O SENHOR FALOU


Sermão pelo Rev. W. B. Caldwell


“E a glória do Senhor se manifestará,
e toda a carne juntamente verá que a boca do Senhor o disse”

(Isaías 40, 5).

Esta profética declaração de Isaías é uma promessa do Advento do Senhor ao mundo, quando Ele manifestaria Sua Glória Divina a toda raça humana, quando Ele revelaria as glórias da Divina Verdade pelas palavras de Sua própria boca e pelos atos de Sua onipotência. E esta glória devia ser manifestada não somente aos poucos que o ouviram e viram, mas a todo o gênero humano sobre a terra, à raça nas idades futuras, aos homens da Igreja e aos anjos do céu; pois num sentido universal, a manifestação da Divina Glória e Suas criaturas é infinita e eterna. “E a glória do Senhor se manifestará, e toda a carne juntamente verá que a boca do Senhor o disse”.
O que o Senhor disse pelos profetas manifestou a sua Divina Vontade, os Seus Divinos propósitos e fins; foi assim uma promessa de coisas que aconteceriam no futuro, uma promessa que não podia falhar, porque Ele é onipotente. E por isso, neste caso, como em muitos outros da Palavra, a promessa é confirmada pela declaração: “Porque a boca do Senhor o disse”.
A Doutrina Celeste nos ensina que “o Senhor falava aos profetas por meio de anjos representativos, cujo estado, na ocasião, era tal que eles não sabiam outra coisa senão que era o próprio Jeová, isto é, o Senhor, embora, depois de terem falado, voltassem ao seu estado anterior e, então, falassem por si mesmos”. O anjo que apareceu a Moisés na sarça ardente, falou como Jeová porque o Senhor falou por meio dele. Para que a fala Divina possa vir ao homem por palavras, que são sons articulados nos últimos da natureza, o Senhor usa o ministério de anjos, enchendo-os com o Divino enquanto o seu eu dorme, de modo que eles não podem saber outra coisa senão que são Jeová Mesmo. “Ele faz Seus espíritos anjos, Seus ministros uma chama de fogo”. E desta maneira, o Divino, que está nas coisas superiores ou supremas, desce aos planos inferiores da natureza, onde o homem está quanto à vista e ao ouvido (A. C. 1925). Foi assim que o Senhor falou a Palavra aos patriarcas, a Moisés e aos profetas.
Mas quando o Senhor veio ao mundo falou a Divina Verdade com os próprios lábios de Seu Humano, falou aos próprios ouvidos dos homens, revelando-lhes Sua Glória por este meio externo. Ao mesmo tempo, pelo Divino que estava dentro d’Ele, falava ao céu universal, cumprindo assim a profecia de que “toda carne veria que a boca do Senhor o disse”.
O Senhor falou aos homens desde o começo: Adão e Eva e seus descendentes, assim à Antiqüíssima Igreja; a Noé e à sua posteridade, assim à Antiga Igreja; depois a Eber e aos patriarcas, a Moisés e aos profetas de Israel. Mas d’Ele vir ao mundo e falar por Seu próprio Humano, Ele falava aos homens por meio do humano de um anjo. Aproximar-se dos homens e lhes falar, espiritual ou naturalmente, a não ser através de um médium finito, não era possível para o Divino Infinito do Senhor enquanto não assumisse o Humano no mundo. Antes disso, o Divino Humano era o Senhor presente nos anjos do céu, através dos quais Ele se revelava aos homens da terra. “O Senhor deu a Palavra, e grande foi a multidão daqueles que receberam as novas”.
Na idéia espiritual, aquilo que o Senhor fala é a Divina Verdade procedente do Seu Divino Humano. Mas, diz a Doutrina,
“a Divina verdade procedendo imediatamente do Divino Humano do Senhor não pode ser ouvida nem percebida pelos homens, e nem mesmo pelos anjos. A fim de que ela possa ser ouvida e percebida precisa haver mediação, que se efetua através dos céus, isto é, através dos anjos e dos espíritos que estão no homem” (A. C. 6996).
