A SEMENTE QUE CAIU AO PÉ DO CAMINHO


Sermão pelo Rev. W. F. Pendleton


“E quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho,
e vieram as aves, e comeram-na”.

(Mateus 13, 4)

No original, o quadro apresentado não é o da semente caindo ao lado do caminho, mas sobre ele — sobre uma estrada que, devido ao tráfego contínuo de homens, de animais de carga e de veículos de toda espécie, tornou-se tão compacta e dura que semente alguma caindo sobre ela poderia criar raízes e crescer; sendo finalmente devorada pelas aves do céu. Em Mateus se diz simplesmente que “as aves vieram”, mas em Marcos e Lucas se acrescenta “do céu”, dizendo-se “as aves do céu” para exprimir com mais precisão os pássaros do ar que voam no espaço e vêm devorar as sementes que caem sobre o caminho duro e batido.
A explicação que o Senhor deu aos Seus discípulos sobre a parábola do semeador, referida em Mateus, Ele diz: “Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem o maligno, e arrebata o que foi semeado no seu coração; este é o que foi semeado ao pé do caminho” (Mateus 13,19).
Que as palavras da parábola têm um sentido espiritual está claro nas explicações dadas nos três Evangelhos; pois em cada uma delas se diz que pela semente é significada a Palavra, isto é, as verdades da Palavra, e que pelo campo é significado o homem que ouve a Palavra, isto é, que recebe em sua mente as Verdades da Palavra; por sua vez, as aves do céu ou pássaros do ar, significam alguém que chega e arrebata a Palavra que tinha sido semeada em seu coração.
Em Mateus, este alguém que chega e arrebata a Palavra é chamado o maligno; em Marcos, satanás; e em Lucas, o diabo. Esta é a explicação que o Senhor dá do que é significado pelas aves do céu voando sobre a estrada e devorando as sementes. Vejamos agora porque em um Evangelho se diz o maligno, em outro satanás e no terceiro o diabo.
Nos três Evangelhos se diz que a semente caindo sobre a estrada significa o homem que “ouve a Palavra” e então se dá a razão porque as sementes ou verdades da Palavra, embora ouvidas ou recebidas, não ficam permanentemente na mente. Em Mateus são acrescentadas as palavras “e não a entendendo”, o que não acontece nos outros Evangelhos. Diz então Mateus: “Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem o maligno, e arrebata o que foi semeado no seu coração”.
Pessoas como esta que está mencionada no versículo acima, ouvem a verdade, mas não atendem ao que ouvem. Nenhum entendimento da verdade é formado, e onde não há novo entendimento, não há nova vontade, pois a nova vontade se forma querendo e fazendo a nova verdade que entrou na mente e tornou-se assunto do pensamento. Pensar a respeito da verdade que foi recebida afirmativamente forma uma nova fé ao mesmo tempo em que constrói um novo entendimento, pois a fé real é a que vem pelo entendimento da verdade que foi recebida, a semente que foi semeada.
Há, com efeito, um estado de fé anterior ao entendimento da verdade, um estado que é preliminar em relação à fé verdadeira, que é a fé racional — uma fé cheia de luz, uma fé da vista. A fé preliminar é uma simples afirmação da verdade da revelação. O primeiro passo para a fé da verdade, para a fé da vista ou do entendimento, é afirmar a verdade porque é ensinada pelo Senhor em sua Palavra. Os outros estágios superiores da fé seguem-se então. Mas estes estágios não podem existir e ser estabelecidos na mente, enquanto o primeiro passo não é dado. Se o homem não afirmar a verdade da revelação antes de vê-la com os olhos do espírito e de entendê-la, ele nunca a verá e entenderá, ou seja, nunca terá em si a verdadeira fé. Esta cega afirmação da verdade que o Senhor ensina em Sua Palavra é essencial a todo progresso que vem depois.
Contudo, o homem não deve parar nesse estágio preliminar da fé, não deve se contentar com a cega afirmação da verdade, não deve deter os seus passos e ficar parado no limiar. Deve, sim, entrar na casa para ver e gozar as coisas que aí estão, e deleitar-se na consorciação com os que moram nessa casa. Não deve parar na simples letra da Palavra, na simples letra da doutrina, mas precisa penetrar no seu espírito interior e em sua vida, para que possa morar na companhia dos anjos que vivem e têm o seu ser nas coisas espirituais da Palavra, que estão no seu sentido interno.
O homem que permanece no limiar da verdade e não entra em seu espírito e vida, pensando sobre ela e aprendendo a amá-la de acordo com esse pensamento, e a viver por ela, nunca receberá a fé da caridade, a fé do amor, a fé da vida, a fé em que estão os anjos do Céu, a fé que introduz o homem — quanto ao seu pensamento interior do seu espírito — no Céu, quando ainda está vivendo na terra, ou seja, uma fé do entendimento, uma fé racional na verdade espiritual da Palavra, pois o Senhor quer que todos os que o podem fazer, vejam e compreendam a verdade em que acreditam.
