NECESSIDADE DA IDÉIA ESPIRITUAL


Sermão pelo Rev. R. J. Tilson


“Abre Tu os meus olhos para que veja as maravilhas da Tua Lei”.

(Salmo 119, 18)

Toda Igreja é considerada pelo Senhor de acordo com o entendimento que tem da Palavra Divina; e todo membro da Igreja é apreciado conforme a sua fidelidade na vida ao entendimento que tem da Palavra. Assim o Senhor deseja que todo homem viva segundo a Palavra que constitui a Igreja de que é membro confesso, e isso tanto intelectual como praticamente. Em outras palavras, os membros da Igreja do Senhor devem formar todos os seus princípios, moldar todas as suas idéias e regular todas as suas ações pelas Doutrinas da Igreja que foram reveladas pelo Senhor.
Ora, para a Sua Nova Igreja o Senhor deu o sentido espiritual ou interno da Palavra. Este sentido, tanto quanto pode ser revelado à mente racional do homem, nos foi dado nos Escritos da Igreja. Por conseguinte, todo novojerusalemita tem o dever de esforçar-se, tanto no pensamento como na vida, para elevar-se ao plano do entendimento da Palavra — que se tornou possível alcançar pelos membros da Nova Igreja. Mas o que significa isso? Seguramente nada mais, nada menos do que isto: que toda idéia da mente, todo desejo do coração e todo ato de vida esteja de acordo com o sentido espiritual ou interno da Palavra, que foi revelado especialmente para a Nova Igreja com seu padrão de crença e de vida, sendo tirado da letra da Palavra Divina e eternamente baseado nela.
Em relação a este pensamento é muito importante que se saiba, e cuidadosamente se reflita a respeito que “o sentido interno da Palavra é especialmente para os anjos, sendo por isso adaptado às suas percepções e aos seus pensamentos” (A. C. 2551). E também que “o sentido interno é principalmente para os anjos e para os homens que têm mente angélica” (A. C. 3017; vide também A. C. 5648).
As Doutrinas da Nova Igreja são “Doutrinas Celestes” porque são provenientes do Céu, e porque fazem um com o Céu. O fim pelo qual o Senhor revelou tanta coisa relativa à vida e às ações dos anjos, é para que o homem da Igreja possa compreender a sua associação com os anjos, possa pensar com eles, falar interiormente com eles e viver interiormente com eles, enquanto ainda está morando exterior e fisicamente com os outros homens neste mundo material.
Ora, estará sendo convenientemente compreendido pelos que recebem as Doutrinas da Nova Jerusalém que é seu glorioso privilégio pensar com os anjos, e assim falar interiormente com eles, e isso como resultado do fato de que a Palavra para a Nova Igreja é o seu sentido espiritual?
Os homens da Primeira Igreja Cristã tiveram necessidade de apelar para o testemunho dos homens, isto é, dos primeiros patriarcas cristãos. O homem da Nova Igreja, porém, tem a possibilidade de apelar para o testemunho dos anjos, aprender as suas crenças, tomar conhecimento dos seus hábitos e costumes e participar de suas idéias e prazeres. Este é o maravilhoso privilégio do novojerusalemita, e deve ser o seu constante empenho tirar partido dele.
Contudo, os anjos estão nas idéias espirituais, e não em idéias meramente naturais. Eles pensam, querem e agem espiritualmente, e o novojerusalemita pode — e deve — fazer o mesmo, embora tenha que fazer descer o espiritual ao natural, como a alma no corpo, ou o corpo na roupa. Vivendo em um mundo natural, o homem deve agir continuamente no natural. Entretanto, o novojerusalemita não deve agir pelo natural, mas no natural — pelo espiritual. Com efeito, pode-se dizer que o domínio próprio e normal dos membros da Nova Igreja do Senhor é o espiritual e não o natural.
Assim é, porque ao homem dessa Igreja foi dado o conhecimento de que o homem é um ser espiritual, um cidadão do mundo espiritual quanto ao seu homem real que é o seu espírito, mesmo durante a sua permanência neste mundo material. Mas infelizmente, os membros da Nova Igreja, em geral, ainda compreendem esta verdade de uma maneira mui grosseira e corporal. Para muitos deles isso é apenas um científico — uma verdade científica —, um simples conhecimento espiritualmente não compreendido. Em geral, não se compreende racionalmente que sendo, principal e realmente, um ser espiritual, o homem deve ver na luz espiritual; em outras palavras, deve pensar espiritualmente ou, ainda, deve estar na idéia espiritual — expressão muito freqüentemente usada nos Escritos.
