NATAL


Sermão pelo Rev. João de Mendonça Lima


“Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para os homens.”

(Lucas 2, 14)

Desde que os homens começaram a se afastar do Criador, no início da decadência da Antiqüíssima Igreja, a humanidade foi pouco a pouco mergulhando em males cada vez mais profundos, até que, na plenitude dos tempos, atingiu o máximo de sua queda espiritual e moral. Se, nesse momento, o Senhor não viesse em seu auxílio para detê-la no caminho, os homens acabariam por se destruir completamente, pondo fim à existência da raça humana sobre a terra.
Se examinarmos a história desse tempo, veremos que o amor de si e o amor do mundo, em suas múltiplas formas, tinham empolgado inteiramente os homens e os povos que, por isso, viviam em lutas contínuas. O império romano, que dominava todo o mundo conhecido daquela época, era dirigido por imperadores corruptos e cruéis, servidos por uma elite depravada e sem coração, exercendo a mais terrível tirania sobre uma imensa multidão de escravos e de plebeus miseráveis, a quem negavam os mais elementares direitos do ser humano. O egoísmo mais feroz, o orgulho mais desmedido, a luxuria mais desenfreada, a idolatria mais completa, o materialismo mais grosseiro, dominavam inteiramente aquela sociedade em plena decomposição moral. A caridade, a piedade, a compaixão, a humildade, a honestidade, eram consideradas como sentimentos indignos de homens que se consideravam emancipados de todo preconceito.
A religião judaica, que devia constituir a Igreja do Senhor sobre a terra e ser a guardiã de Sua Santa Palavra, tinha invalidado inteiramente os Mandamentos da Lei de Deus, substituindo-os pelas tradições e preceitos arquitetados pela maldade humana. O orgulhoso saduceu, o fariseu hipócrita, o escriba sofista, aliados e sacerdotes ambiciosos e venais, tinham pervertido completamente tudo quanto o Senhor revelara por intermédio de Moisés e dos profetas. Foi no meio desse pandemônio de corrupção e de crueldade que o Senhor tomou sobre si um corpo humano e fez o Seu Advento sobre a terra para frear a queda vertiginosa dos homens nos abismos infernais da maldade e da falsidade. É este acontecimento culminante da historia da humanidade que hoje comemoramos.
A primeira Igreja Cristã vê nesse fato a vinda do Filho de Deus, enviado ao mundo por Seu Pai Divino, para redimir o homem e salvá-lo do inferno. E acredita que essa redenção se realizou pelo sacrifício do Filho que tomou sobre si todos os nossos pecados e sujeitou-se aos tormentos sobre-humanos da paixão e da morte ignominiosa da cruz, oferecendo-se em holocausto pela humanidade pecadora. Foi, segundo a crença dessa Igreja, pelo sacrifício infinito de uma vítima inocente — o Seu próprio Filho — que Deus condescendeu em perdoar os verdadeiros pecadores, permitindo-lhes alcançar o reino do céu em troca da crença na mediação de Cristo.
Esta doutrina da redenção está em absoluto desacordo com o Amor Infinito do Criador pro Suas criaturas, pois atribui a Deus sentimentos de vingança que só foram aplacados pelo sofrimento de Seu Filho; além de implicar uma dualidade de deuses: o Pai, Deus Criador e Juiz implacável, condenando os homens rebeldes aos tormentos eternos; e o Filho, Deus Redentor e misericordioso, oferecendo-se ao Pai, para sofrer pelos pecadores o castigo que mereciam.
