LIBERTAÇÃO


Sermão pelo Rev. Morley D. Rich


“E Jesus, clamando outra vez com grande voz, rendeu o espírito. E eis que o véu do templo se rasgou em dois, d’alto a baixo; e tremeu a terra, e fenderam-se as pedras. E abriram-se as sepulturas,
e muitos corpos de santos que dormiam foram ressuscitados”.

(Mateus XXVII, 50-53)

O Senhor é o único Libertador do gênero humano. Somente Ele pode libertar o homem da escravidão de seus males hereditários e dos males que o cercam. N’Ele, somente, há um puro e perfeito amor por todas as Suas criaturas. Só este amor é puro em sua universal atuação pela racionalidade e liberdade do homem. E só este amor é eternamente constante na criação e preservação daquelas condições — tanto no Céu quanto na terra — que melhor servem à liberdade e racionalidade humanas.
Comparativamente, o amor pela liberdade e pela racionalidade do próximo, que os homens desenvolvem pela regeneração, é uma imagem muito imperfeita, inconstante e finita daquele Amor Divino. A reflexão nos faz ver isso claramente. Pois somente o Senhor tem uma visão universal de todas as coisas, um infinito alcance de todo o complexo labirinto dos fatores que interferem no desenvolvimento de cada homem, e uma perfeita visão das relações de todas as coisas com cada um deles, além das relações de cada coisa com todas as demais e com cada um dos seres do universo. Assim, somente Ele possui Infinita Sabedoria e Infinito Amor; guardando e cuidando, “como a menina de Seus olhos”, da liberdade e racionalidade do homem.
Estas reflexões sobre as grandes verdades da Divina Revelação nos vêm de tempos em tempos. Mas nos lembramos delas especialmente quando lemos o que se refere às mais espetaculares e universais manifestações do Senhor como Libertador — manifestações que ocorrem no curso de cada grande julgamento. Estes acontecimentos espetaculares nos ilustram vivamente sobre as libertações particulares e constantes que o Senhor procura trazer a cada homem através dos mínimos detalhes e particularidades de sua vida no mundo.
O grande espetáculo particular de libertação que nos é permitido ver pelo (espelho do) nosso texto é o que o Senhor executou por ocasião de Sua crucifixão e de Sua ressurreição. Na Doutrina Celeste não se encontram muitas referências sobre esta libertação particular. Mas, em geral, ela assemelha-se muito à libertação dos espíritos da “terra inferior” que teve lugar durante o Julgamento Final de 1757.
Sobre isso a Doutrina refere o seguinte:
“Nessa terra inferior” — estado intermediário entre o inferno e o mundo dos espíritos — “tinham sido reunidos milhões incontáveis de bons espíritos que para aí tinham vindo do mundo natural nas idades passadas. Embora estivessem segregados nesse lugar e suficientemente protegidos dos infernos para impedir que estes os induzissem a pecados reais, contudo estavam cercados por comunidades de milhes de maus espíritos. Estavam, por assim dizer, em um campo de concentração, constantemente infestados pelos males e falsidades das sociedades circundantes; sofrendo por isso freqüentes perturbações em suas mentes. Embora internamente amassem a Deus e desejassem obedecer-lhe, eram, entretanto, completamente ignorantes de Sua verdade. Por isso estavam em constante dúvida e ansiedade devido às falsidades sutis que lhes insinuavam os maus que os cercavam. Verdadeiramente, estavam em uma espécie de cativeiro espiritual.”
Ora, depois da crucifixão do Senhor, como nos ensina a Doutrina, Ele desceu a essa terra inferior e libertou esses milhões de bons espíritos, ensinando-lhes a verdade, e levou-os consigo quando subiu ao Céu no terceiro dia.
Tais são os fatos históricos desta grande libertação. Mas qual é a sua significação? E qual é a relação entre este ato do Senhor com todas as outras coisas que realizou em Sua vida no mundo incluindo a crucifixão e a ressurreição?
Estas coisas não podem ser compreendidas se, primeiro, não se souber que a libertação dos que estavam na terra inferior está inseparavelmente ligada à glorificação do Senhor, à Redenção da raça humana e à libertação dos homens no mundo natural. Todas estas realizações formam um quadro Divinamente humano, e constituem partes essenciais do propósito do Senhor de estabelecer e aperfeiçoar para a eternidade um Céu formado pela raça humana.