Como já vimos, no original grego as palavras “e não a entendendo” deviam ser traduzidas mais literalmente por “e não a atendendo”. Os homens ouvem as palavras da verdade, mas não as atendem, não estão interessados nelas, não lhes dão atenção, não se interessam por elas, nem mesmo pensam nelas e, por isso, não as entendem. A última é uma significação derivada da primeira, mas a raiz da palavra mostra o motivo porque eles não entendem a verdade. Nenhum homem entende as coisas às quais não dá atenção em seu pensamento, ou a que é indiferente. É o pensamento que forma o entendimento, portanto, onde não há pensamento, não há entendimento.
A razão pela qual não entendem, porque não ouvem em seu pensamento interno, porque não se preocupam com a verdade que ouviram com seus ouvidos, é devido à resistência da vontade — a vontade interna que é má, que está saturada com o amor de si, interessada somente nas coisas do mundo e da carne. Eles adoram o seu chefe, que é o demônio. Pois nos foi ensinado que todo homem que não adora o verdadeiro Deus, adora algum demônio do inferno que assume, para esse homem, o papel de um deus. Este falso deus é o que é significado pelo maligno no Evangelho de Mateus, por satã em Marcos, e pelo diabo em Lucas. Por que, em cada um desses Evangelhos, o Senhor empregou um termo diferente nas explicações dadas aos Seus discípulos?
É porque há três infernos com as respectivas falsidades, representadas pelas aves que comem os grãos de trigo que caem sobre o caminho batido; e é necessário que a Igreja sobre a terra saiba que as falsidades de qualquer desses três infernos podem destruir a semente da Palavra plantada pelo Senhor na mente humana.
As falsidades do primeiro inferno, que é o mais moderado, são significadas pelo maligno que vem e “arrebata o que foi semeado em seu coração” (Mateus). As falsidades do segundo inferno, ou inferno médio, são significadas por satanás ou satã, que “vem logo e tira a palavra que foi semeada em seus corações” (Marcos). As falsidades do terceiro inferno, que é o mais profundo, são significadas pelo diabo que “vem, e tira-lhes do coração a Palavra, para que não se salvem, crendo” (Lucas).
Há três estados ou três classes de homens, correspondendo aos três infernos, dos quais fluem as falsidades para corromper e destruir a verdade da Palavra; e se um inferno não obtém sucesso, outro mais profundo se abre, de modo que o homem que se regenera passa sucessivamente através das provas de todos os três infernos, que o Senhor permite que sejam abertos, um após outro, desde o mais moderado ao mais profundo. Os que passam vitoriosamente por estas provas são salvos para o mais alto ou mais íntimo dos céus.
Mas nem todo homem que se regenera, passa pelas provas de todos os infernos. Alguns passam somente pelo primeiro — pela infestação e assalto do maligno — e, por isso, irão apenas para o último Céu que é o oposto a este inferno. Esses são representados na parábola pelo campo que produz trinta por um. Outros passam também pelo segundo inferno, o médio — pela infestação e assalto de satanás — e, por isso, irão para o segundo Céu, que é o oposto a este inferno. Esses são significados pelo campo que produz sessenta por um. Muito poucos, porém, são os que passam pelas provas do inferno mais profundo — pela infestação e assalto do diabo — e, por isso, irão para o terceiro e mais elevado dos Céus, que é o oposto a este inferno. Esses são significados pelo campo que produz cem por um.
Um inferno determinado é aberto e tem permissão para assaltar a verdade da Palavra no homem que está se regenerando, de acordo com a possibilidade que este tem de resistir ao assalto, e não mais do que isso. Se está previsto que ele não poderá resistir a um inferno, esse inferno não será aberto, permanecendo o homem no estado em que se encontra.
É evidente que os três infernos são representados na parábola pelas três espécies de maus terrenos: o caminho batido, o campo de pedras e o campo onde medram os espinheiros. E que os três Céus são representados pelas três espécies de bons terrenos que dão frutos: um trinta, outro sessenta e outro cem. O Senhor disse que o maligno, satanás e o diabo — significando as falsidades dos diversos infernos sucessivos — “vêm e apanham aquilo que foi semeado em seus corações.
Semear nos corações refere-se à recepção da semente da verdade no começo da vida — na infância e na juventude —, quando as relíquias estão sendo armazenadas. Há, então, um bom terreno em cada homem. Mas se ele não conserva ou não cultiva o seu terreno primitivo, a semente aí plantada será arrebatada juntamente com aquilo que é implantado na idade adulta. O maligno, satanás e o diabo virão e levarão tudo o que foi “semeado em seu coração”.