Este erro, funesto à integridade espiritual da primeira Igreja Cristã, decorreu de falsa interpretação da letra dos Evangelhos e do completo desconhecimento da significação interna de suas palavras. Os homens dessa Igreja não podiam explicar o fato do Senhor apresentar-se constantemente como Filho de Deus e orar frequentemente ao Pai, senão admitindo duas pessoas Divinas: o Pai, que permanecia no céu, e o Filho que Ele enviara à terra; crença essa que se confirma com a citação de inúmeras passagens do Evangelho em que essas duas pessoas Divinas aparecem nitidamente distintas; como por exemplo:
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!, entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos Céus”. (Mateus 7,21)
“Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai que está nos Céus”. (Mateus 10,32)
“Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar”. (Mateus 11,27)
“E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque t’o não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos Céus”. (Mateus 16,17)
“E digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vida até aquele dia em que o beber de novo convosco no Reino de meu Pai”. (Mateus 26,29)
“E, indo segunda vez, orou, dizendo: Meu Pai, se este cálice não pode passar de mim sem que eu o beba, faça-se a Tua vontade”. (Mateus 26,42)
“Disse-lhes Jesus: Tu o disseste; digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do homem assentado à direita da majestade Divina, e vindo sobre as nuvens dos Céus”. (Mateus 26,64)
“E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: ...Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste?” (Mateus 27,26)
“Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”. (Marcos 1,1)
“E ouviu-se uma voz dos céus, que dizia: Tu és o meu Filho amado em que me comprazo”. (Marcos 1,11)
“Porém daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai”. (Marcos 13,32)
“E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens”. (Lucas 2,52)
“Jesus lhe disse: Porque me chamas bom? Ninguém é bom, senão um, que é Deus”. (Lucas 18,19)
“E eu vos ordeno o reino, como meu Pai m’o ordenou”. (Lucas 22,29)
“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória no unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”. (João 1,14)
“Porque Deus amou o mundo de tal modo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. (João 3,16)
“O Pai ama o Filho, e todas as coisas entregou nas suas mãos”. (João 3,35)
“Porque também o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo juízo”. (João 5,22)
“Porque como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo”. (João 5,26)
“E o Pai que me enviou, Ele mesmo testificou de mim”. (João 5,37)
“Eu sou o que testifica de mim mesmo, e de mim testifica também o Pai que me enviou”. (João 8,18)
“Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai”. (João 10,15)
“Agora a minha alma está turbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora, mas para isto vim a esta hora”. (João 12,27)
“Não se turbe o vosso coração: credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas”. (João 14,1-2)
“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador”. (João 15,1)
“Se guardardes os meus Mandamentos, permanecereis no meu amor; como eu tenho guardado os Mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor”. (João 15,10)
Além dos exemplos acima citados, há inúmeras outras passagens dos Evangelhos, e especialmente do de João, em que o Senhor se refere ao Pai como se fosse uma outra Pessoa, dando-nos a impressão de que Pai e Filho são duas pessoas Divinas distintas. Entretanto, no próprio Evangelho de João, onde são mais numerosas essas passagens, encontramos várias outras pelas quais se vê claramente que o Pai e o Filho são uma única e a mesma Pessoa.
É assim que no versículo 19 do 8º capítulo do Evangelho de Mateus, está escrito: “Disseram-lhe pois: Onde está teu Pai? Jesus respondeu: Nem me conheceis a mim, nem a meu Pai; se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai”, mostrando que o Pai e o Filho são a mesma Pessoa, o que é plenamente confirmado pelo versículo 30 do capítulo 10, onde o Senhor diz, abertamente: “Eu e o Pai somos um”. A mesma verdade se revela no versículo 45 do capítulo 12: “E quem me vê a mim, vê aquele que me enviou”. É, porém, nos versículos 6 a 11 do capítulo 14 que o Senhor afirma da maneira mais completa, a Sua perfeita identidade com o Pai:
“Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim. Se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai; e desde agora já O conheceis, e o tendes visto. Disse-lhe Felipe: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta. Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Felipe? Quem me vê a mim, vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras. Crede-me que estou no Pai, e que o Pai está em mim; crede-me ao menos por causa das mesmas obras”.
A aparente contradição entre o ensinamento destas passagens, onde se afirma que o Pai e o Filho são a mesma Pessoa, e o das passagens anteriormente citadas em que o Pai e o Filho aparecem como pessoas distintas, se desfaz inteiramente à luz dos ensinamentos do sentido espiritual da Palavra.
