FAZENDO NOVAS TODAS AS COISAS


Sermão pelo Rev. Hugo Lj. Odhner


“E o que estava assentado sobre o trono disse:
Eis que faço novas todas as coisas”.

(Apoc. 21,5)

O Apóstolo João, com os olhos espirituais abertos, teve uma visão simbólica do julgamento que estava para vir. No final desse julgamento ele viu uma coisa estranha: uma cidade descendo de Deus pelo céu. Era “a santa cidade, a Nova Jerusalém” em que as tristezas e as dores não existiam.
João viveu no começo da era cristã. Contudo, lhe foi dado ver que o cumprimento do Evangelho de Cristo não podia ter lugar senão depois que a primeira tentativa para estabelecer o cristianismo tivesse enfrentado a oposição e sofrido a derrota produzidos pelas forças do mal que ele via se levantar no interior e no exterior do corpo da Igreja. João não sabia quando essa derrota do reino de Deus teria lugar. Só podia referir o que via na visão — o que via representado no mundo espiritual, onde o tempo não tem importante.
Historicamente, a Igreja que tomou o nome de Cristo marchou, desde o tempo dos apóstolos, de triunfo em triunfo. Espalhou-se sobre todo o mundo greco-romano. Conquistou o Império, e firmou-se em toda a Europa, ditando leis aos reis e mantendo os povos sob o fascínio de sua autoridade.
Mas em época alguma se diz que o cristianismo cumpriu a visão profética de seu destino tal como João o pintou. As palavras que João ouviu pronunciadas do trono de Deus — “Eis que faço novas todas as coisas” — não se cumpriram. O cristianismo trouxe realmente aos homens uma nova verdade fundamental, um novo e simples conceito do Deus Único em Forma Humana visível; mas foi uma verdade que se emaranhou completamente no antigo simbolismo e que se tornou logo confusa na mente dos cristãos, os quais começaram a adorar uma mística Trindade de Pessoas Divinas.
O cristianismo trouxe também uma nova atitude em relação à vida no mundo, oferecendo-se para resolver os seus problemas pela caridade e pelo amor, em vez da força e da astúcia. Contudo, este novo sentimento nunca se tornou uma lei racional de vida. Sob a pressão de antigos erros e o choque das tentações e do martírio, degenerou na compaixão por si próprio e na piedade ascética que alimentou e alimenta um secreto orgulho espiritual sob uma aparência de humildade; e a caridade que a Igreja oficialmente apresentava foi corrompida pelo Papado (que a transformou no amor da dominação espiritual de que resultou a tirania e a intolerância).
Com o decorrer do tempo, a corrupção da Igreja Cristã deu lugar a que surgissem reformadores que combatiam os males e abusos mais evidentes. E novas doutrinas apareceram, novos meios de salvação foram pregados. Contudo, estas reformas contínuas, de que resultaram muitos cismas e muitas seitas rivais, deixaram intactas as falsidades centrais, e livres os males mais ocultos que continuaram a corroer o âmago do cristianismo. Em poder externo, ou ao menos em força numérica, as igrejas cristãs continuaram a progredir; e em nosso próprio século os seus pregadores apontam com satisfação as reformas sociais e o recente desenvolvimento das liberdades políticas, como sendo frutos de séculos de civilização cristã.
Quanto a isso, o progresso da civilização moderna não é devido à Igreja Cristã. Foi a despeito da resistência da Igreja que a Renascença trouxe consigo — como um eco da Grécia pagã — o humanismo que deu força à dignidade e aos direitos do indivíduo. Foi a despeito da resistência da Igreja que a ciência e as invenções vieram tornar possível esse progresso material que as mentes superficiais tantas vezes imaginam como sendo uma garantia da felicidade humana. E estas forças intelectuais revolucionárias surgem, não para ampliar os esforços da atuação cristã, mas para ocupar o lugar da cristandade que perdeu sua alma, perdeu a fé que antigamente tinha em suas próprias doutrinas. Vieram como um vendaval de julgamento sobre as velhas igrejas cristãs — como um acompanhamento do julgamento espiritual que João tinha predito em suas visões simbólicas.
Não é de admirar que os apologistas recorram à desculpa de que “o cristianismo não falhou porque nunca foi efetivamente praticado”. Certamente se a Nova Jerusalém significa uma civilização inteiramente nova em que o Senhor reina supremamente, uma nova aplicação social dos ensinamentos do seu Divino Fundador, uma nova visão da vida espiritual e da vida natural, então esta Cidade Santa nunca foi antes implantada no solo desta terra. Tudo o que os primeiros cristãos conheceram ou esperavam, o mundo desiludido de hoje esqueceu ou rejeitou.
