NOSSOS ANJOS DA GUARDA

Sermão pelo Rev.Hugo Lj.Odhner

"O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que O temem e os livra"

(Sal.34:7).

Na preocupação de seus pensamentos com os negócios das tarefas diárias, o homem raramente acha ocasião para refletir que ele é um espírito, cercada por um grande número de outros espíritos.
Alguns desses espíritos estão, como ele, confinados em corpos materiais. São, como ele, mentes humanas. Nós os conhecemos como pessoas e temos uma idéia sobre seu caráter através das palavras e ações, ou através dos usos que desempenham na comunidade da igreja.
Outros espíritos há que nos afetam mais indiretamente, por sua reputação ou influência, como pelos livros que escreveram ou pela produção de suas artes e habilidades, que podem ter profundo impacto em nossos corações e mentes. Mesmo os que já morreram podem, dessa forma, fazer sentir em nossas mentes os ecos de seus pensamentos e de suas afeições, pelas obras que lhes sobrevivem.
É uma espécie de influência espiritual que qualquer erudito terreno reconhece prontamente.  Mas uma verdade que muitos hoje custam a aceitar é que os espíritos de gerações passadas de seres humanos continuam a viver num mundo espiritual e de lá continuam exercendo sua poderosa influência sobre os homens. Porque, em Sua sabedoria, o Senhor colocou uma barreira entre esses dois mundos, a fim de proteger a liberdade dos homens e o progresso dos espíritos; e essa barreira de invisibilidade só pode ser transposta, de forma ordeira, pela revelação Divina.
Os que são simples de coração não têm tanta dificuldade em crer que as alma do homem vive ainda após a morte, e que o Senhor faz uso da instrumentalidade angélica para governar a raça humana. Pois isto é que tem sido ensinado, de uma forma ou de outra, em todas as religiões antigas de nossa raça, e é confirmado nas Escrituras Cristãs: "Se não fora assim", o Senhor assegurou aos discípulos, "Eu vo-lo teria dito" (João 14:2). Mas esse ensinamento foi dado mais em parábolas e em referências simbólicas do que em doutrina plena. E, gradativamente, o parco conhecimento a respeito do mundo espiritual misturou-se com o imaginário humano e os falsos dogmas, que não se harmonizam com a justiça Divina nem com a percepção comum. O espírito de negação se apoderou especialmente daqueles que são sábios nas coisas mundanas, e "para que esse espírito não infecte e corrompa também os que são simples de coração e simples de fé", o Senhor, em Seu segundo advento, aprouve conceder uma revelação nova e imediata da verdade sobre o céu e da vida após a morte, "para que a ignorância seja esclarecida e incredulidade dissipada" (CI 1).
A ignorância é até uma proteção para o indivíduo, tanto quanto tiver a inocência. Mas quando a fé simples está prestes a perecer, a instrução autêntica e racional sobre a relação entre espíritos e homens se torna uma necessidade urgente. As pessoas se cegam facilmente diante das belezas transitórias do mundo, e se seduzem pelos seus encantos e prazeres, ao ponto de pensarem que a aquisição dessas coisas é o único propósito da vida. Ou, então, se desanimam com os males e os perigos iminentes que ameaçam a felicidade e a existência humanas. Enchem-se de azedume a prosperidade dos incrédulos e o triunfo dos opressores, ou quando descobrem a futilidade de seus sucessos mundanos que, às vezes, terminam em enfado e canseira; e assim, tornam-se presas fáceis da lógica aparentemente irresistível do escarnecedor.
Foi para prevenir esses efeitos devastadores nas vidas de muitos que se tornou essencial saber que existe, além da morte, um mundo eterno, onde a justiça impera; um mundo onde os laços rompidos da vida natural se refazem em padrões distintos conforme os amores escolhidos por cada um. Faz-se essencial saber que o Senhor, ao governar o mundo, visa constantemente aos fins eternos, e que as alegrias e os pesares, os fracassos e os sucessos da vida terra são apenas incidentes que o Senhor concede ou permite a fim de conduzir nosso espírito à maior felicidade e aos mais elevados usos possíveis.
