ILUMINAÇÃO


Sermão pelo Rev. F. W. Elphick


“Na tua luz veremos a luz”

(Salmo 36, 9).

Como a maioria dos salmos, o 36, em seu sentido interno, trata da celebração e do culto do Senhor. O versículo do qual nosso texto foi tirado, contém o preceito de que “se deve reconhecer que todo o bem e toda a verdade são do Senhor”.
“Na tua luz veremos a luz”, ou, traduzindo melhor, “em Tua luz vemos a luz” (A. C. 353). “Tua luz”! O que é isto? É o Senhor mesmo, a Divina Sabedoria do Divino Amor, formando Um. É o Sol Espiritual, a Luz Divina, a Origem Celestial de toda luz.
“Vemos a luz”! O que significa isso? Primeiro, que nos céus os anjos recebem a Luz Divina. Como recipientes agradecidos daquela Luz, acomodada e condicionada ao estado de recepção de cada um, eles recebem a sabedoria angélica, a ilustração e a iluminação angélicas. Recebem-na em inúmeros graus — luz mais ou menos brilhante —, mas nunca, porém, a treva.
“Vemos a luz”! Isso significa também que os homens, enquanto vivem no mundo, se reconhecem e adoram o Senhor, e vivem de acordo com os Seus ensinamentos na luz das Revelações que Ele lhes deu, serão igualmente recipientes daquela Luz, acomodada ao estado de recepção de cada um — receberão, igualmente, conhecimentos, inteligência, sabedoria, luz espiritual, ilustração e iluminação. E estas coisas serão recebidas, também, em inúmeros graus. Contudo, devido ao mal e à falsidade, e às afeições terrenas, os homens têm alternativas de luz e de trevas — dia e noite, estados de ilustração e estados de obscuridade.
Assim, a idéia principal de nosso texto refere-se à luz espiritual, à iluminação e à ilustração. Antes, porém, de estudar mais minuciosamente a natureza desta iluminação, à luz das Doutrinas da Nova Igreja, observemos a posição de nosso texto no Salmo de onde o tiramos, refletindo sobre o que vem antes e depois dele. Dizem os versículos 9, 10 e 11: “Porque em ti está o manancial da vida, na tua luz veremos a luz. Estende a tua benignidade sobre os que te conhecem, e a tua justiça sobre os retos de coração. Não venha sobre mim o pé dos soberbos, e não me mova a mão dos ímpios”.
Em primeiro lugar é mencionado o manancial da vida como um reconhecimento direto da Fonte Divina da Vida. Nesta Vida Divina estão o Divino Bem e a Divina Verdade; sendo que os dois são um. Em sua tradução, melhor se diz: “Contigo está o manancial de vidas (A. C. 353). Isto nos dá a idéia da natureza dupla da Vida Mesma. Essa idéia também nos é dada no livro da Gênesis onde se diz que o Senhor soprou no homem o “sopro de vidas”, isto é, a vida da vontade e a vida do entendimento. Pois é uma lei universal, atuando tanto no mundo espiritual como no natural que a luz provém do calor, a verdade provém do bem e a fé provém da caridade. É assim que o amor do Senhor aparece como luz, exatamente como o sol natural que é puro fogo que dá calor e aparece como luz. É por isso que as Escrituras, quando compreendidas de acordo com a Doutrina Revelada, conduzem à verdadeira Doutrina sobre a Vida e sua relação com a Luz. “Contigo está o manancial de vida; em tua luz vemos a luz”.
O versículo 10o do nosso texto, diz: “Estende a tua benignidade sobre os que te conhecem, e a tua justiça sobre os retos de coração”. Isto se refere à proteção do Senhor aos que O reconhecem, vivendo de acordo com Sua verdade, aos que possuem o bem e a verdade, reconhecendo a sua origem Divina.
As palavras finais da série são: “Não venha sobre mim o pé dos soberbos, e não me mova a mão dos ímpios”. Isto se refere às coisas que impedem a iluminação; a saber: o amor próprio, o orgulho, o mérito próprio, a própria exaltação do eu; coisas que estão nos últimos do homem, isto é, no sensual, representado pelo , aqui empregado no mau sentido. Entretanto, podemos enfrentar e combater essas coisas, se o quisermos fazer, porque podemos contar com a proteção do Senhor, implorando-a de acordo com a prece: “Não deixes que me mova a mão dos ímpios”.
De um modo geral é esta a significação interna dos versículos ligados ao nosso texto. Agora, porém, vamos tratar apenas do assunto concernente à luz espiritual — à iluminação e à ilustração. “Na tua luz veremos a luz”.
