O PRINCÍPIO DA CRIAÇÃO DE DEUS


Sermão pelo Bispo George de Charms


“Isto dia o Amem, a testemunha fiel e verdadeira,
o princípio da criação de Deus.”

(Apoc. 3,14)

Um novo ano representa um novo estado de vida, um novo estágio do desenvolvimento espiritual. Todo crescimento se processa gradualmente, partindo de um começo singelo, num primeiro plano, passando por uma série de desdobramentos para alcançar um determinado objetivo; depois vem um novo começo e um novo desdobramento sobre um outro plano. A semente cai na terra e, durante algum tempo o seu desenvolvimento fica confinado na própria casca, em cujo interior uma nova vida começa a despertar, havendo então um período de preparação durante o qual ela incha e amolece até que, por fim, arrebenta pela pressão da vida interior. Nesse momento tem início uma nova série: a casca é rejeitada e dá-se o nascimento de uma radícula e de uma delgada haste no escuro seio da terra. Finalmente, a superfície da terra é rompida e a planta emerge no ar. Começa então uma nova série: o crescimento da haste e a produção de tenras folhas, que crescem pouco a pouco e se multiplicam até formar uma abundante folhagem.
Depois vem mais outra série para a produção das flores; nessa ocasião os sucos mais finos da planta são refinados e concentrados para alcançar este objetivo de maior beleza e de um uso mais importante. As flores dão lugar ao fruto, e o fruto, por sua vez, produz a semente. Esta, no processo de sua formação, representa uma nova série de desdobramentos para a qual toda a vida da planta é dirigida no tempo próprio.
Acontece exatamente o mesmo com o homem que passa de um estado simples da vida, através de outros progressivamente mais complexos, para atingir a sua plenitude e, depois, o seu fim. Começa, então, um novo desenvolvimento discriminadamente diferente. A infância, a meninice, a juventude, a maturidade e a velhice têm, cada uma, a sua própria duração, o seu período próprio de crescimento e sua própria ordem de desenvolvimento. Embora não possa ser fixado com segurança o momento exato, há uma ocasião em que um estado se completa e outro começa; uma ocasião em que um estado sucede a outro, dando lugar a uma mudança no caráter do desenvolvimento do homem. Há um novo começo que visa fins mais altos que, por assim dizer, muda a direção da vida, estabelecendo seu curso em direção a um outro alvo. E o que é verdade para o homem, é verdade também para a raça, que vai passando por estágios definidos de progressos em direção à meta final da Divina Providência que foi prevista por Deus desde o princípio. Houve um período de desenvolvimento em um plano simples, durante o qual se fez a preparação secreta para um desenvolvimento mais perfeito. E quando esta preparação se completou, houve um novo começo, a entrada num outro estado, o início de um tipo de progresso completamente diferente, com uma série própria de crescimento e aperfeiçoamento como preparação para uma nova mudança.
Estas fases ou idades do progresso do mundo são marcadas por uma nova Revelação, uma nova vindo do Senhor, uma nova manifestação do Seu Amor e de Sua Sabedoria. Cada uma delas é marcada pelo fim de uma Igreja, por uma determinada espécie de crescimento espiritual, por um tipo característico de vida religiosa e de culto, e pelo começo de uma Nova Igreja, com métodos e costumes completamente diferentes, com uma qualidade de pensamento religioso, de percepção e de vida inteiramente diversos. É uma dessas mudanças que é representada pelo começo de um novo ano — a entrada num outro estado de vida, tanto individual como coletivo, ou da raça.
Toda criação é obra Divina. O Senhor é o único Criador tanto do céu como da terra. O processo criativo se efetua pela ação Divina, agindo de dentro e ao mesmo tempo de fora. O Senhor é chamado o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim, o Primeiro e o Último, porque Ele é não somente o Íntimo, mas também o Externo do Universo.