Em certo sentido, todas as coisas da vida do Senhor, na terra, que precederam a crucifixão e a ressurreição, eram apenas preparatórias da realização final; pois foi pela vitória na cruz que Ele finalmente subjugou os infernos e uniu plenamente o Seu Humano com o Divino de que tinha procedido. Depois disso é que ocorreu a libertação dos espíritos e dos homens.
O que foi, então, que o Senhor realizou durante a Sua vida terrestre, anteriormente a esses acontecimentos, e como preparação para eles? Principalmente, foi a glorificação do Seu Humano; pois foi por meio desta glorificação que Ele pôde redimir a humanidade, subjugar e ordenar os infernos, e libertar os cativos.
O que queremos dizer quando falamos em glorificar alguém ou alguma coisa? Queremos dizer que honramos, damos glória ou enaltecemos esse alguém ou essa coisa. Quando glorificamos alguém, nós o tornamos grande; nós lhe atribuímos muitas coisas boas, muita mobilidade de caráter ou de forma. Tudo quanto ele faz ou diz assume para nós grande significação e importância; tem para nós um elevado cunho de sabedoria e de autoridade. Contudo isso só pode ser feito em relação ao Senhor somente, como está bem claro nas palavras que o anjo dirigiu a João, quando este quis ajoelhar-se a seus pés: “Olha, não faças tal; porque eu sou conservo teu e de teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus.” (Apoc. XXII, 9)
Por Sua vida no mundo, o Senhor glorificou-se aos olhos dos anjos, dos demônios e dos homens. Todas as coisas que Ele fez e disse tornaram-se um quadro final, divinamente organizado para levar a todos os homens a verdade de que todas as Suas palavras eram, com efeito, Divinas, tendo autoridade Divina, ainda que partindo do Filho do Homem, com forma humana. Assim todas as Suas ações tornaram-se receptáculos humanos da Divina Revelação — receptáculos finais que foram depois relembrados pelo Senhor às mentes dos escritores dos Evangelhos segundo uma ordem Divina. Desse modo eles foram estabelecidos para toda a eternidade como quadros representativos do Divino, aparecendo aos homens em Sua própria forma humana deliberadamente escolhida. É este, com efeito, todo o propósito da Palavra Escrita: levar ao homem, em quadros da vida humana Divinamente escolhidos, ensinamentos sobre Deus como Homem. A esse respeito, o Senhor quando estava no mundo, era a própria Palavra Viva. Era a Verdade encarnada como, na realidade, ainda o é. Suas ações e Seus ensinamentos eram e são a Palavra mesma manifestada aos homens sob a forma Humana.
Pode-se ver como são estas coisas pela vida do Senhor com Seus discípulos, pelas Suas lutas contra os infernos etc. Se o Novo Testamento for examinado tendo na mente este pensamento, ver-se-á que as Suas palavras e ações foram especificamente determinadas para produzir na mente de Seus discípulos uma forte impressão de Sua Divindade, de Sua unidade com o Pai e de que a Sua vida na carne era uma representação — propositadamente dirigida — da Divina Verdade nos últimos. De um modo ainda mais geral, ou mais propriamente, universal, a Sua vida foi deliberadamente vivida de modo a formar nas mentes de todos os homens, em todas as idades, essa mesma forte impressão. É, com efeito, esta a razão porque, progressivamente, parecia a Seus discípulos que “Ele falava como tendo autoridade e não como os escribas”. E assim foi que, por Sua vida no mundo, o Senhor glorificou-se aos olhos de Seus discípulos e de todos os homens. Cresceu em estatura, em beleza e autoridade até que, por fim, depois de Sua ressurreição, mesmo Tomé foi levado a proclamá-l’O como seu Senhor e seu Deus. E desta forma o Senhor glorificou o Seu Humano.
Ele associou — mais propriamente —, uniu as Suas ações e palavras humanas com o Divino, dando a todos os homens a oportunidade de serem instruídos, em termos humanos, mas com autoridade Divina, e associar estes símbolos naturais, constituídos por Suas ações e palavras terrenas, com a Divindade de que provêm, em séries metodicamente estabelecidas.