Com efeito, a Doutrina Celeste da Nova Igreja, onde este sentido nos é revelado, ensina que o Pai é o Divino Amor, e o Filho a Divina Sabedoria. E como é o Divino Amor que envia a sua Divina Sabedoria aos homens para lhes ensinar a verdade e, por meio da verdade, salvá-los da perdição, o Senhor, em quem está o Divino Amor e a Divina Sabedoria, dizia freqüentemente que o Pai tinha enviado o Filho, que o Filho fazia a vontade do Pai, que o Filho estava no Pai e o Pai no Filho, e que o Pai e o Filho eram um. À luz do sentido espiritual, compreende-se perfeitamente todas essas declarações do Senhor. O Divino Amor se manifesta aos homens por Sua Divina Sabedoria. A Divina Sabedoria realiza os propósitos ou a vontade do Divino Amor. A Divina Sabedoria, sendo uma emanação e a manifestação do Divino Amor, quem vê ou recebe a Divina Sabedoria, vê ou recebe o Divino Amor. A Divina Sabedoria está no Divino Amor e, vice-versa, o Divino Amor está na Divina Sabedoria. E, finalmente, a Divina Sabedoria e o Divino Amor são um, isto é, são a essência e a existência, a alma e o corpo do Deus Único, manifestando-se aos homens na Pessoa Única do Senhor Jesus Cristo.
Como se explica, então, que o Filho orasse ao Pai e, mais do que isso, se queixasse de que o Pai o desamparara, como se vê no versículo 46 do 27º capítulo de Mateus e no versículo 34 do 15º capítulo de Marcos, que diz: “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” Para compreendermos este versículo e aqueles em que o Senhor orava ao Pai, precisamos conhecer os ensinamentos da Doutrina Celeste da Nova Igreja a respeito do Senhor e da glorificação do Seu Humano. A “Doutrina da Nova Jerusalém sobre o Senhor”, em seu parágrafo 35, diz o seguinte:
“O Senhor se despojou sucessivamente do humano recebido de uma mãe, e revestiu o Humano do Divino n’Ele, o qual é o Divino Humano e o Filho de Deus. Que o Senhor tenha tido o Divino e o Humano, o Divino de Jeová, e o Humano da Virgem Maria, isso é notório; resulta daí que Ele era Deus e Homem, que assim Ele teve a Essência Divina e a Natureza Humana, a Essência Divina pelo Pai, a Natureza Humana pela Mãe; e que por conseguinte era igual ao Pai quanto ao Divino, e inferior ao Pai quanto ao Humano; portanto, também, que Ele não mudou em Essência Divina esta Natureza Humana proveniente da Mãe, e que não a misturou com esta essência, assim como ensina a Doutrina da Fé que se chama Atanasiana; pois a Natureza Humana não pode ser nem mudada em Essência Divina, nem misturada com ela. e entretanto, segundo a nossa doutrina, o Divino tomou o humano, isto é, se uniu ao Humano, como a alma se une ao corpo, ao ponto que são, não mais duas, mas uma só Pessoa; segue-se que o Senhor se despojou do Humano recebido da Mãe, o qual em si era semelhante ao Humano de um outro homem e por conseqüência material, e que Ele revestiu o Humano proveniente do Pai, o qual em si é semelhante a seu Divino, e por conseqüência substancial, e por isso este Humano também foi feito Divino. E por causa disso o Senhor na Palavra dos Profetas é também, quanto ao Humano, chamado Jeová e Deus, e na Palavra dos Evangelistas Senhor, Deus, Messias ou o Cristo, e o Filho de Deus em que é preciso crer e pelo qual se deve ser salvo. Ora, uma vez que o Senhor tinha desde o começo o Humano proveniente da Mãe, e uma vez que se despojou dele sucessivamente, eis porque, enquanto esteve no mundo, teve em Si dois Estados, que são chamados Estado de humilhação ou de exinanição, e Estado de glorificação ou de união com o Divino que é chamado Pai; Estado de humilhação quando e quanto estava no Humano proveniente da Mãe, e Estado de glorificação quando e quanto estava no Humano procedente do Pai. No Estado de humilhação Ele dirigia preces ao Pai como a um outro que não Ele; mas no Estado de glorificação Ele falava com o Pai como consigo mesmo; neste último Estado, Ele disse que o Pai estava n’Ele e Ele no Pai, e que o Pai e Ele eram um; mas no Estado de humilhação, Ele suportou tentações, sofreu a Paixão da cruz, e pediu ao Pai que não o abandonasse”.
