homem que está sendo regenerado não é despojado das delícias dos prazeres do corpo e da mente inferior, porque ele aprecia essas delícias completamente depois da regeneração, e mais completamente que antes, mas numa proporção invertida.” Os Escritos explicam isso: “Antes da regeneração a delícia dos prazeres era tudo para a sua vida, mas depois da regeneração o bem da caridade torna-se tudo na sua vida; então a delícia dos prazeres serve como um motivo e como um objetivo máximo, no qual o bem espiritual com a sua felicidade e bênção tem sua base” (AC 8413:2).
O Senhor ensinou o verdadeiro espírito da vida quando falou, no Seu Sermão da Montanha, sobre o jejum: “E, quando jejuares, não vos mostreis contristados como os hipócritas, porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Porem tu, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto” (Mateus 6:16-18).
Aqui, por “jejuar” o Senhor não quis dizer a privação mesma do alimento natural. Ele fala aqui de um apetite mais profundo, do espírito. O espírito se alimenta de afeições, boas ou más. “Jejuar” é privar-se do mal, a fim de que haja apetite pelo bem. Esse apetite é o desejo por uma vida boa, o qual vem quando expulsarmos os males através das tentações.
O nosso “jejum” é a nossa decisão de deixar o mal e seguir o Senhor, servir o nosso próximo sincera, honesta, justa e fielmente nos usos da vida. Isso não é algo para ser feito para chamar a atenção sobre nós. O que o Senhor ensinou? “Unge a tua cabeça e lava o teu rosto”. Viver a sua vida com alegria e não como um mártir.  Não ter um rosto triste, pois não existe mérito nisto. Quando expulsamos os males, encontramos prazer e felicidade na vida, e nos alegramos com isso. O Senhor nos dá o sentimento de satisfação e alegria.
“Então chegaram ao pé dEele os discípulos de João, dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, e os Teus discípulos não jejuam? E Jesus lhes disse: Podem porventura andar tristes os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles? (Mateus 9:14-15). Quando o Senhor está presente na nossa vida, sentimos a verdadeira alegria.
“Assim diz o Senhor: Neste lugar  (de que vós dizeis que está deserto, sem homens nem animais), nas cidades de Judá, e nas ruas de Jerusalém, que estão assoladas, sem homens, sem moradores e sem animais, ainda se ouvirá a voz de gozo, e a voz de alegria, a voz de noivo e a voz de esposa, e a voz dos que dizem: Louvai ao Senhor dos Exércitos, porque bom é o Senhor; porque a Sua benignidade é para sempre; e dos que trazem louvor à casa do Senhor” (Jeremias 33:10,11).

Amém.