Este processo de glorificação — ou esta evolução — pela qual o Senhor foi assumindo, cada vez mais, a Divindade aos olhos dos Seus discípulos e a assume aos olhos dos leitores de Sua vida em todas as gerações subseqüentes, culminou na crucifixão e na ressurreição. Por estes dois acontecimentos o Senhor glorificou plenamente a Sua Humanidade diante de toda a raça humana; habilitando, assim, todos os homens a apropriar a verdade de que Ele é Deus Onipotente com o poder de ressuscitar da morte, vencer e ordenar os infernos. Esta culminação fixa, para sempre, a união do Seu Humano com a Divindade, aos olhos daqueles que desejam crer n’Ele e obedecer aos Seus ensinamentos.
Por esta glorificação do Humano, o Senhor assumiu o poder e a autoridade como o único Deus do Céu e da terra, isto é, assumiu tal poder e tal autoridade naqueles que desejam viver de acordo com os Seus preceitos.
Para os que estão na obscuridade mental, é estranho que seja somente em virtude dessa autoridade que a humanidade é libertada, pois para muitos os termos “autoridade” e “liberdade” parecem antagônicos. “Como é possível” — perguntam esses — “o homem obedecer à autoridade e entretanto ser livre de fazer o que lhe agrada?” Ora, a observação nos mostra que, nas sociedades humanas a liberdade de todos só pode ser assegurada pela autoridade de alguns, que constituem o governo, exercendo=se sobre toda a comunidade. Compreende-se perfeitamente que ninguém é livre em um estado de anarquia ou sem autoridade. É a autoridade que estabelece uma medida de liberdade, dentro de certos limites, para cada indivíduo; sem isso não há liberdade possível, porque todos sairiam dos limites razoáveis invadindo e destruindo a liberdade dos outros.
Quando o homem, por meio da Palavra — que é constituída de símbolos escolhidos pelo Senhor para se manifestar a ele — percebe e reconhece a autoridade do Senhor Jesus Cristo como Deus do Céu e da terra na forma Humana, então começa a sua libertação imediatamente.
Eles são dotados imediatamente com uma Base de trabalho, com uma Autoridade em que podem descansar, com uma Rocha em que podem libertar-se das ansiedades e dúvidas causadas pelas falsidades que os infestam e os fazem desgarrar. Eles se voltam, por assim dizer, para o Sol do Céu; cuja luz e cujo calor — a Sabedoria e o Amor do Divino Humano do Senhor — começam a se fazer sentir para eles. Em Sua luz, os homens vêm à luz. Em Sua luz, eles descobrem as nuvens escuras das próprias falsidades, o seu louco orgulho e os seus negros preconceitos; e então essas nuvens vão se dissipando pouco a pouco. E o calor do Amor do Divino Humano lhes faz sentir os frios aguilhões de seus apetites e amores hereditários que, por isso, vão desaparecendo, um por um, como os fios de uma teia de aranha que se desfaz, no entrechoque dos combates das tentações que vão sendo vencidas. E desta forma vão os homens sendo libertados da infecção das sociedades infernais.
O Senhor torna-se assim o Libertador reconhecido pelo homem, pelo fato deste ter visto e reconhecido que as ações e palavras humanas de Jesus Cristo foram investidas de Autoridade Divina. É esta a razão porque na cerimônia batismal da Nova Igreja se faz a pergunta: “Crês no Senhor Jesus Cristo como o Deus único do Céu e da terra?” Esta pergunta e a sua resposta afirmativa constituem, de fato, a essência do batismo; pois é somente pela afirmação deste reconhecimento que o homem pode ser libertado das esferas infestantes dos espíritos estranhos ao cristianismo, o que constitui um dos usos do batismo. É também por isso que a Doutrina afirma que somente os que crêem no Senhor Jesus Cristo é que podem ser recebidos no Céu; porque só esses é que podem ser libertados pelo Senhor dos laços da morte e do inferno.
Isso nos mostra agora a razão porque a glorificação do Humano no Senhor era um requisito essencial para que Ele pudesse fazer a libertação dos que estavam presos na terra inferior.
Isso era necessário não somente para que o Senhor habilitasse os homens a aceitar a Sua autoridade (pela Sua vida no mundo), mas também para que Ele convencesse os poderosos infernos de que tinha essa autoridade a fim de que eles nunca mais ousassem seduzir os homens, ou perturbassem os Céus, por meios obsessivos que impedissem a regeneração dos homens. Para realizar isso, o Senhor permitiu que os infernos se aproximassem do humano que havia tomado em Maria. Desta forma Ele pôde encontrá-los e derrotá-los em seu próprio campo, por assim dizer, convencendo-os de Seu poder e de Sua autoridade por meio de demonstrações drásticas. Não lhes permitindo que o demovessem da conduta Divinamente traçada para Sua vida no mundo, Ele lhes demonstrou a Sua onipotência, assumindo abertamente o governo sobre eles, e pondo-os na ordem.