Aqui nesta passagem da Doutrina Celeste temos uma explicação clara dos motivos porque o Senhor tantas vezes se referiu ao Pai como se fosse outra Pessoa fora d’Ele, e porque, em certas ocasiões se fazia igual ao Pai e um com Ele. O Senhor veio ao mundo para salvar a humanidade da completa perdição que estava iminente, como resultado de sua inteira dominação pelo influxo infernal, imperando avassaladoramente sobre o mundo dos espíritos, através do qual exercia o seu domínio sobre os homens. Para salvar a humanidade era, portanto, necessário subjugar os infernos, libertando o mundo dos espíritos e, conseqüentemente, os habitantes da terra, do domínio infernal.
Para subjugar os infernos era indispensável entrar em contato com eles e lutar contra o imenso poderio que tinham adquirido sobre os homens, devido aos males a que se tinham entregue e às falsidades geradas por esses males. Essas falsidades haviam destruído a Igreja, pervertendo todas as suas doutrinas e substituindo as verdades da Revelação Divina pelos erros e tradições inventados pelos homens. Portanto, para a completa salvação da humanidade, além da subjugação dos infernos, era necessário restituir a verdade aos homens e criar uma nova Igreja para substituir a que eles tinham adulterado e destruído. Esta obra não podia mais ser realizada por meio de profetas ou homens convenientemente preparados para receber e transmitir aos outros as mensagens de Deus, porque a corrupção humana tinha atingido tal grau de intensidade que não permitia mais o emprego dos meios humanos até então usados. Novos profetas não teriam a menor probabilidade de sucesso, porque a sua pregação seria inteiramente invalidada pelo influxo infernal que imperava no mundo dos espíritos e na mente dos homens sobre a terra.
Tinha chegado o momento em que só a ação Divina imediata poderia impedir a destruição total da humanidade, salvando-a da dominação dos espíritos infernais e dando-lhe os meios de reerguer-se dos abismos do mal em que mergulhara. Tinha chegado o momento em que deviam se cumprir as profecias do Advento do Messias, do Salvador que viria redimir a humanidade. Deus mesmo, o próprio Criador dos Céus e da terra devia baixar até ao plano material para entrar em contato direto com os demônios e com os homens. Só a Onipotência Divina, exercendo-se diretamente sobre os infernos, é que poderia dominá-los, libertando os homens da escravidão espiritual a que estavam reduzidos.
Mas se Deus, em toda Sua glória, se aproximasse dos infernos e dos homens, seria como se o sol se aproximasse da terra, o que acarretaria a sua completa destruição. Os infernos e os homens não poderiam suportar essa aproximação sem ficarem inteiramente aniquilados. E como o Criador jamais destrói os seres que criou para satisfação de Seu Amor infinito, não era possível Deus, em Sua glória, vir em socorro dos homens. Era indispensável que Ele viesse, como havia prometido quando se iniciou a queda da humanidade; mas para que essa vinda não acarretasse a destruição dos seres que queria salvar do domínio do mal, era imperioso que ela se realizasse em condições tais que os demônios e os homens pudessem suportá-la sem perigo de aniquilamento.
Daí a Sua encarnação num corpo humano tomado no seio de uma virgem. Neste corpo humano havia o hereditário mau da raça e da família em que nascera, e havia, no em íntimo, a Alma Infinita que era Deus Mesmo, o Criador do céu e da terra que, como Messias e Salvador, vinha cumprir a Sua antiga promessa e salvar a humanidade. Começou, então, neste dia do Natal, que foi comemorado pela multidão dos exércitos celestiais com o cântico “Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para os homens”, a obra Divina da Redenção. Esta obra teve um tríplice aspecto:
a)    a glorificação do Humano;
b)    a subjugação dos infernos; e
c)    a fundação de uma nova Igreja.
