A ANSIEDADE DOS IRMÃOS DE JOSÉ

Sermão pelo Rev. B. David Holm

Então disseram uns aos outros: Na verdade somos culpados com referência a nosso irmão, pois lhe vimos a angústia da alma quando nos rogava e não lhe quisemos ouvir; por isso nos vem essa ansiedade".


(Genêsis 42;21).

 

                   José foi detestado por seus irmãos. A afeição que Jacó dedicava a José acendeu e expandiu a fogueira dos ciúmes dos outros filhos. Os sonhos de José referentes à sua preeminência em relação aos outros membros da família fizeram que ele fosse visto como um pretensioso sonhador. Entre os onze irmãos, somente Rubem ergueu a voz em defesa de José e planejou reconduzi-lo secretamente ao pai. Não teve êxito em seu plano, mas seus esforços salvaram a vida do irmão. Não pôde, entretanto, impedir que José fosse vendido como escravo.
No Egito, porém, José não estava só. O Senhor o acompanhava, proporcionando-lhe prosperidade, primeiro na casa de Putifar, depois na prisão e, finalmente, junto do Faraó, que o colocou no elevado cargo de governador do Egito, justamente numa época de escassez de grãos, e, consequentemente, de fome. Assim, quando a fome se alastrou pela terra de Canaã e Jacob mandou seus dez filhos mais velhos ao Egito, a fim de comprarem grãos, eles tiveram que procurar José. Foram por ele reconhecidos, tendo José mantido sua identidade em segredo. Falou-lhes asperamente, acusando-os de espiões, lançou-os na prisão por três dias e disse-lhes que não permitiria que voltassem a Canaã, a menos que um deles permanecesse preso, para garantir a volta dos demais com o irmão mais novo, que se chamava Benjamim, como sabemos.
Durante os dias em que permaneceram na prisão, os irmãos falaram entre si sobre qual seria o objetivo da proposta de José. Eles estavam amedrontados e ansiosos diante da situação difícil que enfrentavam e, nesse estado, enchiam suas mentes com conjeturas sobre os infortúnios que poderiam vir a padecer. Então lembraram-se de sua má ação com José. Lemos em nosso texto: "Então disseram uns aos outros: Na verdade somos culpados com             referência a nosso irmão, pois lhe vimos a angústia da alma quando nos rogava e não o quisemos ouvir; por isso nos vem essa ansiedade". Novamente Rubem os admoestou: "Não vos disse eu: Não pequeis contra o jovem? E não me quisestes ouvir. Pois vedes aí que se requer de nós o seu sangue". Quando José ouviu os irmãos se recriminarem e reconhecerem a culpa de seu comportamento com ele, chorou de pena, de misericórdia e perdão.
No sentido interno, esta história de José e de seus irmãos retrata a reforma da mente do homem natural (externo) e sua conjunção com a mente do homem espiritual (interno). E nessa reforma e conjunção, a ansiedade provocada pelo mal desempenha papel importante e vital. Ela é o reconhecimento interno do mal, sem o qual não há confissão de arrependimento. Antes da reforma da mente do homem externo, nada existe nela de espiritual. É verdade que ela pode ter recebido conhecimentos da religião, representados pelos irmãos de José, e talvez mesmo tenha construído uma fé intelectual, derivada dos conhecimentos. Mas esses conhecimentos não podem constituir verdade viva, a não ser pela reforma. Assim, até que a reforma se inicie, o homem natural rejeita e se afasta dos genuínos princípios do bem e da verdade que o Senhor implanta no homem interno, assim como os filhos de Jacob rejeitaram e venderam José.
Podemos sentir isso em nossas próprias vidas. Sempre o nosso externo, sede de nossa hereditariedade, se ressente e resiste aos princípios internos da caridade e amor que, de acordo com a ordem Divina, devem governar nossas vidas. Nossos amores egoísticos e mundanos consideram tais princípios como sonhos e ideais impraticáveis, porque exigem o sacrifício de desejos ilegítimos. O fato de ser dado lugar preeminente e honroso aos princípios internos de amor e caridade causa ressentimento ao nosso externo e um ódio infernal se lança contra eles. Quando o nosso interno estabelece esses princípios de bens e verdades, oriundos do Senhor, como princípios regaladores de nossa vida, o nosso externo impuro recusa obedecer-lhes, esforça-se por destruí-los e, se não o consegue, levam-nos à escravidão dos conhecimentos naturais, de modo que tais princípios se tornam escravos dos conhecimentos. Desse modo, as coisas integrantes dos princípios internos parecem meros ideais abstratos e deixam de perturbar nossa maneira de viver.
O homem que age desse modo vende José, que representa o espiritual, para ser escravo no Egito. Cada um de nós faz isso quando deprecia ou se afasta dos elevados ideais da juventude e os transfere para a memória com a alegação de que são impraticáveis, irrealistas e demasiadamente pesados para nossa vida prática. Mas, na verdade, não podemos livrar-nos desses princípios internos sem dores de consciência. A fé que adquirimos na infância, a fé quanto ao que é certo ou errado - fé representada por Rubem - brada contra qualquer infração aos princípios internos. Entretanto, o aviso dessa fé prudente é desprezado pelos maus amores. O protesto de Rubem não é ouvido pelos irmãos. Os princípios do homem espiritual apelam no sentido de não serem rejeitados, como José apelou para seus irmãos. Mas o homem natural, representado pelos irmãos, não atende ao pedido.
Entretanto, mesmo relegados para junto dos conhecimentos da memória, os princípios internos, protegidos pela Divina Providência do Senhor, são preservados e nutridos para a futura regeneração, para a futura prestação de usos. Com efeito, o Senhor reordena e reorganiza os conhecimentos naturais e espirituais existentes na memória do homem. E, quando procede a essa reorganização, o Senhor estabelece nova ordem nas coisas da memória e multiplica os conhecimentos nela existentes, o que é representado por José, que, ao tornar-se o verdadeiro governante do Egito, armazenou os alimentos que impediriam a fome e a morte que se aproximavam.
