O NOVO CÂNTICO


Sermão pelo Bispo W. F. Pendleton


“E cantavam como que um cântico novo... e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra”.

(Apocalipse 14, 3)

Era um novo cântico. Não tinha sido cantado antes, e não podia ser cantado, agora, senão por aqueles que estavam com o Cordeiro no Monte Sião. E o número destes era de cento e quarenta e quatro mil, comprados na terra. Ninguém mais podia cantar esse cântico. Ninguém mais podia aprendê-lo. Antes do nosso texto, o Apocalipse diz que o novo cântico foi cantado pelos quatro animais e pelos vinte e quatro anciãos (Apoc. 5,9); e depois, no capítulo 15, versículos 2 e 3, declara que foi cantado pelos “que saíram vitoriosos da besta, e da sua imagem, e do seu sinal, e do número do seu nome, que estavam junto ao mar de vidro, e tinham as harpas de Deus”. Mas aqui o cântico é chamado “cântico de Moisés, o servo de Deus, e o cântico do cordeiro”.
No texto se diz que eles “cantavam como que um cântico novo”. O cântico realmente não era novo; mas apenas como se fosse novo. Era, de fato, um cântico muito antigo — o cântico mais antigo do mundo —, mas há muito tempo não era cantado e, no mundo, os homens o tinham esquecido. E por isso chamava-se agora “um novo cântico”, embora, realmente, não fosse novo. Era apenas como se fosse novo.
Nos Salmos e nos profetas se fala do tempo em que os homens cantariam um novo cântico; e no Apocalipse se diz que esse tempo chegou. E visto como aí é chamado “o cântico do Cordeiro”, ficamos sabendo imediatamente que é o cântico do Senhor Jesus Cristo — um cântico glorificando-o como o Deus do Céu e da Terra, o Redentor e Salvador do mundo.
Era costume na Antiga Igreja, muito antes dos tempos históricos, entoar cânticos e tocar instrumentos musicais no culto. Todos esses cânticos eram proféticos da vinda do Senhor. Os Salmos de Davi eram também cânticos dessa espécie, e da mesma forma eram os cânticos dos profetas e dos livros históricos da Palavra; assim eram os cânticos de Débora e de Barak do livro dos Juízes, e o cântico de Israel nas margens do Mar Vermelho, que tomou o nome de “Cântico de Moisés”. Eram cânticos de alegria e de agradecimento, prevendo com satisfação e esperança, a futura vinda do Senhor ao mundo e a libertação da escravidão do inferno, que Ele vinha realizar. A primitiva Igreja Cristã também tinha cânticos que eram igualmente de regozijo; mas agora são de agradecimento pela vinda realizada e pela libertação efetuada — cânticos de glorificação e de redenção, cantados ao Senhor ressuscitado, porque Ele tomou sobre Si o grande poder de reinar para sempre no céu e na terra. São agora “os cânticos do Cordeiro”!
A Nova Igreja Cristã deve ter também os seus cânticos de alegria e de regozijo, cânticos de confissão de fé, cânticos de glorificação e de libertação. Mas na Nova Igreja eles se chamam “cânticos novos” porque a primeira Igreja Cristã deixou de cantar os cânticos do Cordeiro. A princípio ela os cantava, mas agora não os canta mais.
Na Antiga Igreja havia cânticos a Jeová, que era o seu Deus em uma Forma Humana — o Divino Humano, o Homem Divino. Em conjunto eram denominados “cânticos de Moisés” e, em essência, eram iguais aos cânticos do Cordeiro. Os judeus depois deixaram de cantá-los como cânticos novos. Os cristãos cantavam o cântico do Cordeiro, mas logo se esqueceram dele, cantando em seu lugar os cânticos de falsos deuses. Mas o cântico do Cordeiro deve ser cantado agora novamente — não como um cântico propriamente novo, mas apenas como se fosse novo; porque deixou de ser cantado durante muito tempo. “E cantavam como que um cântico novo diante do trono, e diante dos quatro animais e dos anciãos; e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra”. O número dos que podiam cantar aquele cântico é aqui restringido, pois se diz que somente os cento e quarenta e quatro mil comprados da terra é que podiam aprender esse cântico e cantá-lo. Veremos, porém, que havia outros que também podiam aprender o novo cântico.