A glorificação do Humano se processou pela substituição gradual e sucessiva do humano material recebido em Maria pelo Humano Divino procedente do Pai, a Alma Infinita que estava no íntimo daquele humano material. Para realização desta substituição ou glorificação, o Senhor se sujeitou, naquele humano, a terríveis tentações produzidas pelos espíritos infernais que queriam, por todos os meios, destruir aquele Ser em que vislumbravam o seu Vencedor e Subjugador. A mais terrível e a última dessas tentações foi a Paixão da cruz, em que todos os infernos se congregaram contra o Senhor, conseguindo a efêmera vitória de matar aquele corpo humano, acreditando ter morto o próprio Salvador. Foi nessa mais terrível de todas as tentações que o Senhor, nos últimos instantes daquele humano herdado de Maria, exclamou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
Depois este corpo foi sepultado e aí, na sepultura, se ultimou o processo de substituição do humano material recebido por Maria, pelo Humano Divino proveniente de Sua Alma Infinita, Deus Mesmo Criador do Céu e da terra. Por isso, no momento da ressurreição é que saiu do sepulcro o Corpo Humano Divino glorificado que podia, assim, aparecer e desaparecer aos olhos dos homens (Lucas 24,31), entrar em salas estando as portas fechadas (João 20,19 e 26), e subir ao Céu (Lucas 24,51). A ascensão ao céu foi o último ato de glorificação do Humano.
A subjugação dos infernos foi feita pelo Senhor concomitantemente com a glorificação do Humano. As tentações sofridas pelo Humano enfermo assumido pelo Senhor em Maria eram produzidas pelos ataques das hordas infernais que iam sendo sucessivamente subjugadas e relegadas para o inferno onde ficavam em sujeição. Nas tentações finais — a agonia de Getsêmani e a paixão da cruz —, os infernos inteiros se reuniram para atacá-l’O, sofrendo então a derrota total e definitiva, do que resultou a sua completa subjugação e a plena libertação das miríades de espíritos simples que os espíritos infernais mantinham em cativeiro no mundo dos espíritos e na terra inferior, sobre os quais o Senhor realizou então o julgamento final, que atingiu também os seus dominadores.
A fundação da Igreja Cristã, em substituição à Igreja Judaica, foi preparada pelo Senhor, na terra, pela instrução de Seus discípulos e pela pregação pública da verdade nos sermões que constituem a essência do Novo Testamento. No mundo espiritual, após o julgamento final realizado no mundo dos espíritos, o Senhor criou um novo céu — o Céu Cristão — povoando-o com os espíritos que acabava de libertar com aquele julgamento. Para esse céu iam, daí por diante, todas as crianças que morriam na terra e todos os homens e mulheres que podiam ser salvos pelo Senhor. Foi por intermédio desse céu que o Senhor criou e desenvolveu na terra a Primeira Igreja Cristã.
Em síntese, foi esta a obra grandiosa realizada pelo Senhor em Seu Primeiro Advento que a cristandade comemora no dia do Natal:
a)    Glorificação do Humano Divino — o Filho — e sua plena união com o Divino Humano — o Pai;
b)    Julgamento Final sobre as multidões que se tinham acumulado durante séculos e séculos no mundo dos espíritos e na terra inferior, a conseqüente subjugação dos infernos, e a ordenação dos céus; e
c)    Criação de um novo céu e fundação de uma nova Igreja sobre a terra.
Esta obra é a “Glória de Deus nas alturas” de que resultará por fim e certamente, “a paz na terra e a boa vontade para os homens.
Amém.

•   1ª Lição:     Isaías 9, 1-7
•   2ª Lição:     Mateus 2, 1-12
•   3ª Lição:     João 1, 1-14