E mais do que isso: precisamos saber que a vida que passa por nossas mentes e corpos não é nossa, mas provém do influxo de vida do Senhor, acomodado pela mediação do mundo espiritual. Atinge as nossas mentes pelo intermédio de espíritos angélicos e de maus espíritos, e a sentimos como afeições - boas ou más. Tanto os bons quanto os maus espíritos servem, assim, à Providência Divina, para manter a vida e a liberdade do homem. Os Escritos explicam que, uma vez que o homem nasce com tendências para o mal e o egoísmo, é necessário que ele tenha maus espíritos a acompanhá-lo, pois através deles o homem pode realmente perceber a qualidade das volúpias, para que as conheça e resista a elas como se fosse por ele mesmo.
Os espíritos que acompanham o homem - seja este bom ou mau - agem como se fossem seus amigos. A doutrina nos diz que tais espíritos não sabem com que homem eles estão presentes, da mesma forma que não sabemos que espíritos estão conosco. Sabemos, pelas doutrinas, que espíritos nos acompanham, mas sem que sintamos a sua presença. E a mesma coisa se passa com eles. O que sentimos são afeições, as cobiças e os motivos que eles insinuam como se procedendo do fundo de seu próprio ser; todavia, somos livres para resistir a essas afeições e escolher outras, pensar em outras, e assim mudar a companhia de espíritos. Em todo caso, os espíritos que estão presentes com o nosso espírito usam nossa mente como se fosse deles, selecionando ali os elementos que lhes agradam. Os espíritos cujo caráter se assemelha mais com o do homem, ou que se agradam especialmente com alguma área da memória e do pensamento do homem, podem até, de vez em quando, imaginar que são o homem, assumindo toda a sua memória. Entretanto, esse influxo tácito de modo nenhum interfere na liberdade do homem de pensar como quer, como também o homem não tem a menor idéia de que algum espírito esteja fazendo uso dos fatos de sua memória.
Por meio desse maravilhoso intercurso, nossos espíritos associados nos oferecem uma seleção de motivos, afeições ou cobiças, que podem inspirar nossas vidas. E nós, em troca, oferecemos aos nossos companheiros invisíveis um campo de conhecimentos e idéias dos quais eles recolhem os que mais lhes agradam e enriquecem a sua vida mental, aperfeiçoando além da imaginação do pensamento humano. De fato, eles são capazes de absorver, de uma só vez, todo o conhecimento existente na mente do homem. E uma vez que homens e espíritos sentem como se lhe pertencessem as coisas que tomam emprestadas, por esse recurso, tanto os bons quanto os maus espíritos concorrem para proteger a vida do homem, pois eles pensam que a vida é deles. Desse modo, eles todos são instrumentos pelos quais o Senhor governa o homem, mantendo seu sentido de liberdade e de prazer, e sua capacidade de pensar e de agir como se por si mesmo.
Cumpre saber, porém, que não é o Senhor que envia ou que determina algum mau espírito para o homem. É o próprio homem que, inconscientemente, convida, atrai o influxo dos maus espíritos e permite a sua presença consigo. O Senhor, em compensação, provê ao homem a companhia de espíritos guardiões, aos quais o salmista se refere, dizendo: "O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que O temem e os livra" (Salmo 34:7).
Os israelitas antigos pouco sabiam a respeito do mundo espiritual, e quase nada a respeito da vida e das funções do homem após a morte. Mas, pelos profetas, eles tinham noção da existência de seres sobrenaturais, mensageiros ou anjos, que serviam como agentes e porta-vozes de Deus e como protetores de homens e nações. Como um grupo de anjos, uma parte dos exércitos de JEHOVAH, que foi mostrado ao servo de Eliseu; a montanha estava coberta de cavalos e carros que os defendiam dos Sírios. O comentário de Eliseu ao seu servo temeroso tornou-se um lema que conforta e defende o crente perseguido em todas as épocas: "Não temas, pois mais são os que estão conosco do que os que estão com eles".