Embora o Senhor seja o único Criador, porque Ele opera tanto no interior como no exterior, contudo, aparentemente, há duas causas da criação. A causa Interna é a Vida Divina mesma, procedendo de Deus Infinito, descendo sob a forma de forças ativas pelas quais é produzido todo movimento e todo progresso. Mas as forças por si sós nada podem criar. É só quando a vida é recebida, quando as forças vivas encontram alguma resistência, alguma coisa inerte, passiva ou reativa, é só então que os efeitos são produzidos. Esta possibilidade de reagir e, desse modo, prender e corporificar as forças vivas, também tem a sua origem em Deus. É isso o Divino nos últimos. É por esse meio que o Senhor opera do exterior ou de fora, ao mesmo tempo em que opera do interior, para criar o mundo e, por fim, o céu.
A causa interna da criação está sempre presente em sua plenitude e perfeição, e tem estado presente igualmente desde o princípio. Todas as forças da Vida Divina que sempre têm operado no mundo, e todas as que operarão sempre pela eternidade afora, estão aqui, imanentes da vida infinita de Deus. Mas a causa externa da criação, o plano final da reação — e aquelas forças Divinas — é produzido no tempo e por um desenvolvimento ordenado em série. Só quando essa causa é produzida, é que a criação pode ter lugar, e isto a despeito de estarem presentes e continuamente ativas, todas as forças Divinas da Vida. O Senhor está tão completamente presente em uma criança quanto o está em um homem que atingiu a madura sabedoria da idade.
Toda a vida Divina, que é a causa interna da sabedoria, todas as maravilhosas forças da Divina atividade, que são vivamente manipuladas diante dos olhos dos anjos mais elevados, estão presentes na alma de um bebê recém nascido. Mas os céus que aqueles anjos vêem, as formas da sabedoria e do amor espirituais que lhes dão prazer, não podem ser produzidas na mente da criancinha porque a causa externa, o reativo final, o vaso receptivo pelo qual somente aquela vida Divina pode ser manifestada e tangivelmente corporificada, não está ainda preparado. Precisa haver um processo de formação através de estados sucessivos, cada um dos quais tem a sua própria série de desenvolvimento; produzindo, como fruto, os meios para uma progressão nitidamente mais elevada; cada um desses estados é seguido por um novo começo, tendo por base um novo Divino nos últimos.
É quando a força viva, procedendo do Sol do Céu encontra, por fim, um reativo correspondente, preparado no tempo, com a matéria do mundo, que a criação tem lugar. A história do mundo é uma viva documentação de como estes reativos finais, em constante progressão, têm sido providos de modo que forças cada vez mais interiores da Vida Divina possam ser recebidas, corporificadas e reveladas. Por trás dos fatos claros da história, por trás das coisas que os homens podem ver nos documentos do passado, o Senhor tem estado sempre a trabalhar com Infinito Amor e Infinita Sabedoria, preparando o caminho para uma criação sempre renovada, para uma sempre mais perfeita revelação de Si Mesmo e para uma sempre mais completa recepção de Sua vida pelos homens.
Se olharmos para a história do mundo de um ponto de vista puramente humano, pode parecer muito incerto e problemático que a raça tenha ou não progredido realmente. Pode-se afirmar que as idéias espirituais de nossos dias são mais avançadas do que as concebidas pelos homens dos tempos antiqüíssimos? Nações se levantam e caem, civilizações vão e vêm. Grandes acontecimentos, uma vez realizados, parecem ter sido inteiramente esquecidos, jazendo sepultados sob a poeira dos séculos, enquanto os homens lutam lenta e penosamente para realizá-los de novo. Igrejas que elevaram os homens à luz Divina e ao Divino calor têm definhado com o passar dos anos, dando lugar a trevas mais escuras do que a primitiva ignorância, trevas de que só difícil e penosamente a luz tem emergido de novo.