Uma vez demonstrado esse poder — e a demonstração final e conclusiva teve lugar na cruz, quando todos os infernos atacaram o Senhor de uma vez, tendo sido completamente derrotados — Ele pôde confinar os infernos dentro dos seus próprios limites ou esfera de influencia, por assim dizer, ordenadamente concentrados. E desse modo foi desbravado o caminho para a libertação dos bons espíritos da terra inferior. Não sendo mais infestados pelas tumultuosas idéias falsas e pelos males de seus vizinhos, eles ficaram então em condições de poder ouvir e receber a verdade.
O Senhor, entretanto, não poderia ter libertado esses espíritos, mesmo depois da subjugação dos infernos, se não tivesse assumido o humano nos últimos e assim aparecer a eles como Alguém que tinha autoridade. Não tivesse Ele glorificado o Seu Humano, e eles teriam duvidado do Seu poder para salvá-los, e também da verdade que Ele lhes ensinava. Mas como, certamente, eles tinham presenciado alguma coisa dos conflitos do Senhor com seus vizinhos e de Sua vitória sobre eles, ficaram num estado afirmativo em relação a Ele como Deus em uma forma Humana. Daí terem-n’O recebido com confiança e aceito as verdades que Ele lhes ensinou e pelas quais foram libertados das falsidades e dos males, e preparados para serem levados para o céu.
A descrição que a Doutrina nos dá do modo por que eles foram tirados da terra inferior pelo Senhor é uma descrição muito viva. Foram levados para a esquerda através de um deserto, e daí conduzidos para cima. No caminho pelo meio desse deserto, eles passaram entre muitas comunidades dos piores demônios; mas nada lhes podia acontecer de mal porque iam cercados por “colunas de anjos” que os protegiam. Isso é representado pela jornada dos filhos de Israel através do deserto e do Mar Vermelho depois de sua libertação do cativeiro do Egito. Lembremo-nos de que eles eram guiados e protegidos por uma coluna de nuvens durante o dia, e por uma coluna de fogo durante a noite. Os filhos de Israel foram assim levados à terra prometida — a terra de Canaã. Semelhantemente, estes espíritos, antes escravizados, foram levados ao Céu quando o Senhor ressuscitou no terceiro dia.
Tudo isso está representado em nosso texto. Assim, pelos sepulcros que se abriram, é significada a remoção e rejeição (pelos “santos”) das falsidades do mal, e também a libertação dos que estão no amor ao Senhor, das coisas mortas da falsidade, representadas pelos sepulcros em que estavam os seus corpos.
Nosso texto representa não só a libertação dos que estavam na terra inferior, mas também descreve a libertação de toda a raça humana, e a de cada homem individualmente, o que se realiza pelo reconhecimento do Senhor pelo homem e por uma vida de acordo com Seus mandamentos. Foi por isso que o Senhor fez com que os homens pudessem compreender que se tornam verdadeiramente livres pelo reconhecimento d’Ele como Rei e pela aceitação de Sua Autoridade suprema. Os homens precisam submeter-se às restrições Divinas para que se tornem espiritualmente livres.
Em Sua humilhação final, o Senhor, na aparência externa, era um prisioneiro escravo e desamparado. Entretanto Ele era o Libertador dos anjos, dos espíritos, dos demônios e dos homens ao mesmo tempo. Seu corpo parecia estar ferido pela morte e confinado em um tumulo. Não obstante, Ele estava, naquela ocasião, redimindo a humanidade e salvando o mundo. Assim Ele tornou-se o Primeiro e o Último, o Maior e o Menor. Ele entrou em todas as particularidades da vida humana e a fez Divina em Si Mesmo, tornando-se dessa forma o Redentor do mundo. Sem Ele nenhum mortal podia ser salvo. Mas são salvos aqueles que crêem n’Ele e guardam os mandamentos de Sua Palavra.
E Este é o Seu grande mandamento: “Que nos amemos uns aos outros como Ele mesmo nos amou”.
Amém.

Lições:   • Êxodo XIII, 11-22
• Mateus XXVII, 50-66
• A. C. 8099