O que vem a ser iluminação, durante a vida do homem no mundo? O que é ilustração pelo Senhor? Como podemos adquiri-la? E, uma vez adquirida, como poderemos nos certificar de sua veracidade? Estas perguntas terão de ser respondidas de tempos em tempos, e de estado em estado, aos que estão se esforçando para se tornarem verdadeiros membros da Nova Igreja do Senhor sobre a terra — Igreja que, na verdade, em virtude da realização da Segunda Vinda, nos revela a luz em grande abundância, luz que nos é dada misericordiosamente pelo próprio Senhor.
A luz espiritual — a luz que ilumina o espírito do homem enquanto vive no mundo — é uma luz interior, correspondendo à luz exterior percebida pelos olhos do corpo. Pois “a não ser que haja uma luz interior, que é a vida, e à qual corresponde à luz exterior, que é do sol, nenhuma visão pode ser possível (A. C. 3628).
Esta luz interior, que é vida, nós já a identificamos. Intimamente, ela é o Divino Amor e a Divina Sabedoria do Senhor — o Divino Procedente. Este é a Vida Mesma, e dele procede a luz que está no interior da luz natural, e mesmo, do calor natural. Entretanto, não está no interior em uma relação de continuidade — como quem passa de um material refinado para outro mais grosseiro; mas em uma relação por correspondência, isto é, em uma situação discriminada, separada, apartada, embora correspondendo o interno com o externo, a luz mais elevada com a luz mais baixa; como a afeição está no interior do pensamento, e o pensamento no interior da palavra. De fato, a não ser que a luz interior esteja dentro da luz exterior, nenhuma alma humana pode viver, falar, ver e entender.
Devemos observar, de passagem, que conquanto o assunto principal deste sermão seja a luz, entretanto, o calor espiritual, e mesmo o calor natural — o amor em todas as suas formas — está real e doutrinariamente ligado à luz. Quando falamos de luz, deve estar sempre presente em nossa mente a sua ligação com o calor ou o amor. Tanto pela doutrina como pela razão que reconhece a existência de uma Fonte Divina, pode-se ver que deve haver uma luz interior dentro da luz natural. O sol natural não pode existir sem o sol espiritual — concepção esta que ainda está por ser admitida pelos cientistas. Trata-se realmente de uma concepção que não é fácil de ser apanhada e compreendida mesmo por aqueles que dispõem das doutrinas teológicas e filosóficas da Nova Igreja para auxiliá-los. Mas pelas considerações que estamos fazendo, pode-se ver que a base mesma da criação da luz natural-espiritual pelo sol espiritual, através do sol natural, nas almas e nos corpos dos homens enquanto vivem no mundo — a forma cósmica da luz — está contida na frase da Escritura: “Na tua luz vemos a luz”.
Esta é a doutrina da iluminação em sua mais lata e mais geral aplicação. A Doutrina da Nova Igreja nos ensina que há várias espécies e vários graus de iluminação; assim enumerados:

A menção dessas várias espécies de iluminação mostra a extensão e profundidade do assunto, e nos faz ver a necessidade constante da qualificação e comparação doutrinal. Em outras palavras, mostra a necessidade de encarar o assunto deste ou daquele modo, nesta ou naquela série, todas verdadeiras, embora de aspectos diferentes. Por agora trataremos apenas de duas espécies de iluminação: a iluminação pelo Senhor e a iluminação pelo homem.
O que é iluminação pelo Senhor? A Doutrina responde: “Pela iluminação interior do Senhor, o homem percebe imediatamente se o que foi dito é verdadeiro ou não. A iluminação exterior resulta desta no pensamento” (D. P. 168).
O que vem a ser iluminação pelo homem? A Doutrina responde: “A iluminação interior pelo homem é feita por mera confirmação, e a iluminação exterior pelo homem é feita por mero conhecimento” (D. P. 168).
Mas a Doutrina não se contenta com simples definições. Ela nos dá exemplos dessas espécies de iluminação. Da primeira espécie — iluminação pelo Senhor — ela nos diz que, por meio dela, os homens podem ver imediatamente a verdade de ensinamentos como estes:
“O amor é a vida da fé, a fé vive do amor; tudo que o homem ama ele o quer, e o que ele quer, ele o faz; e, portanto, amar é fazer. Tudo o que o homem crê pelo amor, ele o quer e o faz; conseqüentemente, ter fé é também fazer. Um homem ímpio não pode ter amor a Deus, portanto não pode ter fé em Deus”.
“É também pela iluminação interior que o homem racional imediatamente percebe a verdade destas coisas, quando as ouve: Deus é Um; Deus é onipresente; todo o bem é do Bem Mesmo, e toda verdade é da Verdade Mesma”.