Isso não pode ser compreendido claramente pelo homem porque este não pode ouvir os espíritos que estão com ele, falando uns com os outros, e se os ouvisse não os compreenderia porque a fala dos espíritos não tem palavras humanas. Do mesmo modo os espíritos não podem ouvir os anjos, e se os ouvissem não os compreenderiam, porque a fala angélica é ainda mais elevada. A fala dos anjos do céu supremo é ainda menos compreensível pelos homens porque esses anjos não têm uma linguagem de idéias, mas de afeições. Se estas falas são tão distantes do homem, o que não deve ser a fala Divina, que está infinitamente acima daqueles céus! A fala Divina, dizemos nós, mas isso significa a Divina Verdade procedendo do Divino Humano do Senhor. A fim de que esta possa ser ouvida e compreendida pelo homem deve chegar a ele por mediações; e a última mediação se faz pelo espírito que está com o homem que, ou influi em seu pensamento, ou fala de viva voz, quando isto é permitido (A. C.6996, 6892).
Este era o caminho da Divina Revelação antes do advento do Senhor e da glorificação do Humano. No Humano Glorificado, o Senhor pode atrair a todos os homens e falar com eles sem a mediação de espíritos, ainda que não apareça e não fale aos olhos e ouvidos do corpo dos homens no mundo, mas na Palavra e, portanto, pelo caminho interno da percepção do homem quando ele lê ou ouve a Palavra.
Mas àquele a quem a vista espiritual é aberta e a todos os que estão no mundo espiritual, o Senhor pode agora aparecer em Pessoa e falar pela Sua própria boca as verdades da Divina Sabedoria. Contudo esta idéia do Senhor falando a nós como um homem fala a outro, é uma idéia natural e pessoal que tem realmente importância por ser a primeira idéia que desponta em todos nós — uma idéia que permanece pela eternidade como o final do pensamento sobre Deus visível que veio ao mundo para que pudesse se manifestar como um Homem e falar como um homem a outro homem. E isso Ele fez de tal modo que os homens não sabiam que o Divino estava falando com eles, a não ser que percebessem a glória da Divina Verdade que Ele lhes revelava, ou que esta fosse confirmada pelos milagres que Ele fazia. E assim a idéia do Senhor falando aos homens em Pessoa, como também a idéia d’Ele falando aos anjos nas mesmas condições, é uma idéia final, uma idéia natural da fala Divina; necessária, entretanto, como uma base para a idéia espiritual.
É oportuno notar aqui que a palavra “pessoa” significa também a máscara que os atores usavam para falar ao público, de “per sona”, em latim — soar através de. Neste sentido, a “pessoa” de alguém, é a forma em que ela aparece e através da qual fala; desta forma, em um sentido mais elevado, o Senhor em Pessoa, é o Divino em uma Forma Humana visível e falando aos anjos e aos homens, como Ele faz quando lemos a Palavra. Mas este não é o caminho interior de falar aos seres finitos. Se pensássemos espiritualmente sobre a fala ou a palavra do Senhor, consideraríamos a Sua fala interna com os homens, que é a Sua vinda na luz da Divina Verdade, procedendo d’Ele como a luz do Sol espiritual, iluminando as mentes dos anjos e dos homens e dando-lhes a percepção e o entendimento da verdade.
Se quisermos ter uma idéia ainda mais interior, pensaremos deste Divino Sol como sendo onipresente, e do Senhor Mesmo como sendo o Divino Amor e a Divina Sabedoria onipresentes na luz de Sua Divina Verdade, sempre pronta a penetrar em todas as mentes receptivas. Nesta luz “toda carne verá”. Toda a raça humana, em ambos os mundos, está nesta luz. As mentes de alguns a rejeitam, entretanto, preferindo a luz natural somente, tendo ouvidos surdos para a Divina Palavra. Só ouvem a fala do Senhor as mentes que estão abertas pelo amor espiritual, cujos olhos “verão Sua glória”, e cujos ouvidos ouvirão o que a “boca do Senhor falou”.