Que segurança temos nós de que haja algum progresso verdadeiro nestas contínuas elevações e quedas? Nenhuma, a não ser alguns indícios do Divino propósito e fim para o qual esta história, esta corrente da vida, flui do passado no presente para o futuro, que é conhecido de Deus somente. E, por isso, os homens caem em estados de pessimismo, provindo daí uma certa atitude de fatalismo da mente, resultante de um estudo puramente material da história. Todas as coisas que os homens espiritualmente compreendem, hoje, foram compreendidas antes, ainda que as palavras que traduzem o seu entendimento sejam muito diferentes por causa das alterações sofridas pelas condições da vida humana. Quando o entusiasmo infantil anima a mente dos homens, apresenta-lhes a visão de um mundo perfeito; visão que é encarada com ceticismo pelos que sabem não ser ela diferente das coisas que foram imaginadas em idades há muito tempo mortas.
Encarada, porém, interiormente, a história nos apresenta um aspecto diferente e nos traz uma mensagem cheia de esperanças; assegurando-nos, não que os homens virão a alcançar os seus próprios objetivos; mas que, embora venham a falhar na obtenção desses objetivos, ainda assim serão bem sucedidos; ou antes, o Senhor será bem sucedido, mesmo que os homens fracassem, e alcançará para eles o objetivo visado por Sua Misericórdia e por Seu amor pelos homens; isto é, alcançá-lo-á para aqueles que O recebem no coração e na fé.
Igrejas se levantam e caem. Começam com zelo ardente e elevada devoção, com visão clara e profunda da presença do Senhor. Progridem da aurora para o esplendor do meio-dia, em pleno vigor da vida espiritual. E depois, como uma flor completamente aberta, começam a fenecer e, por fim, morrem. Entretanto, no seu interior existe uma nova semente formada pela ação secreta do Senhor, uma nova semente que é um novo Divino nos últimos. Esta semente é formada na mente dos homens, não apenas nos dias de saúde espiritual e de progresso evidente, mas mesmo nos períodos de doença e de decadência.
Na realidade as forças da vida são, então, empregadas com mais intensidade, concentradas diretamente na tarefa de formar esta nova semente. Escondida profundamente no íntimo da flor, no interior do fruto, esta obra vai progredindo, conhecida somente do Senhor — a obra da preparação de uma nova base espiritual na mente dos homens. Este é o real objetivo Divino no desenvolvimento de qualquer Igreja. E isto é executado mesmo que a Igreja venha a cair e, em sua queda, pareça fracassar aos olhos dos homens.
O fruto final de uma idade é um novo Divino nos últimos, um novo médium reativo, um novo vaso receptivo. Este é o fruto do antigo e, ao mesmo tempo, a semente do novo. E este Divino nos últimos, em sua essência, é o que se chama o Divino Humano, a Palavra de Deus, a Sagrada Escritura, a Divina Revelação, que é a semente de que cada Igreja provém. Esta semente é formada na mente dos homens porque, enquanto eles não se preparam para um determinado progresso do desenvolvimento social — que é provido pelo Senhor, quer o Divino seja recebido pelos homens, quer seja rejeitado —, uma nova Revelação não pode ser dada. É formada através das mentes humanas especialmente preparadas para se tornarem servas do Senhor. E, não obstante, é interna e completamente Divina. É o Senhor Mesmo com a plenitude de Seu Infinito Amor e a perfeição de Sua Infinita Sabedoria — descendo para redimir e salvar seu povo. Este Divino Humano é o único meio de principiar um novo estado, um novo ano espiritual. É o meio de mudar a direção do progresso humano, de abrir uma nova série de desenvolvimento sobre um plano completamente diferente. Isto é o que se chama “o princípio da criação de Deus”.