“Estes e outros ensinamentos semelhantes o homem percebe interiormente em si mesmo quando os ouve. Se ele os percebe é porque tem racionalidade, e assim está na luz do céu que é iluminação”. (D. P. 168)
Se refletirmos, agora poderemos ver que esta vista interna — esta iluminação — é a luz que, mais tarde, quando progredirmos na aplicação da verdade à vida, nos habilitará a ver as particularidades de muitas verdades que constituem a fé em nosso pensamento. Sem a presença desta vista interior, seríamos espiritualmente cegos. E a Doutrina nos diz também o que é a iluminação exterior, explicando que o pensamento está nessa iluminação quando permanece na percepção que lhe dá a iluminação interior e também quando tem conhecimento da verdade e do bem, porque é da verdade e do bem que o pensamento tira as razões com que se confirma. O pensamento, por esta iluminação exterior, vê as coisas pelos dois lados; de uma lado, vê as razões que confirmam e de outro lado, vê as aparências que invalidam; as últimas ele as dissipa, as primeiras ele as guarda (D. P. 168).
Segue-se daí que a iluminação exterior pelo Senhor depende da iluminação interior — depende daquela simples atitude afirmativa expressa nas palavras: “Sim, sim; não, não”, aplicadas a axiomas como estes: “Deus é um; Deus é onipresente; todo bem e toda verdade vem d’Ele; todas as coisas se referem ao bem e à verdade, etc.” Estas sentenças são realmente simples axiomas, embora encerrem verdades profundas. Sabemos que isso assim é pela iluminação interior do Senhor. E quando esta percepção é levada aos nossos pensamentos mais externos — pensamentos que se desenvolvem com os conhecimentos do bem e da verdade, da fé e da caridade, dados pela Divina Revelação, então adquirimos a iluminação exterior do Senhor. Mas esta iluminação existe em nós unicamente por causa da iluminação interior. Além disso, é somente na medida em que o pensamento exterior permanece na percepção que provém da iluminação interior que a iluminação exterior do Senhor pode ser preservada. E tudo isso só é possível com a luz do Senhor para nos guiar. “Na tua luz veremos a luz”.
Vejamos agora o que é a iluminação do homem. Esta é também interior e exterior. Aqui, novamente, deixaremos a Doutrina falar por si mesma:
“A iluminação interior do homem é completamente diferente. Por ela o homem vê um assunto por um lado e não o vê pelo outro; e quando ela o confirma, o vê, aparentemente, em uma luz semelhante à luz interior do Senhor, mas é uma luz de inverno. Seja o seguinte exemplo: um juiz que, pelos presentes e pelo lucro, julga injustamente, não vê outra coisa senão o justo em seu julgamento, depois que o confirma pelas leis e pelo arrazoado; alguns vêem o injusto, mas como eles não querem ver, o obscurecem e cegam-se, e assim não vêem; acontece o mesmo com o juiz que pronuncia julgamentos em razão da amizade, para alcançar favores, e para se ligar por afinidades. Tais homens agem do mesmo modo em relação a tudo que eles recebem da boca de um homem de autoridade, ou da boca de um homem de reputação, ou que tiraram de sua própria inteligência; são cegos racionais porque a sua vista provém dos falsos que eles confirmam; ora, o falso fecha a vista, e o vero se abre... a iluminação exterior pelo homem está nos que pensam e falam segundo a ciência, somente, impressa na memória; estes são pouco capazes de confirmar qualquer coisa por si mesmos”.
Para nos libertarmos desta situação de iluminação pelo homem, temos que orar de acordo com as palavras do salmo: “Não venha sobre mim o pé dos soberbos, e não me mova a mão dos ímpios”.
É um pensamento feliz e confortador esse de que o entendimento da verdade — a iluminação — será dado aos que realmente amam a Nova Igreja e crêem nas suas doutrinas:
“Todos que são dessa Igreja têm o entendimento iluminado, podendo ver a verdade na luz da verdade, isto é, podendo distinguir se uma coisa é verdadeira ou não. E pelo fato de verem a verdade desse modo, eles a reconhecem e a recebem com afeição, afeição que provém da vontade. Por isso as verdades neles tornam-se espirituais assim como a sua própria mente, que está acima da mente natural. E quando essa mente espiritual é aberta, eles recebem a vida angélica, que é a visão da verdade mesma na sua luz própria” (A. E. 759/4).