As revelações do Segundo Advento desvendaram a ordem magnífica do império espiritual do Senhor. elas mostraram que, aqueles que conhecíamos como anjos, eram, todos, espíritos de homens e mulheres que tinham vivido em alguma terra, e que uma de suas funções era estar a serviço do homem. A cada pessoa o Senhor designa pelo menos dois anjos, um espiritual e um celeste, através dos quais ela recebe as afeições da vida celeste. Esses anjos habitam no homem na região mais profunda de sua mente, onde as riquezas espirituais do reino dos céus estão entesouradas, além da consciência humana. Habitam nas relíquias do amor e da caridade que são insinuadas desde a infância e são preservadas fora do alcance da vista humana, "onde os ladrões não minam nem roubam".
O homem não pode sentir a presença desses guardiões angélicos, pois sua ação só é percebida como um sentimento ocasional de quebrantamento ou caridade, trazendo-lhe vislumbres de iluminação e deleite para com alguma verdade. Tampouco os anjos vêem a pessoa em cujos interiores estão. Mas eles sabem quando estão com alguma pessoa. Eles compreendem, quando refletem, que os elementos de seu pensamento, que eles usam como seus, procedem do homem; e nesse uso seletivo, eles conduzem e moderam as afeições do homem, modificando-as e inclinando-as em direção a bens específicos. Eles observam se algum inferno novo se abre; e se o homem se deixa atrai em relação a algum mal novo dali proveniente, eles interrompem o influxo daquele inferno, na medida que o homem o permite. Eles dissipam influxos estranhos que possam prejudicar o homem, apelando para os bens e verdades da própria mente do homem, usando-os para combater os males que os maus espíritos procuram estimular para tentá-lo.
Em suma, eles ficam vigilantes constantemente, em prol da segurança espiritual do homem. Observam se algum maus espírito está insinuando ódio, ou inveja, ou cupidez, e então põem o homem em liberdade e em condição de resistir a tal insinuação. E sentem uma alegria imensa, quando percebem que seu serviço contribuiu para remover males do coração humano e, assim, para levá-lo para mais perto do céu.
Mas, para que todo homem esteja na liberdade e no livre arbítrio espiritual, é permitido que haja com ele, também dois espíritos que se associaram aos infernos. Esses espíritos maléficos estimulam as tendências hereditárias e as fraquezas do homem, levando-o em direção a males específicos - a cobiça de dominar sobre os outros, a inveja, a injustiça e as paixões que fazem o homem ser semelhante a um espírito satânico. Espalham uma rede de enganos e de fantasias persuasivas diante de sua mente. No entanto, esse ataque infernal não dirigido exatamente ao homem, mas aos vários bons espíritos que estão com ele. Assim, como já foi dito, os maus espíritos não buscam, a princípio, fazer mal à pessoa do homem, já que não vêem nem sabem que estão no homem ou, pelo menos, em que homem estão; eles querem destruir somente suas afeições (AC 1880).
[É por isso que é perigoso falar com espíritos, pois então os maus espíritos passam a saber em que homem estão, e voltam toda sua astúcia e malícia diretamente contra o homem mesmo, como lemos no CI 249.]
Quando os maus espíritos penetram na memória do homem, eles podem ler ali, num só instante, tudo o que se acha registrado concernente à personalidade do homem; eles absorvem, pois, a identidade daquele homem, esquecendo a sua própria identidade. E desde que vários espíritos podem, ao mesmo tempo, apoderar-se das coisas da mente do homem, por isso o homem se acha, muitas vezes, como que partido entre deleites que são inteiramente diferentes.
Os espíritos que se associam ao homem ficam com ele durante o tempo em que representarem o estado geral daquele homem. Porque, na medida que o homem progride, desde a infância, os anjos guardiões e os espíritos infernais vão sendo substituídos. Na infância, acompanham-no anjos do nível celestial, do céu da inocência, inclusive anjos infantis. Na adolescência, acompanham-no espíritos do céu natural, insinuando-lhe a afeição de saber. Na juventude, espíritos de inteligência, associados com espíritos do segundo céu, são os seus guardiões. E na velhice, acompanham-no espíritos de sabedoria e inocência que se comunicam com o terceiro céu (CI 295, AC 5342).