Não é comum ver-se que as próprias Doutrinas essenciais da Igreja são recebidas apenas na idéia natural, são concebidas apenas naturalmente, entendidas apenas naturalmente e, às vezes, pior ainda, apenas sensualmente? Pensa-se no Senhor apenas como uma Pessoa. A Palavra é considerada apenas como um certo Livro ou como certos Livros; e a vida da caridade como sendo apenas formada de atos ou ações externas. Tudo isso é somente pensamento natural, não é realmente espiritual. E é porque o pensamento natural prevalece em tão larga escala na organização que a si mesma se denomina a Nova Igreja, que a sua extensão é tão limitada, e a sua influência para o bem, tão duvidosa.
O fim constante e o objetivo do novojerusalemita devem ser atingidos pela idéia espiritual, e isso sem que se torne um mero idealista, um teórico sem a prática, ou um sonhador intolerante. Ao contrário, alcançando a idéia espiritual para os seus princípios e para as suas convicções, deve concretizar essa idéia em atos naturais, em obras práticas e em ações desinteressadas.
O que é, então, a idéia espiritual? Antes devemos indagar, porém, o que vem a ser uma idéia, espiritualmente falando.
Uma idéia não é uma simples noção, um simples pensamento ou opinião. Muitos possuem noções em abundância e numerosas opiniões e, entretanto, são desprovidos de qualquer idéia verdadeira e sólida. São tão abundantes em opiniões que as oferecem liberalmente sobre qualquer assunto e as espalham prontamente por toda parte; mas a escassez de idéias se manifesta muito claramente quando o pensamento racional é levado a examinar as suas opiniões. Quantos novojerusalemitas são capazes de dar uma idéia espiritual firme a respeito da fé que acreditam possuir?
Os Escritos definem a idéia do seguinte modo: “A idéia que é formada a respeito de uma coisa é o entendimento dela; se não há um entendimento, há um mero conhecimento, e são simples palavras vazias o que se pensa dela” (Ath. Cr. 58). Uma idéia, portanto, é o que é entendido — não simplesmente conhecido ou lembrado, mas compreendido e conservado como uma convicção inteligente. Uma idéia natural é o que é racionalmente compreendido; e uma idéia espiritual é o que é espiritualmente compreendido.
As idéias filosoficamente descritas “são nada menos que mudanças e variações das substâncias interiores de que o homem interno se compõe” (S. D. 4609) Estas substâncias interiores são conhecimentos e verdades, e suas mudanças e variações produzem idéias.
Idéias, portanto, verdadeiramente falando, são conhecimentos e verdades arranjados e ordenados de modo a produzir um entendimento e uma convicção a respeito daquilo de que se forma a idéia e que a sustenta. Ter uma idéia sobre um assunto, corretamente falando, é muito mais do que ter uma opinião sobre esse assunto ou uma noção a seu respeito; porque é ter o entendimento ou a compreensão dele.
O que é então uma idéia espiritual? Evidentemente, pelo que já foi dito, a idéia espiritual é — e deve ser — o entendimento espiritual de uma coisa. Se indagarmos o que caracteriza especialmente a idéia espiritual, os Escritos nos dão a resposta nas seguintes palavras: “Esta idéia faz abstração da matéria, do espaço e do tempo; especialmente, faz abstração das pessoas” (C. 42; vide também D. P. 317 e A. C. 5258). Assim a idéia espiritual está acima e aparte do espaço, do tempo e das pessoas; e, por isso, está no mesmo plano do sentido espiritual da Palavra, que é o motivo pelo qual ela foi escrita. “Há três coisas que desaparecem do sentido literal da Palavra quando ele se torna sentido espiritual, a saber, o que é do espaço, e o que é da pessoa” (A. C. 5253).