O texto abrange a dupla idéia da Divina Revelação, apresentada nos últimos, tanto à vista como aos ouvidos dos homens; pois afirma que eles verão sua glória porque a boca do Senhor o disse. Os profetas tiveram visões e ouviram vozes. Algumas vezes a revelação era acompanhada de relâmpagos e trovões, visíveis e audíveis pelo profeta, mas não pelas outras pessoas que estavam perto deles no mundo, o que é uma prova de que estes grandes sinais lhes vinham por um caminho interno, pela visão e audição do mundo espiritual.
Sabemos que, na natureza, o trovão é uma poderosa vibração e comoção do ar. Sabemos também que quando esta vibração é apanhada pelo ouvido humano e levada, através dos nervos, até ao cérebro, há apenas um movimento de células excessivamente pequenas, produzindo na mente a sensação de um grande e forte som. Ora, esta sensação de um grande som, como o do trovão, pode ser excitada no cérebro pelo interior, como algumas vezes acontece nos estados de doença ou de desordem do cérebro, sem que qualquer som externo entre pelo ouvido. E essa sensação de um grande som pode ser comunicada ao cérebro do homem pelos espíritos, e era desta maneira que os profetas da antigüidade ouviam o trovão da revelação, como João disse: “E ouvi uma voz do céu, como a voz de muitas águas, e como a voz de um grande trovão” (Apoc. 14,2).
Esses trovões são ouvidos, algumas vezes, nas partes mais baixas do mundo espiritual, como manifestação da Divina Verdade da Revelação dos espíritos que aí se encontram. É a voz do Senhor, descendo através das pacíficas e quietas esferas interiores do céu e tomando a forma de um trovão no ar que cerca os espíritos. E é esta última revelação da voz do Senhor no mundo espiritual que pode ser comunicada aos sentidos internos dos homens, quando isso é permitido por causa da Divina Revelação, como no caso de João acima citado.
Mas esta manifestação da Divina Verdade nos últimos, como som, atende os sentidos e a vontade, primeiramente, excitando a admiração e a afeição, preparando-nos para uma revelação aos olhos de modo que a “glória do Senhor” possa ser vista. A verdade vista está em um plano mais alto do que a verdade meramente ouvida, pois o éter, veículo da luz, é uma atmosfera mais pura do que o ar que transmite o som. Os sons das palavras quando alcançam os sentidos internos são mudados imediatamente em objetos ou imagens de vista interna. Ouvimos uma verdade falada e dizemos que a vemos. Da mesma maneira as harmonias dos sons musicais excitam visões de beleza em nossa imaginação.
Para os anjos, o Senhor, a maior parte das vezes, fala primeiro à vista e depois ao ouvido. Ele faz isso pelo influxo em seus interiores, inspirando a afeição e a percepção da verdade e, portanto, a vista da verdade no entendimento. E esse influxo pode descer depois dentro deles e ser ouvido como uma voz soando no ar, pela correspondência do ouvido com a percepção interna. Neste caso, o Senhor fala a eles pelo interior, mas eles O ouvem como se fosse pelo exterior. Assim aconteceu no chamado feito a Samuel que pensou ser Elias que se tinha dirigido a ele, compreendendo afinal que era o próprio Senhor que o chamava (I Samuel 3). O Senhor, por Sua presença íntima, pode falar tanto a um anjo como a um homem; pode até falar a todos, no universo, ao mesmo tempo, porque a Sua presença e o Seu influxo são universais. Na realidade, nunca há um momento em que Ele não esteja falando a algum anjo ou a algum homem (S. D. 2786; A. C. 904).
Convém notar que a palavra “fala” usada nos Escritos, é um termo de larga significação, envolvendo todos os meios pelos quais as afeições e os pensamentos são comunicados de uma menta a outra, e também a Divina Comunicação pela qual o Senhor concede Seu Amor e Sua Sabedoria aos anjos, aos espíritos e aos homens. Esse termo é usado para exprimir a comunicação da afeição que é sentida, por outro, por meio de uma esfera, ou por outras palavra, a onda de afeição efetivamente transmitida de mente a mente, quer seja acompanhada pela palavra sonora ou não.