Mas o tempo da fome chega inevitavelmente para o homem cujo natural é regido pelo seu "proprium". Ser governado por si mesmo é ser governado pelo inferno e isso traz aridez e desolação à mente; é um estado em que não se recebe qualquer bem ou verdade. Chegamos a esse estado cada vez que realizamos coisas ilegítimas, egoísticas ou mundanas e, em consequência, nos sentimos amedrontados e ansiosos. É um estado de aridez e desolação e mesmo de desespero, durante o qual não dispomos de alimento espiritual. Precisamos procurar esse alimento para evitarmos a fome e a morte consequente.
Temos de procurar o homem espiritual, para comprar tal alimento, assim como os irmãos procuraram José para a compra de grãos. Nessa ocasião, não reconhecemos os ideais elevados do amor e da caridade que havíamos rejeitado e dos quais nos havíamos afastado. Isto é significado pelo fato de os irmãos de José não o reconhecerem. Como já havíamos esquecido tais ideais, eles nos parecem agora estranhos e duros, acusando-nos de inimigos e arrebatando nossa suposta liberdade - a liberdade de viver desordenadamente nos males do eu e do mundo. Isso é representado pelo aparentemente duro tratamento dispensado por José a seus irmãos.
Os ideais de amor de que nos havíamos afastado exigem uma troca de vida que nos parece quase impossível. Exigem que nós ofereçamos uma nova e genuína verdade, desenvolvida pelas vicissitudes da tentação e pela renúncia dos males. Então José exige que lhe tragam Benjamim, o irmão mais moço, antes de conceder a liberdade aos demais irmãos. Benjamim representa a verdade em que está o bem.
É nesse período do aparecimento da verdade que os irmãos falaram entre si sobre a rejeição de José e concordaram em que as vicissitudes se abateram sobre eles porque pecaram contra o irmão que eles julgavam morto. Foi então que disseram: "Na verdade somos culpados com referência a nosso irmão, pois lhe vimos a angústia da alma quando nos rogava e não o quisemos ouvir; por isso nos vem essa ansiedade".
Quando os princípios do homem interno nos ameaçam condenar, somos levados a rever em nossa memória os males conhecidos ou ocultos que praticamos em nossa vida, os quais nos trazem infortúnio e ansiedade. Se não reconhecermos nossos males, se não passarmos pelo processo das tentações, tornar-se-á impossível o trabalho da rejeição de tais males e o consequente processo da reforma. Pensamos em abandonar os males que amamos e isso nos angustia. Pensamos que não temos forças suficientes para rejeitá-los e sentimos ansiedade. Receamos jamais poder receber os princípios genuínos do homem interno e nos desesperamos. Tudo isso são as tempestades das tentações, que acabarão sendo afastadas pelo Senhor, se com Ele cooperarmos.
Esse é o estado da ansiedade espiritual. É um estado de utilidade, porque por ele alcançaremos, com a ajuda do Senhor, os genuínos princípios da vida existentes no homem espiritual ou interno. Como vimos em nossa lição da doutrina, essa ansiedade, relacionada com nosso estado espiritual, é o começo do reconhecimento dos males de que somos portadores e o início do esforço para que os rejeitemos (AC 5470). Tal ansiedade é um sinal de esperança, porque leva a um estado de arrependimento real e a uma vida nova. A criatura que emergir desse processo terá em si unidos os princípios internos e os princípios externos da vida, estes últimos subordinados aos primeiros.
Assim, o estado de ansiedade, a despeito do sofrimento que nos inflige, nos encaminha à regeneração final. Era esta a esperança de que José estava possuído em relação a seus irmãos. Ele sentiu essa esperança quando ouviu que eles finalmente admitiam que eram culpados. Diante desse fato, sua esperança manifestou-se com lágrimas em que havia pena, misericórdia e perdão.
Lembremo-nos, entretanto, de que a esperança na regeneração não é ainda a regeneração. Para que essa esperança possa manter-se é indispensável que a vida da regeneração seja vivida integralmente, pois, somente por meio desse comportamento, é possível formar a verdade essencial à regeneração, verdade que é representada por Benjamim e se nutre do afastamento dos males e da prática do bem. A presença dessa verdade é o instrumento que habilita a criatura humana a receber os princípios da Divina Verdade e do Divino Bem como força vital de sua vida. Depois do estado de ansiedade e do estado de esperança interior deve iniciar-se a viagem de que resultará a união de Benjamim com José. Isso ocorreu quando os irmãos voltaram ao Egito trazendo Benjamim, e então José já não era o tirano intransigente da primeira viagem, mas o afetuoso irmão que os outros julgavam perdido para sempre.
Se fizermos uso adequado dos estados de ansiedade espiritual; se procurarmos a verdade em que está o bem; se, a partir desses estágios, iniciarmos os processos de reforma e de regeneração, então verificaremos que os princípios da verdade do Senhor já não nos constrangem, já não são duros nem inacessíveis. Em vez disso, são afetivos e calorosos, são tolerantes quanto aos males passados e estão dispostos a proteger-nos e alimentar-nos. Os ideais que outrora rejeitamos são agora os princípios internos que nos levam à regeneração e à vida eterna. Guiados pelo Senhor e por intermédio da verdade em que está o bem, representada por Benjamim, chegaremos ao homem espiritual, representado por José. Amém.