O capítulo de onde foi tirado o nosso texto abre com um quadro maravilhoso. João diz: “E olhei, e eis que estava o Cordeiro sobre o monte de Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, que em suas testas tinham escrito o nome de seu Pai”. O Apocalipse menciona antes, outros 144 mil. No sétimo capítulo, João diz:
“E vi outro anjo subir da banda do sol nascente, e que tinha o selo do Deus vivo; e clamou com grande voz aos quatro anjos a quem fora dado o poder de danificar a terra e o mar, dizendo: Não danifiques a terra, nem o mar, nem as árvores, até que hajamos assinalado nas suas testas os servos do nosso Deus. E ouvi o número dos assinalados, e foram cento e quarenta e quatro mil assinalados, de todas as tribos dos filhos de Israel”. (Apoc. 7, 2-4)
Foram marcados doze mil de cada tribo; e aqui neste sétimo capítulo, João diz também que além destes que foram assinalados, “uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando vestidos brancos e com palmas em suas mãos”, cantavam também, dizendo: “Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro”. Estes também cantavam o cântico do Cordeiro, embora não estivessem incluídos nos 144 mil assinalados em todas as tribos de Israel.
Por que é esse número limitado no 14o capítulo e ilimitado no 7o? Somente o sentido espiritual pode esclarecer isso, porque a luz deste sentido dispensa os paradoxos da letra. O sentido espiritual nos ensina que os 144 mil mencionados no 14o capítulo significam todos aqueles que estão no Novo Céu Cristão; e pela grande multidão acrescida a esse número no 7o — multidão que ninguém podia contar — são significados todos os demais, não incluídos no Novo Céu Cristão; isto é, todos os gentios que não conheceram o Senhor quando ainda estavam no mundo, mas que levavam, não obstante, uma vida de caridade e adoravam Deus como Homem. Estes também podiam ser salvos pelo Senhor em Sua Segunda Vinda, depois de efetuado o Julgamento Final.
“Eis que a mão do Senhor não está encolhida, para que não possa salvar; nem o seu ouvido agravado, para não poder ouvir. Mas as vossas iniqüidades fazem divisão entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não ouça” (Isaías 59,1-2). Vê-se assim que é o homem o culpado quando não é salvo.
Como já foi dito, os 144 mil significam os que estão no Novo Céu Cristão, incluindo todos os cristãos desde o tempo do Senhor sobre a terra até a realização do Julgamento Final — todos os que podiam receber o Senhor em Seu Segundo Advento. Estes, dizem os Escritos, ocupam um lugar especial no Reino do Senhor — uma posição mais interior no Novo Céu — pelo fato de terem reconhecido o Senhor quando ainda viviam no mundo, e O terem adorado como Deus do céu e da terra; nunca tendo perdido a fé em Sua Divindade, mesmo no meio das espessas trevas que se espalharam sobre o mundo cristão. Estes constituem o interno do Novo Céu; e a grande multidão que ninguém podia contar, constitui o externo desse céu.
Todos eles cantam o cântico de Moisés e do Cordeiro. Ou, para falar com mais precisão, todos os gentios, todas as crianças e todos os simples que estão no externo do Novo Céu, cantam o cântico do Cordeiro. O nosso texto, porém, trata especialmente dos últimos — os cristãos que se tinham preparado para o Novo Céu Cristão pela adoração do Senhor na terra. A respeito deles se diz que “cantavam como que um cântico novo... e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados na terra”.
A fim de que estes fiquem em condições de ir para o Novo Céu, precisam não somente ser arrolados entre os do número mencionado, como também é preciso que “sejam comprados da terra”. No versículo seguinte se diz que eles foram “comprados dentre os homens”. Como já foi dito, os 144 mil representam todos os que estão no Céu Cristão e que, quando estavam no mundo, tinham reconhecido e adorado o Senhor Jesus Cristo, e vivido de acordo com os Seus mandamentos. Mas depois se diz que eles “foram comprados da terra” e “dentre os homens” — a palavra comprados dando-nos a idéia de resgate, por compra, de prisioneiros das mãos de um inimigo.