Mas só há um meio de alcançar essa iluminação — meio que é a resposta à pergunta: Como podemos ser iluminados? A esse respeito a Doutrina ensina:
“É sabido que a fé do amor é o meio essencial da salvação; e é assim o princípio da Doutrina da Igreja; mas visto que é importante saber como o homem pode alcançar essa iluminação para aprender as verdades que devem constituir a sua fé, e a afeição para fazer os bens que devem constituir o seu amor, e assim poder saber se sua fé é uma crença na verdade e seu amor um amor do bem, isso será dito em sua própria ordem como segue: Leiam a Palavra todos os dias, um ou dois capítulos, e aprendam com um mestre ou pregador os dogmas de sua religião; e especialmente aprendam que Deus é um, e que o Senhor é o Deus do céu e da terra (João 3,35; 17,2. Mateus 11,27; 28,18); que a Palavra é santa, que há um céu e um inferno, e que há uma vida depois da morte. Aprendam pela Palavra, com um mestre e um pregador quais as obras que são pecados, e aquelas que são, especialmente, adultérios, roubos, mortes, falsos testemunhos, e outras mencionadas no Decálogo; semelhantemente que os pensamentos lascivos e obscenos são também adultérios, que as fraudes e ganhos ilícitos são também roubos, que o ódio e a vingança são também homicídios, e que as mentiras e as blasfêmias são também falsos testemunhos, etc. Aprendam todas estas coisas da infância à juventude... Depois quando crescerem e se tornarem mais velhos, devem evitá-las como condenadas, e devem afastar-se delas no pensamento e na intenção. Mas para assim refreá-las, e evitá-las e afastar-se delas, devem rogar o auxílio do Senhor... Então, quando detestarem os adultérios, entrarão na castidade; tanto quanto detestarem as fraudes e os ganhos ilícitos, entrarão na sinceridade e na justiça; tanto quanto detestarem o ódio e a vingança, entrarão na caridade e na verdade; e tanto quanto detestarem a soberba da mente entrarão na humildade diante de Deus e no amor ao próximo, etc... Daí segue-se que evitar os males é fazer os bens” (A. E. 803/2).
É este esforço regenerativo no íntimo de cada indivíduo, e no íntimo da Igreja como um todo, que traz a iluminação. O “pé do soberbo” tem que ser vencido antes que a luz do Senhor e o amor a Ele possam entrar.
Pelos ensinamentos dados na Palavra e nas Doutrinas da Nova Igreja nós podemos ver o que é ilustração. Podemos discernir a linha de pensamento, o fio da razão que indicará onde está a resposta à perguntas enumeradas no começo deste sermão.
A iluminação espiritual é a ilustração pelo Senhor. Porque como vimos,
“A ilustração é do Senhor somente, e está com aqueles que amam as verdades porque são verdades, e fazem uso delas na vida. Essa iluminação existe naqueles que amam as verdades porque são verdades e fazem uso delas na vida, porque estes estão no Senhor e o Senhor está neles. Pois o Senhor está em Sua própria Divina Verdade, e quando esta é amada porque é a Divina Verdade (e ela é amada quando se faz uso dela), o Senhor está então com o homem nela” (S. S. 57).
O homem adquire a iluminação por meio da regeneração, evitando o que é mal e falso como pecado contra Deus, mesmo nas coisas últimas da vida. Também adquire ilustração aprendendo a verdade pela Palavra e pelas Doutrinas da Igreja, quando está em um estado de afeição pela verdade por causa dos usos da vida.
E se esta iluminação for adquirida, poderemos ter certeza de sua veracidade? Se a “soberba da mente” for vencida — o que importa em ter algum conhecimento do vasto repositório de Doutrinas dado à Nova Igreja na Revelação Divina da Segunda Vinda — e se nos lembrarmos de que ninguém conhece o estado real da regeneração que está modificando o seu próprio espírito, então poderemos dizer que nunca há, absolutamente, certeza da veracidade da iluminação recebida. Tudo o que podemos afirmar é que temos a esperança de possuir alguma coisa da verdadeira ilustração. Pois, em si mesma esta ilustração não é sensivelmente percebida nesta vida. Os estados alternativos de tranqüilidade e de remorso de consciência (H. D. 133) são as condições externas mais próximas, por assim dizer, daquela luz interna e do progresso para as coisas interiores, que são do espírito no mundo espiritual (A. C. 4598).
Os homens e as mulheres da Igreja, enquanto vivem na terra, o mais que podem fazer é esperar confiantes e orar para que recebam a iluminação e a ilustração do Senhor na medida em que evitam os males como pecados contra o Senhor e fazem o bem, na medida em que aprendem com afeição as verdades da Divina Revelação que está fora deles e aplicam essas verdades aos usos da vida e, na medida, finalmente, em que são preparados pela verdadeira luz do céu. “Porque em Ti está o manancial da vida; na Tua luz veremos a luz. Estende a Tua benignidade sobre os que Te conhecem, e a Tua justiça sobre os retos de coração! Não venha sobre mim o pé dos soberbos, e não me mova a mão dos ímpios”.
Amém.

Lições:   • Salmo 36
• João 8, 12-27
• A. E. 186/11