Deste modo, a idéia espiritual nada tem do que é meramente natural, físico ou material; e principalmente não se interessa por pessoas ou pelas coisas externas que as cercam. Não é limitada pela matéria, nem pelo espaço. Nada sabe das relações terrestres ou dos preconceitos pessoais, e nada reconhece das considerações financeiras ou pecuniárias. Não é pervertida pela política, nem estragada por acomodações profanas. Trata de princípios, e é governada inteiramente pela Revelação — por uma Revelação no plano espiritual. Interessa-se pelo amor, pela vida, pela sabedoria, pela afeição, pela alegria — tudo no plano espiritual, o plano do estado (D. L. W. 7-9). É alimentada e sustentada inteiramente pela afeição espiritual — a afeição da verdade pela própria verdade; e é destruída pela afeição meramente natural — a afeição da verdade por motivos mundanos e egoísticos, pelo amor da reputação e do ganho.
A idéia espiritual só pode ser sustentada pela afeição espiritual, porque só ela está no mesmo plano, e porque “o amor é como o fogo, iluminando as coisas que o favorecem, enquanto as outras coisas ou são deixadas de lado como não vistas, ou atraídas ao partido favorável por uma explicação pervertida, sendo assim falsificadas” (A. E. 122). Todos os anjos estão na idéia espiritual; e os homens de mentalidade espiritual, interiormente, também estão na idéia espiritual (C. 42). Falando do homem, de um modo geral, pode-se dizer que “tanto quanto ele é afastado das coisas corporais e mundanas, tanto mais está na idéia espiritual, e é elevado para o Céu” (A. C. 2411).
Convém repetir — e repetir com entusiasmo —, que é privilégio e sagrado dever dos novojerusalemitas procurar a idéia espiritual, manter-se nela e aplicá-la em todas as questões da vida. Para isso, precisa elevar constantemente ao Senhor a prece de nosso texto: “Abre Tu os meus olhos, para que veja as maravilhas da Tua Lei”. A Lei significa a Palavra Divina com todas as suas particularidades. Os Mandamentos significam as coisas internas da Palavra; os Estatutos significam as coisas externas.
A Palavra Divina, sendo infinita, é ilimitada quanto às suas particularidades. Nem os anjos, nem os homens podem esgotar a sua sabedoria. Para poder ver cada vez com mais clareza a profundidade e a beleza de seus ensinamentos, os homens precisam orar sempre: “Abre Tu os meus olhos!” E isso assim acontece mesmo em relação às três coisas essenciais e mais gerais da Nova Igreja do Senhor, a saber: o conhecimento da Divindade do Senhor, a santidade da Palavra, e a vida da caridade (D. P. 259). Pois os novojerusalemitas têm uma visão muito superficial, mesmo destes três temas essenciais; têm sobre eles meras opiniões ou noções naturais, e não idéias espirituais que sirvam de base para as percepções celestiais.
Em relação ao Senhor, é uma mera idéia natural e mesmo material pensar sobre Ele apenas quanto à Sua Pessoa (H. H. 15), mesmo que essa idéia seja limitada a uma única Pessoa Divina. Uma idéia espiritual do Senhor compreende que Ele é o Divino Amor e a Divina Sabedoria, que Ele é a Vida Mesma, fluindo perpetuamente em toda criação, sustentando a sua existência, porque só Ele vive; que Ele é o Conjugal — o Divino do Bem e da Verdade — que participa de todas as coisas do universo com as realizações de Sua infinita unidade e dualidade, tornando assim o casamento o mais santo e o mais perfeito de todos os estados e de todas as condições da vida; que Ele é o único Sacerdote e o único Rei, por Si Mesmo; e mais, que Ele é Tudo em tudo, manifestado em Seu Divino Humano como um e único Homem.
Tal é a idéia espiritual concernente ao Senhor e essa idéia é capaz de estender-se infinitamente. E a idéia de Deus “é a principal de todas as idéias; porque tal é essa idéia tal é a comunicação do homem com o Céu e a sua conjunção com o Senhor; e assim também é a sua ilustração, a sua afeição pela verdade e pelo bem, a sua percepção, a sua inteligência e a sua sabedoria” (A. E. 957; vide também A. C. 10736).