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Pouco tempo antes de Sua paixão o Senhor, referindo-se ao templo de Jerusalém, disse: “Em verdade, vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada” (Mateus 24,2). Esta profecia realizou-se literalmente, quarenta anos mais tarde. O Senhor, porém, tinha em mente o templo da teologia cristã, que Ele havia procurado ensinar a Seus discípulos. Ele previa que as verdades de Sua doutrina seriam inutilizadas pelos homens e separadas de seus verdadeiros propósitos, até que nada mais testasse da doutrina genuína.
E se olharmos em torno de nós, hoje em dia? Onde encontraremos um conhecimento ou entendimento verdadeiro de qualquer princípio essencial da doutrina cristã? Que seita pode oferecer uma idéia clara de Deus, e de como Ele é a fonte de toda vida? Quem, dentre os milhões de cristãos nominais, tem conhecimento do Senhor Jesus Cristo e a compreensão de Sua identidade com o Pai? Quem conhece com alguma convicção o que é a Trindade, sem cair na idéia de três deuses? Quem pode dar uma explicação racional das razões porque o Senhor encarnou? Ou do que vem a ser obra da redenção?
E quem, no mundo cristão, tem algum conhecimento seguro do mundo espiritual e do que espera o homem depois da morte? Quem sabe alguma coisa das relações normais entre os espíritos e os homens, ou mesmo, entre a alma e o corpo?
Quem, dentre os leitores da Bíblia, pode explicar a diferença entre ela e os outros livros, ou dizer em que consiste realmente a sua santidade? Quem conhece a significação e o valor do batismo, ou do pão e do vinho da Santa Ceia, sacramentos que são agora considerados apenas como simples cerimônias — ou mesmo como superstições?
Quem, hoje em dia, sabe mesmo como se deve ler a Palavra de Deus, a não ser como uma mera obra literária, ou mesmo como uma simples história literal? Quem sabe tirar dela a Doutrina? Quem tem algum conhecimento claro da interdependência da caridade e da fé da salvação do homem? Ou do que é significado pelo arrependimento e a regeneração? Quem possui a verdadeira doutrina do amor conjugal e do propósito do casamento, ou dos objetivos da educação? Que igreja ensina a verdade a respeito da fé — a fé que não é cega, mas vidente? Ou a respeito do livre-arbítrio, que Deus guarda tão cuidadosamente?
Não há pedra sobre pedra no templo da fé cristã; não há pedra que não tenha sido deslocada ou quebrada pela inteligência própria do homem, ou posta às avessas em lugar errado, perturbando o conjunto com uma mistura ridícula de falsidades com princípios verdadeiros, mas que se tornam errados fora das conexões convenientes. A Doutrina — o veículo das verdades espirituais — pereceu como uma Jerusalém destruída!
A verdade é desconhecida. Há muitas formas de ignorância. Há a ignorância do gentio e a do bebê, que nunca ouviram a verdade. Há a ignorância da criança que tem conhecimento, mas não entende, e que, portanto, conhece a verdade somente na forma simbólica, ou quanto ao seu aspecto externo ou à sua aparência, e não quanto ao seu uso. E, finalmente, há a perniciosa ignorância que se produz quando o amor das coisas celestes torna-se frio, e o conhecimento é pervertido e enche-se de falsidades que permitem a confirmação do mal na vida, mesmo o defendem. Quando essa ignorância espalha as suas trevas hibernais sobre a Igreja, então a verdade é banida, e não pode voltar enquanto as falsidades e seus males não são julgados e removidos.
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Esta é a razão porque João viu as terríveis cenas do julgamento — de um julgamento final — antes que viesse a cidade de cristal da Nova Jerusalém descendo do céu, e ouvisse a voz de Deus, dizendo: “Eis que faço novas todas as coisas”.
Pois a Nova Jerusalém é, nada mais nada menos, que uma cidade da verdade, uma estrutura da doutrina, a Doutrina Celeste que é conhecida no céu e só pode descer pela Divina Revelação — cujo propósito é restaurar o verdadeiro entendimento da Palavra, e da vida humana e, desse modo, dar aos homens os meios de salvação. Devia haver uma nova Jerusalém, não reconstruída pelos homens dos escombros de antigos preconcebimentos, como uma obra de remendos de erros antigos e de novas descobertas, mas construída pelo Senhor Mesmo por Suas próprias especificações, construída por uma nova revelação de sua Palavra. Esta revelação foi dada ao mundo através da mente inspirada e da pena de Emanuel Swedenborg, para julgar as antigas falsidades e lançar as fundações de uma Nova Igreja, em que o Senhor cumprirá Sua promessa de fazer novas todas as coisas.