É o Senhor mesmo que é assim descrito, o Senhor em Seu Humano Glorificado tal como apareceu a João na Ilha de Patmos. É Ele, mandando por meio de João, uma mensagem aos membros das Igrejas que estão na Ásia. “Estas coisas dizem o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus”. O Amém é a Divina Verdade, a Eterna Sabedoria do Criador Infinito. A “Testemunha fiel e verdadeira” é a Palavra de Deus, o médium externo da Revelação de Sua Vida Divina, a Palavra pela qual todas as coisas foram feitas; a Palavra sem a qual nada do que foi feito se fez. Este é o fruto final de uma idade, e a semente viva de um novo progresso. É o Divino nos últimos que deve encontrar nos primeiros a fim de que as coisas possam ser criadas. E isto também é chamado “O Princípio da criação de Deus”.
Estamos hoje no começo de um novo ano. Estamos no limiar de uma nova era da história espiritual do mundo. Temos o privilégio de viver no começo de uma Nova Igreja, quando a semente de uma Nova Revelação, secretamente formada na terra, misericordiosamente formada no declínio e na morte da Dispensação anterior — quando esta nova semente, sacudida, desprende-se do fruto apodrecido em cujo coração foi Divinamente formada, caindo na terra para começar um novo progresso, um novo desenvolvimento espiritual na mente dos homens.
Por meio deste novo Divino nos últimos, o Senhor está agora preparado para começar uma nova criação, o que não era possível antes. Ele formou um meio de operação, de fora, tanto quanto de dentro, para moldar, entre Suas Divinas mãos, um novo vaso nas mentes humanas para a recepção da Verdade do céu, um vaso para a recepção daquela Verdade de modo racional no entendimento humano como nunca anteriormente foi feito na historia do crescimento racial. Por meio desta nova Revelação, nós e todos os homens capazes que queiram recebê-la, podemos ser levados a um novo estado de vida espiritual, um novo estado de amor e de culto espirituais, um novo estado de discernimento e de fé viva, em que existem bênçãos muito além do que podemos imaginar.
Mas isto só pode ser feito pelo Senhor em Sua Nova Palavra, em Seu novo Último, em Sua nova Presença Divinamente Humana sobre a terra. É isto o Princípio da criação de Deus. Por isso devemos tomar em consideração cada Força viva que tem possibilidade de criar um Novo Céu e uma Nova Terra em nós. E isto é verdade para cada novo estado de vida espiritual por menor que seja. O grau em que viremos para a Nova Igreja sobre a terra, depende absoluta e inevitavelmente do grau em que o Senhor pode nos alcançar para moldar o nosso coração e a nossa vontade, a nossa mente e o nosso entendimento por meio desta Nova Revelação, desta nova semente da vida espiritual agora dada ao mundo para a formação de um novo culto e de uma nova fé inteiramente diferentes de tudo o que ficou para trás.
Cada ano — ou estado — de regeneração é marcado, para nós, por uma nova abertura desta Revelação, uma nova percepção do Senhor por meio dela. Sem isso não há progresso espiritual e nada pode ser feito. Devemos orar para que estes períodos cósmicos pelos quais medimos o fluxo do tempo, marquem também a entrada em novos estados de nossa vida espiritual, em que teremos um mais perfeito entendimento da Divina Verdade e uma mais elevada percepção do Divino Amor revelado na Doutrina Celeste da Nova Igreja, para que o Senhor possa criar em nós um Novo Céu e uma Nova Terra; para que Ele nos conceda uma nova compreensão de Sua Presença e nos conduza mais confiantemente para Seu Reino. Pois a Igreja só pode ser construída em nós por aquilo que o Senhor diz na Palavra de Sua Segunda Vinda.
É essa Palavra que constitui o elemento formativo de todo progresso espiritual. A esse respeito os Escritos nos dizem:
“O Senhor, a Palavra Viva, é o único Divino Criador”.
“Pela Palavra do Senhor foram feitos os céus, e todas as suas hostes pelo sopro de Sua boca”.
“Estas coisas disse o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da Criação de Deus”.
Amém.

•   1ª Lição:     Salmo 33
•   2ª Lição:     Apocalipse 3
•   3ª Lição:     A. E. 726