Concernente à Palavra, é uma simples idéia natural considerá-la apenas como o Livro ou os Livros que contêm uma significação oculta, cuja chave nos foi dada — devendo ser usada pelos homens de acordo com o seu gênio e capacidade para explicar a Palavra. A idéia espiritual concernente à Palavra é que ela é toda a Divina Verdade, que ela é, em si mesma, nada menos que o Senhor Mesmo; que ela é toda manifestação de Sua Vontade, toda revelação de Sua Verdade: é a Palavra, a Sua Divina Palavra para aqueles a quem é dada. Assim é que toda Revelação, e cada Revelação, é a Palavra do Senhor (A. C. 2894), e que essa Palavra não pode ser limitada a um Livro, a uma época e a um lugar. Em resumo, toda Verdade revelada é a Palavra (A.C. 5075, 5272, 3704), havendo muitas Palavras (A.C. 1080, 1074, 593), todas tendo a sua base e a sua ultimação da Letra da Palavra Divina que se encontra nas palavras do Antigo e do Novo Testamento.
Desse modo, para usar as próprias palavras dos Escritos, “aqueles que estão nas idéias Divinas nunca encaram a Palavra do Senhor pela Letra... Para estes o sentido literal é somente um meio instrumento” (A.C. 1807), pois “a Palavra representa todas as verdades do Céu e da terra que são Divinas” (A.C. 3704). Tal é a idéia espiritual concernente à Palavra.
Em relação à vida da caridade, é uma idéia simplesmente natural encará-la como sendo apenas fazer o bem, sendo filantropo, externamente generoso e externamente devotado e bondoso. A idéia espiritual referente à vida de caridade é fazer os usos por causa dos usos — pelo amor dos usos e, em conseqüência, evitar todos os males como pecados contra Deus. É amar ao próximo. E a idéia espiritual do próximo não é a da pessoa, parente ou amigo, mas do uso; pois “na idéia espiritual, o bem é o próximo que deve ser amado, ou o homem de acordo com o seu bem” (C. 72). Tal é a idéia espiritual referente à vida da caridade.
E o que foi dito em relação ao Senhor, à Palavra e à vida da caridade, também pode ser dito de todas as coisas espirituais.
É da mais alta importância em todas as coisas da vida regenerada cultivar a idéia espiritual em contraposição à idéia natural. Em nenhum outro assunto isso é mais verdadeiro do que em relação à Igreja. A idéia natural é que a Igreja é uma corporação de homens, uma organização, uma seita, uma comunidade, nem sempre limitada em sua responsabilidade e em seu conceito. A idéia espiritual, porém, é que a Igreja é a vida do bem e da verdade — a ultimação ou concretização, nas vidas dos homens e das mulheres que se regeneram, das verdades que o Senhor revelou. Pois foi Divinamente escrito: “As Igrejas não são Igrejas porque assim se chamam e porque professam o nome do Senhor, mas porque estão no bem e na verdade da fé” (A. C. 3379).
Assim, vemos como é grande a necessidade de se cultivar a idéia espiritual! Pois a vida do homem é o resultado de sua idéia real e honesta; é o seu ideal genuíno realizado.
É tão fácil para o homem imaginar-se espiritual na vontade, na idéia e na vida, mesmo quando é, na realidade, meramente natural, ou mesmo sensual e corporal. É tão fácil ter idéias naturais e sensuais a respeito do Senhor, de Sua Palavra, e de todas as verdades da religião; é tão fácil imaginar e dizer que são da Nova Igreja idéias que pertencem, interiormente, ao nosso homem, à Velha Igreja.
Daí a necessidade de se procurar adquirir a mentalidade espiritual, de ter a mente provida de princípios espirituais pelo estudo acurado e pela reflexão cuidadosa, e o coração purificado pela crescente afeição da verdade, para que a vida seja governada pela vontade do Senhor, a fim de que Sua vontade seja feita tanto na terra como é feita no Céu. Mas este é justamente o trabalho do Senhor no homem. O homem não pode fazer isso por si mesmo.
Assim, devemos pedir que o Senhor fortaleça o nosso amor por Sua Verdade, aumente o nosso desejo e o nosso esforço por entrar intelectualmente nos mistérios de Sua Fé, e faça crescer a nossa vontade de fazer as coisas que vemos como sendo direitas e verdadeiras! Para que então possamos orar sinceramente: “Abre Tu os meus olhos, para que eu possa ver as coisas maravilhosas da Tua Lei”.
Amém.

•   1ª Lição:     Malaquias 3
•   2ª Lição:     Apocalipse 15
•   3ª Lição:     A. E. 948