A idéia espiritual de compra ou resgate corresponde a uma libertação; isto é, à redenção pelo Senhor dos bons que estavam sujeitos ao cativeiro dos maus. Neste caso, trata-se de uma libertação ou redenção efetuada enquanto o homem ainda estava no mundo, através da obra da regeneração que é a redenção individual pelo Senhor. Todo homem regenerado por sua vida no mundo, é libertado, resgatado, redimido pelo Senhor do poder do inferno por meio do processo de regeneração. É a respeito destes que se diz que “foram comprados da terra”, “comprados dentre os homens”. Estes é que podem cantar o novo cântico — o cântico em louvor do Senhor Deus, o Salvador. Daí, pelo novo cântico, é significado todo culto sobre a terra, todo louvor e reconhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, como o único Deus do céu e da terra.
No sentido supremo, o Senhor foi o Único “comprado da terra”, “comprado dentre os homens”, pela obra Divina da glorificação, pela qual Ele tomou sobre Si o poder de redimir todo aquele que O ama e O adora.
O Apocalipse faz menção, mais de uma vez, ao cântico de Moisés e do Cordeiro, e temos nos referido à significação histórica destas palavras. Digamos, porém, uma palavra a respeito de sua significação espiritual. O cântico de Moisés e o do Cordeiro, sendo um único cântico é, entretanto, duplo; pois Moisés não significa a mesma coisa que o Cordeiro. O cântico de Moisés é o louvor e o culto do Senhor Deus nosso Salvador segundo o sentido literal da Palavra, e o cântico do Cordeiro é o louvor e o culto do mesmo Senhor Deus segundo o sentido espiritual da Palavra. Em outras palavras, o cântico de Moisés é a glorificação e adoração do Senhor em Seu Primeiro Advento, e o cântico do Cordeiro é a glorificação e adoração ao Senhor em Seu Segundo Advento. Pois a letra da Palavra é o Senhor em Seu Primeiro Advento, e o sentido espiritual, agora revelado, é o Senhor em Seu Segundo Advento. Mas, na realidade, há um único cântico, pois é o Único Senhor Deus que fala em ambas as revelações. E a Ele é cantado o novo cântico pelos anjos do céu e por todos os homens bons e verdadeiros sobre a terra, onde quer que estejam e seja qual for o nome pelo qual são chamados.
Uma vez que o novo cântico deve ser cantado, e cantado pela redenção e salvação, é preciso que sejam tomadas providências para que se efetue aquilo que é significado por esse cântico, para que os homens saibam que o Senhor Deus Jesus Cristo está novamente sobre a terra; visível, não aos olhos naturais, mas aos olhos espirituais. A Sua presença, a Sua divindade, única e absoluta, deve ser proclamada até os confins da terra.
Os meios usados para essa proclamação são muitos — associações da Nova Igreja, o sacerdócio, a pregação e o culto público, a impressão e publicação de livros da Nova Revelação, e outros processos de evangelização para que os homens saibam que o Senhor está aqui. Esta casa em que estamos reunidos foi construída e consagrada para ser usada como um instrumento para se cantar o novo cântico; um cântico como se fosse novo, mas na realidade o mais antigo de todos os cânticos, que os homens tinham deixado de cantar. E fazemos votos para que esse cântico seja cantado nesta casa por gerações e gerações, por tanto tempo quanto durem as suas pedras — o cântico que os anjos cantam, o cântico ouvido pelo discípulo amado na Ilha de Patmos. E que o Senhor não permita que cântico algum em louvor de falsos deuses seja jamais cantado aqui!
Amém.

•   1ª Lição:     Êxodo 15, 1-22
•   2ª Lição:     Apocalipse 14
•   3ª Lição:     A. E. 857