Lições : Gênesis 42;1 a 35
A.C. 5470
Adaptação de J. Lopes Figueredo

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A.C. 5470
ANSIEDADE

                   Pois lhe vimos a angústia na alma. Que isso significa o estado do interno quando foi rejeitado é evidente pela significação de "angústia na alma" como sendo o estado em que o interno está, quando se afasta do externo. Com relação a esse estado, o Senhor faz fluir continuamente o bem no homem e com o bem a verdade, os quais são ou não são recebidos pelo homem. Se o homem recebe, tudo está bem com ele, mas se não recebe tudo é mal. Se, quando não recebe,  sente certa ansiedade, existe a esperança de que ele pode ser reformado, mas, se não sente tal ansiedade, a esperança é vã. Com cada homem há dois espíritos do inferno e dois anjos do céu, porque o homem, nascido em pecado, não pode viver a menos que de um lado se comunique com o inferno e do outro com o céu. Toda sua vida se deriva dessa comunicação. Quando o homem cresce e começa a governar-se por si mesmo, isto é, quando lhe parece que ele quer e age por seu próprio julgamento, e chega a conclusões sobre coisas da fé segundo sua própria compreensão, se então escolhe os males, os dois espíritos do inferno aproximam-se dele e os dois anjos do céu afastam-se. Se, porém, ele escolhe os bens, os dois anjos do céu se acercam dele e os dois espíritos do inferno são removidos. Se, portanto, quando o homem se orienta para os males..., sente ansiedade ao refletir sobre sua situação, isto é um sinal de que ele ainda receberá um influxo do céu através dos dois anjos, e é também um sinal de que posteriormente sofrerá para ser reformado. Se, porém, quando reflete sobre a prática de seus males, o homem não sente ansiedade, isto é um sinal de que ele não deseja receber influxo do céu através dos anjos e é também um sinal de que não sofrerá para ser reformado. Aqui, portanto, onde se trata das verdades da igreja externa, representadas pelos dez filhos de Jacob, menciona-se a angústia da alma em que se encontrava José, quando foi vendido por seus irmãos... . Se houver penitência, a reforma ou a conjunção do interno com o externo se realizará posteriormente, pois naqueles que sentem ansiedade há um reconhecimento interno do mal, que se torna confissão aos olhos do Senhor e, finalmente, arrependimento.

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