O ADVENTO DO SENHOR


Sermão pelo Rev. João de Mendonça Lima


“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente;
Ele te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.”

(Gênesis, 3,15)

Há 1947 anos, no dia 25 de Dezembro, nascia na Judéia, na cidade de Belém, o Senhor Jesus Cristo, nosso Criador, Redentor e Salvador. Ele veio para nos redimir do poder do mal, e criar um novo céu e uma nova terra, isto é, uma nova Igreja no céu e na terra. O Senhor nasceu no mundo segundo as leis de Sua Ordem. Tomou, em Maria, um corpo humano em cujo interno havia a hereditariedade da raça judaica.
O Menino Jesus que veio ao mundo na data que hoje comemoramos tinha, assim, um corpo físico, semelhante ao de qualquer outro homem, e uma mente com as tendências hereditárias dos antepassados de sua mãe, que era uma virgem da descendência de Davi. Mas no íntimo dessa mente, em vez de uma alma humana finita com as qualidades herdadas de um pai humano, havia uma Alma Divina e Infinita, cujo Pai era o próprio Criador do céu e da terra. Naquele menino havia, pois, uma dupla natureza. Havia o humano finito de seu corpo físico e de sua mente natural dotada de um hereditário mau, e havia o Divino Infinito do Pai que era a própria Essência Divina, o próprio Deus, Criador de tudo que existe.
Durante os 33 anos de Sua permanência no mundo material, o Senhor foi, pouco a pouco, se desfazendo daquele corpo físico e daquela mente finita, herdados de Maria, e substituindo-os por um Humano-Divino emanado de Sua própria Alma Infinita, isto é, do próprio Criador que é, assim, o Seu Pai. Esse Humano-Divino, que estava em contato imediato com os homens daquela época e em que, hoje, nós O adoramos, é o Filho, é o Verbo, que estava com Deus, e que era Deus, e que se fez carne e habitou entre nós. A glorificação do Humano que o Senhor realizou durante o tempo de Sua permanência na terra, consiste justamente nesse processo de substituição gradual do humano recebido de Maria, pelo Humano-Divino procedente do Pai.
Ao mesmo tempo em que o Senhor realizava essa obra de glorificação do Humano, Ele fazia o julgamento Final no Mundo dos Espíritos e a conseqüente subjugação dos infernos, de que resultou a redenção da humanidade do poder do mal, e a criação de um novo céu no mundo espiritual e uma nova Igreja no mundo material.
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Qual a razão do Advento do Senhor? Por que foi necessário que Deus mesmo baixasse à terra e tomasse sobre Si um corpo humano finito dotado de um hereditário mau, e glorificasse o Humano unindo-o à Sua Essência Divina? Por que foi necessário fazer a subjugação dos infernos e a criação de um novo céu e de uma nova Igreja? Qual a necessidade da obra da redenção?
A Doutrina Celeste da Nova Igreja responde a todas essas perguntas. Ela nos ensina que a humanidade depois de ter atingido o estado celestial da Igreja Adâmica — que é simbolicamente representada por Adão na letra da Palavra — foi pouco a pouco decaindo desse elevado estado espiritual, acabando por se corromper inteiramente. A queda dessa Igreja é representada no livro da Gênesis pela expulsão de Adão e Eva do paraíso terrestre. Nesse momento o Senhor fez a primeira profecia do Seu Advento, dizendo à serpente: “E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; Ele te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”.
É conveniente notar aqui que os tradutores da Palavra, não conhecendo o seu sentido espiritual, alteraram o texto original, traduzindo-o da forma que lhes pareceu mais lógica — “esta te ferirá a cabeça” —, quando o certo é dizer-se: “Ele te ferirá a cabeça”. Este “Ele” refere-se ao Senhor, e não à semente da mulher, como supunham os tradutores que, por isso, substituíram “Ele” por “esta”.
A serpente representa o amor do mal, de um modo geral e, em particular, o amor de si. A mulher representa a Igreja; a semente da serpente é a falta de fé e, conseqüentemente, as falsidades; a semente da mulher é a fé que constitui a Igreja e, portanto, as verdades da doutrina.
“Ele”, como já foi dito, refere-se ao Senhor em Seu Advento entre os homens. A cabeça da serpente, que Ele feriria, é a dominação que o mal exercia sobre a humanidade; dominação que o mal exercia sobre a humanidade; dominação que seria destruída pelo Senhor quando viesse para fazer a subjugação dos infernos e a redenção dos homens.
O calcanhar d’“Ele”, que seria ferido pela serpente, representa o corpo físico do Senhor que foi crucificado pelos judeus. O espírito do mal — o poder do inferno — não podia atingir o Senhor em Seu Humano-Divino. Mas podia feri-lo naquele humano finito recebido de Maria; e foi exatamente o que fez, inspirando aos homens corrompidos daquela época a idéia de crucificar o Senhor; o que lhes foi permitido fazer para que Ele pudesse completar a glorificação do Humano e a subjugação dos infernos, nessa última e mais terrível de todas as batalhas que, naquele humano, teve que travar contra eles.