Além desses espíritos acompanhantes, bons e maus, há hostes de outros espíritos que fazem uso temporário das idéias menos estáveis da memória do homem, e influem deleites e afeições mais passageiras, menos constantes. Nesta variedade, resulta para o homem a liberdade de escolha, e seus pensamentos se estendem a novas sociedades, no céu ou no inferno. A cada momento, ele recebe influxos dessas sociedades espirituais, para inspirar, manter e enriquecer essa admirável sucessão de pensamentos, evocação de antigas lembranças, induzindo-lhe novos humores de coragem ou de abatimento, estimulando-lhe sempre novas percepções.
A fim de evitar influxos perturbadores, estranhos e indesejados, a vida do homem precisa ser ordenadas por hábitos a que ele se impõe e por práticas definidas de culto e de moralidade. Pois os espíritos repousam nos últimos da mente do homem, isto é, nos símbolos e significados externos, representativos de suas intenções interiores.
É por esta razão que existe o sacramento do batismo, porquanto o batismo, aos olhos de todos os espíritos, vale como um sinal de que o homem pertence à Igreja - um selo protetor na memória que convida bons espíritos de sua própria fé. Pela mesma razão, a Santa Ceia é um meio de introduzir nossos espíritos na esfera celeste, um símbolo, à vista de todos os espíritos, de que desejamos nos tornar filhos de Deus. Assim também a ordenação no sacerdócio, que é uma iniciação nas sociedades de espíritos que desempenham esse ofício na outra vida. Em suma, todo bom hábito, de culto e de piedade, de ordem e de higiene, de dedicação e de cortesia, é uma proteção última contra espíritos errantes que insinuam fantasias, dúvidas e conflitos, e assim danificam nossa devoção aos usos que livremente assumimos.
Os Escritos nos foram dados para que fôssemos cientes da significação espiritual e dos efeitos de nossos atos externos, nossos costumes e nossas decisões. As decisões reais de nossa vida se referem, em última análise, a que tipo de associação espiritual buscamos para nossas vidas - que laços estamos criando em nossa mente, nossa imaginação, nossos pensamentos e nosso coração. Nós tomamos essas decisões quando ordenamos os externos de nossa vida, quando a fazemos correspondente e útil aos objetivos espirituais em que acreditamos.
Se tivermos os anjos do Senhor acampados ao nosso redor, havemos de temer ao Senhor - temor de fazer, falar ou pensar alguma coisa que seja contra contrária aos Seus mandamentos e à Sua vontade. Quando isto for real, então a mente humana estará em paz, não na paz ilusória que o mundo oferece, a falsa segurança, mas a paz da verdadeira fé, a do entendimento, a paz que somente a confiança no Senhor pode dar - a confiança em que ele pode salvar a todos aqueles que vivem bem e crêem verdadeiramente.
"Se o homem cresse, como é verdade, que todo bem e toda virtude procedem do Senhor, e que todo mal e toda falsidade procedem do inferno, ele não se apropriaria do bem, fazendo-o meritório, nem se apropriaria do mal, fazendo-se ligado a ele" (DP 320). Se sabemos que os bons impulsos que nos movem não são realmente nossos, não devemos contaminá-los com o veneno do orgulho, do mérito e da justiça própria. E, semelhantemente, muito embora os males de nossa herança humana possam ser reconhecidos, devemos agir pela verdade de que toda emoção ilícita que querem nos dominar é insinuada por maus espíritos, e podemos, pela ajuda do Senhor, recusá-la e removê-la e desapropriá-la de nosso ser.
Foi assim que aos discípulos do Senhor foi dado o poder de expulsar maus espíritos em Seu nome. Pois "o anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que O temem e os livra" (Salmo 34:7). Amém.


Lições: II Reis 6:8-19; Mateus 18:1-14; CI 391.