Entretanto, a infância e a juventude constituem o tempo próprio para começar a ouvir, para começar a prestar atenção, para começar a pensar a respeito das coisas da vida espiritual. No Memorável no 57 da Verdadeira Religião Cristã, se fala a respeito de um espírito noviço que tinha acabado de entrar na outra vida e que, enquanto estava no mundo, meditava mui sobre o Céu e o inferno. Logo que ele percebeu que estava no mundo espiritual, começou a meditar sobre o Céu e o inferno como fazia no mundo anterior e, desejando saber onde e o que eram o Céu e o inferno, inquiria a respeito de um e de outro com as pessoas com as quais encontrasse. As respostas, por não lhe parecerem satisfatórias, “caiu de joelhos e orou devotamente a Deus para que fosse instruído”.
Na continuação dessa estória, é mostrado como os anjos apareceram e o puseram a caminho para achar aquilo que ele tanto desejava conhecer e como, por fim, foi colocada em sua cabeça uma grinalda de flores e ele ouviu uma voz do Céu que lhe dizia: “Esta grinalda te é dada porque desde a infância tu meditavas sobre o Céu e o inferno”.
Assim como na infância ele não era indiferente às coisas da vida espiritual, também não o foi na juventude e na idade madura. Não somente ouvia a Palavra do Reino, mas também atendia ao que ouvia, pensava a respeito do Céu com espírito afirmativo, desejava saber e estava pronto para compreender quando aprouve ao Senhor que fosse instruído. Os ensinamentos lhe foram dados quando entrou no mundo espiritual e ele os recebeu com alegria de coração. Recebeu e reconheceu a verdade quando ela lhe foi dada, porque estava na caridade; e, estando na caridade e não somente na fé, o seu estado não era duro, nem frio, nem resistente como o caminho batido do texto, e a semente da verdade podia germinar e crescer chegando, por fim, a produzir uma abundante frutificação no Céu.
Esta experiência memorável referida nos Escritos prova que a meninice e a juventude são as idades próprias para a plantação das sementes da verdade; e prova também, por indução — se não diretamente —, que os que ouvem e não atendem à verdade da Palavra no começo da vida têm toda a probabilidade de não atendê-la na maturidade e na velhice. A juventude é a idade própria para ouvir e aprender, para começar a pensar sobre a verdade, para começar a prestar atenção às suas lições. Esse é o tempo conveniente. Não o desperdiceis esperando por ocasião mais conveniente.
Se não ouvis, se não aprendeis nessa idade, é porque não tendes mais interesse pelas coisas do Céu do que pelas do mundo. E se preferis cultivar o amor das coisas deste mundo, o vosso estado se tornará, gradualmente, duro e frio, e vos tornareis cada vez mais inclinados a resistir à voz da verdade sempre que ela se fizer ouvir e, na outra vida, no outro mundo, ela não terá mais encantos para vós.
Prestai atenção, portanto, à voz do Filho do Homem em Sua mensagem à Igreja de Sardo: “Lembra-te pois do que tens recebido e ouvido, e guarda-o, e arrepende-te. E se não velares, virei sobre ti como o ladrão, e não saberás a que hora sobre ti virei” (Apoc. 3,3). Ou atendei à sabedoria dos antigos que chegou até nós tratando das mesmas coisas:
“Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento; antes que se escureçam o sol e a luz, e a luz, e as estrelas, e tornem a vir as nuvens depois da chuva; no dia em que tremerem os guardas da casa, e se encurvarem os fortes varões, e cessarem os moedores, por já serem poucos, e se escurecerem os que olham pelas janelas; e as duas portas da rua se fecharem por causa do baixo ruído da moedura, e se levantar a voz das aves, e todas as vozes do canto se encurvarem; como também quando temerem os lugares altos, e houver espanto nos caminhos, e florescer a amendoeira, e o gafanhoto a carregar, e perecer o apetite, porque o homem se vai à sua eterna casa, e os pranteadores andarão rodeando pela praça. Antes que se quebre a cadeia de prata, e se despedace o copo de ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se despedace a roda junto ao poço, e o pó voltar à terra, como o era, e o espírito voltar a Deus, que o deu”. (Eclesiastes 12, 1-7)
“Alegra-te, mancebo, na tua mocidade, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade, e anda pelos caminhos do teu coração, e pela vista dos teus olhos; sabe, porém, que todas estas coisas te trarão Deus a juízo. Afasta pois a ira do teu coração, e remove da tua carne o mal, porque a adolescência e a juventude são vaidade”. (Idem 11, 9-10)
“Coroa de honra são as cãs, achando-se elas no caminho da justiça”. (Provérbios 16,31)
“De tudo o que se tem ouvido, o fim da coisa é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem”. (Eclesiastes 12,13)
Amém.

•   1ª Lição:     Isaías 55
•   2ª Lição:     Mateus 13, 1-23
•   3ª Lição:     A. C. 5096