O termo “fala” nos Escritos significa o que é apresentado à vista de outro como uma comunicação de idéias do pensamento, por meio da face, dos olhos, dos lábios e dos gestos — o meio usual de falar nos antiqüíssimos tempos. A comunicação pela palavra da boca ao ouvido de outrem é apenas uma das formas da “fala”, segundo a acepção usada na Doutrina, especialmente em sua descrição das muitas formas de falar dos anjos. Daí se conclui que a fala Divina é essencialmente uma comunicação da Divina Vontade e do Divino Pensamento às criaturas humanas pelo influxo na mente delas onde é sentido, percebido e conhecido, quer seja efetivamente ouvida, no ouvido, ou não.
Na idéia espiritual, a fala é um termo compreendido dessa forma. Onde quer que se diga na Palavra, que Jeová Deus ou o Senhor “falou”, isso significa, em geral, Sua Divina presença e Sua manifestação, revelando aos homens a Sua Divina Vontade e o Seu Divino Pensamento, a Sua Divina Previdência e a Sua Divina Providência, por meio da Divina Verdade da Divina sabedoria. No fim de uma Igreja vem a Voz Divina anunciando o Seu Advento e proclamando as alegres novas de Sua vinda, chamando os homens para a salvação. Para o homem externo a voz do Senhor, em Sua Palavra, vem como um mandamento e uma advertência, uma exortação para obedecer e arrepender-se. Para o homem interno ela vem como um influxo e uma comunicação do amor e da luz espirituais a seus interiores, trazendo-lhe a percepção da verdade e da fé e a iluminação; é ainda o ditame da consciência, porque isto também é a voz do Senhor no homem. Na tentação é, a princípio, uma repreensão, mas depois se transforma em voz consoladora e reconfortante.
O homem que lê a Palavra escrita e a compreende espiritualmente, pensa não apenas no Senhor aparecendo e falando aos patriarcas e aos profetas, ou em Sua própria Pessoa Divina, mas sua mente se eleva ao mesmo tempo à verdade da vida que foi desvendada; e então é que o Senhor fala completamente a ele. Todas as coisas que esse homem tira da Palavra são como a voz do céu.
Como a Divina Providência quer que uma Igreja interna seja agora erigida, nos foi dito:
“Hoje em dia o homem não pode ser iluminado por uma voz viva vinda do céu, porque isso não entraria no seu racional, mas apenas em sua memória onde permaneceria como uma coisa da memória apenas. Por causa disso revelações imediatas não são dadas hoje” (S. D. 5671).
“Mas aqueles que são guiados pelo Senhor são iluminados quando lêem a Palavra; porque Ele está aí, e fala com cada um de acordo com sua recepção” (A. E. 1183).
O Senhor só nos fala na Palavra escrita. Aos judeus Ele falou claramente porque eram homens externos e não podiam ser instruídos de outra forma. Quando lemos os Escritos e os Testamentos da Palavra é o Senhor Mesmo que nos fala aí. Em Seu segundo Advento o Senhor revelou-Se na Doutrina Divina para o homem interno, falando uma vez mais à Sua Igreja; desta vez, porém, aos ouvidos da mente interna. Esta é também a voz do Senhor; pois está expressamente declarado que “O Senhor Jeová agora deriva e produz do Novo Céu uma Nova Igreja sobre a terra, o que é feito pela revelação das verdades de Sua própria boca ou de Sua Palavra” (Coronis 18). Ele fala, portanto, a todos os que lêem as Doutrinas Celestes como uma nova revelação e uma nova manifestação da glória da Divina Verdade, dada para que “toda carne possa ver” o que “a boca do Senhor o disse”.
Amém.

Lições:   • I Samuel 3
• Lucas 4, 14-32
• A. C. 904