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Depois da Igreja Adâmica, veio uma outra simbolizada por Noé e, por isso, chamada Noética. A primeira era uma Igreja Celestial caracterizada pelo amor ao Criador e pela inocência em que viviam os seus membros. A segunda era uma Igreja Espiritual, tendo como característica essencial, o amor à verdade e ao próximo.
Na primeira, os homens eram instruídos diretamente por anjos com quem podiam conversar freqüentemente, porque o seu estado de integridade moral e de inocência lhes permitia ter a vista espiritual aberta e ver e ouvir os habitantes do céu.
Na segunda, a instrução era dada pelos anciãos que guardavam na memória as tradições da Igreja anterior e os iam transmitindo, oralmente, a seus descendentes. Quando, mais tarde, foi descoberta a arte de escrever, essas tradições começaram a ser conservadas por escrito. Surgiu, então, a primeira Palavra escrita sobre a terra, cuja parte histórica era denominada “As Guerras de Jeová”, e cuja parte profética chamava-se “Enunciados Proféticos”. Com o tempo essa primitiva Palavra se perdeu completamente, restando dela apenas algumas citações feitas em vários livros do Antigo Testamento e os sete primeiros capítulos do livro da Gênesis, que Moisés tirou daquela Palavra.
Esta Igreja, depois de ter prosperado grandemente e se estendido a quase todos os povos da terra e, muito especialmente, aos da Ásia, começou a declinar também, chegando por fim a um completo estado de corrupção e de idolatria.
A ciência das correspondências entre as coisas espirituais e as coisas materiais, que era a ciência das ciências entre os sábios daquela época, foi sendo adulterada, acabando por se transformar em magia negra. Desta primitiva ciência restavam, por ocasião do advento da Nova Jerusalém, apenas os conhecimentos inteiramente falseados que constituem as chamadas ciências ocultas ainda cultivadas por alguns estudiosos de nossos dias.
Para que a humanidade não ficasse sem orientação espiritual, o Senhor, depois da consumação da Igreja Antiga, fundou, por intermédio de Moisés, uma outra Igreja que se chamou Igreja Israelita. Esta não era mais uma Igreja celestial, como a Adâmica; nem espiritual, como a Noética; mas simplesmente natural. A característica desta Igreja não era mais o amor a Deus, como na Antiqüíssima, nem o amor à verdade e ao próximo, como na Antiga, mas o amor ao bem natural, resultante da obediência à Lei, especialmente à Lei dos Dez Mandamentos.
Os homens do período correspondente a esta dispensação religiosa tinham já uma acentuada tendência para o mal e para se afastar do Senhor, de modo que para evitar ou retardar a sua completa corrupção espiritual, o Senhor precisava enviar, de tempos em tempos, profetas — que eram homens inspirados por Ele — para ir renovando e completando a revelação dada por intermédio de Moisés. Os livros escritos por esses profetas, conjuntamente com os de Moisés, constituem a Palavra do Antigo Testamento, cujo sentido literal era acomodado à compreensão dos homens da Igreja Israelita, e cujo sentido espiritual seria mais tarde revelado para servir de alimento à mente dos homens da Nova Igreja.
A Igreja Israelita ficou circunscrita aos descendentes de Jacó que vieram habitar a terra de Canaã depois de sua fuga do Egito. Ela teve o seu esplendor nos reinados de Davi e, especialmente, de Salomão, decaindo depois rapidamente.
O povo israelita, chamado na letra da Palavra “o povo de Deus”, nunca chegou a sair do estado puramente natural, tendo, ao contrário, uma forte tendência para as coisas materiais e sensuais. A corrupção dos homens desta Igreja tornou-se, por fim, tão completa que não foi mais possível suscitar profetas para instruí-los e ensinar-lhes o caminho do bem e da verdade. Por sua vez, os povos fora dessa Igreja, que constituíam a quase totalidade da humanidade, tinham caído na mais desenfreada idolatria, vivendo exclusivamente para os prazeres do amor de si e do amor do mundo.
A humanidade chegou assim à “plenitude dos tempos”, ao mais baixo grau de decadência moral e espiritual e ao mais absoluto afastamento do seu Criador. O Mundo dos Espíritos tinha se enchido de multidões incontáveis de maus espíritos que aí construíram os chamados “céus imaginários”, dominados inteiramente pelos piores habitantes do inferno.
O influxo de vida, baixando do Senhor através dos céus para animar os homens na terra, era torcido e adulterado ao passar por esses céus imaginários, resultando daí a corrupção cada vez mais profunda de toda a humanidade, e as lutas tremendas e contínuas em que viviam os povos dessa época. Se essa situação continuasse por mais tempo, o influxo de vida do Senhor acabaria por ser inteiramente interceptado pelos demônios que dominavam os céus imaginários e desejavam ardentemente a destruição de todos os homens, o que acarretaria o desaparecimento da raça humana da face da terra após um período de lutas terríveis em que os homens se destruiriam completamente uns aos outros.
Foi para impedir essa destruição que o Senhor veio ao mundo, tomando sobre Si um corpo humano com o hereditário da mais corrupta de todas as raças então existentes. Se o Senhor, em Sua Glória, se aproximasse dos infernos e dos homens, eles seriam completamente destruídos. Seria como se o sol se aproximasse da terra, o que produziria a sua volatilização. Para que isso não acontecesse o Senhor velou a Sua glória, revestindo-se daquele humano tomado em Maria, de cujo hereditário mau os infernos podiam se aproximar sem perigo de aniquilamento.
Os quarenta dias de tentações que o Senhor passou no deserto representam os combates que Ele travou naquele humano enfermo com os espíritos infernais que dominavam os céus imaginários. Ele pôde assim fazer o Julgamento Final sobre esses céus, relegando para o inferno os seus dominadores e libertando milhões de espíritos simples que aí viviam como escravos. Com eles Ele constituiu o primeiro céu cristão, por cujo intermédio foi fortalecendo e estendendo a Igreja que fundara durante a Sua estadia entre os homens.
Com a expulsão para o inferno dos espíritos infernais que infestavam o mundo dos espíritos e com a fundação do novo céu, o influxo de vida, descendo dos céus, não encontrava mais obstáculos para atingir os homens, que foram, desse modo, redimidos da opressão espiritual em que viviam. Assim, a razão do Advento do Senhor foi o Amor do Senhor por Suas criaturas querendo impedir a sua total destruição pelo mal em que tinham caído e cuja acumulação no mundo dos espíritos estava a ponto de cortar toda comunicação entre o céu e a terra.
Com o Advento do Senhor foi sustado o crescimento dessa inundação de males que já ameaçava transbordar do mundo dos espíritos para o próprio céu angélico. Para fazer isso, era indispensável que o Senhor se aproximasse dos infernos para subjugá-los com o Seu Poder e impedir a continuação do seu avanço em direção ao céu.
Mas era indispensável também a criação de um instrumento que permitisse essa aproximação sem produzir a destruição dos espíritos maus que Ele queria julgar e sujeitar às leis da Ordem, para impedir que continuassem a sua obra nefasta de escravização da alma humana, sem contudo aniquilá-los. Esse instrumento foi o humano que ele se revestiu em Maria. Humano que, tendo um hereditário mau — o pior hereditário jamais existente — permitia a aproximação dos piores espíritos infernais. É à medida que a obra de julgamento e subjugação desses espíritos ia sendo realizada, o Senhor ia realizando também a obra de glorificação daquele humano e a da redenção da humanidade.
Começou então uma nova era na história do homem sobre a terra. A era anterior foi a de sua descida lenta, mas progressivamente acelerada, para os profundos abismos do mal e da falsidade, cujo fundo tenebroso tinha sido atingido quando se deu o Advento do Senhor. A nova era — a chamada “era cristã” — é a de sua lenta ascensão para os radiosos paramos do bem e da verdade. A humanidade foi detida em sua queda e começou, então, a ser lentamente, mas seguramente, elevada pelo Senhor para alcançar um dia o maravilhoso destino para que foi criada — o glorioso destino de gozar a bem-aventurança eterna, dando plena satisfação e correspondendo integralmente aos anseios do Divino Amor.
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O dia do Natal marca, assim, o ponto de inflexão na trajetória da humanidade sobre a terra. Desde esse dia, o poder do mal foi quebrado — a cabeça da serpente foi esmagada — muito embora, como derradeira manifestação desse poder, lhe tivesse sido permitido ferir o calcanhar d’Aquele que o esmagava.
O Humano-Divino Glorificado — o Senhor Jesus Cristo, Criador, Redentor e Salvador da humanidade — é o Verbo que estava com Deus e que era Deus, e que se fez carne e habitou entre nós, como nos ensina o primeiro capítulo do Evangelho de João. O Senhor Jesus Cristo é a manifestação visível da Divina Sabedoria em cujo íntimo está o Divino Amor. N’Ele habita corporalmente — como diz Paulo em sua epístola aos colossenses —, a plenitude da Divindade.
O dia do Seu Advento — o dia do Natal — é, pois, o maior dia do calendário humano, e a melhor maneira de comemorá-lo é fazer com que esse Advento se repita em nossos corações. O Senhor renasce em nós toda vez que fazemos um consciencioso exame de nossos males e tomamos a firme resolução de impedir que eles continuem a se manifestar em nossa conduta. Arrependendo-nos de nossos males e procurando a verdade para que ela nos guie ao bem, estamos fazendo com que o Senhor repita o Seu Advento em nós, e desse modo o Natal se repete no mundo — em nosso mundo interior — e podemos então repetir as palavras da multidão que diziam naquele grande dia:
“Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para os homens”.
Amém.

•   1ª Lição:     João 1, 1-4
•   2ª Lição:     Lucas 2, 1-20