Mesmo aqueles que receberam e estudaram desde a infância esta nova Revelação, nem sempre compreendem quão completamente novas são as suas Doutrinas. Entretanto, estes ensinamentos atingem todas as fases do pensamento e da vida; e o que eles atingem é revivificado, e é cheio de profunda e inesperada significação, recebendo nova interpretação, novos usos. E um cristão que começa a estudar estas doutrinas, quer seja simples ou letrado, em breve se encontra vivendo em um novo universo — um universo que adquiriu uma significação clara e uma ordem perfeita, uma alma e um propósito que ele nunca tinha suspeitado. Pois ele aprende pela primeira vez a conhecer seu Deus, a conhecer seu Criador como o Divino Humano revelado na terra como Jesus Cristo em quem reside toda a plenitude da Divindade. Foi pelo Amor Divino-Humano que o mundo foi criado, e o homem foi feito à imagem deste Deus Triuno.
Além disso, ele aprende a nova verdade de que a Palavra é Divina porque contém a onisciente e inexaurível sabedoria de Deus expressa na estratificação interna das leis espirituais adaptadas aos anjos e, por fim, no sentido literal, envolve uma perfeita alegoria de símbolos tirados da história humana e de antigos rituais, para que possa ser conservada entre os homens.
Aprende também que o fim ou propósito Divino, em cada mínimo detalhe da criação, é formar um céu com a raça humana, e que este céu é um reino espiritual de usos mutuamente executados por sociedades de espíritos que anteriormente viveram em alguma terra do mundo material, e que o céu angélico não contém outras pessoas além dessas.
Ele acha que este novo universo espiritual (habitado por espíritos que viveram antes em nosso mundo material) é uma moradia mais completa e mais real do que a terra, é uma esfera em que a própria escolha e o amor confirmado de cada homem, encontram sua eterna satisfação, porque há inúmeros céus, e também inúmeros infernos, de variados graus e espécies.
Pode aprender ainda, em detalhes quase infinitos, como os estados da vida humana — representados por esses espíritos — estão todos de tal modo ordenados pelo Senhor naquele mundo eterno, que produzem a perfeita cooperação que é figurada no corpo humano, governado pelas leis do progresso espiritual.
Descobre mais: que os seus próprios pensamentos e as suas próprias afeições — conscientes e inconscientes — e todos os fenômenos, disposições e sentimentos de nossa vida mental são devidos ao perpétuo influxo de vida do Senhor, modificado e temperado pelos seres espirituais que nos cercam, de acordo com as nossas necessidades e os estados que escolhemos. E que o mundo espiritual é realmente o mundo das causas, de onde provém todo o impulso para o crescimento orgânico e para as mudanças que se efetuam na terra, de modo que toda a natureza — a despeito de sua matéria ser morta — é efetivamente moldada como um teatro representativo dos usos espirituais, sendo, assim, um mundo em que todas as coisas correspondem às coisas do mundo espiritual, exatamente como os órgãos e movimentos do corpo humano correspondem às funções da mente e exprimem seus estados.
Aquele que recebe esta Doutrina Celeste começa logo a compreender que toda vida é em si mesma Divina, e que o que chamamos vida humana, é unicamente uma recepção da vida que procede de Deus — uma consciente e uma inconsciente parte do homem, como vaso receptivo dessa vida. Compreende que todas estas coisas criadas — desde o íntimo do mundo espiritual, estendendo-se através dos céus em escala descendente, e desde o íntimo da natureza morta do mundo espacial, descendo até ao ínfimo de suas formas inertes — estão arranjadas em graus descendentes adaptados e afinados para receber essa vida em uma ilimitada variedade de pureza e de perfeição.
Além disso, percebe também que, de acordo com esses graus discretos, todas as coisas têm seu uso assinalado, pelo qual a criação, por assim dizer, ascende de volta à sua Fonte, e através da humanidade eleva os seus agradecimentos ao Criador; o que coloca sobre os homens a responsabilidade de pesar e distinguir os valores relativos de todas as coisas, e levar em conta a subordinação das coisas naturais aos usos espirituais mais elevados.
Aprende pelos Escritos a entender a natureza do homem — de sua mente, com as duas faculdades da liberdade e da racionalidade, e seus graus de memória, imaginação e pensamento racional — e que, dentro destas faculdades ordinárias, que são comuns a todos os homens, pode ser erigida a estrutura da consciência pela qual o Senhor pode remodelar o espírito arrependido, e habilitar o homem a agir pela fé e a caridade em vez de o fazer por seu inato amor de si.
Ademais, a Doutrina também abre o passado para deixar os homens verem a história da humanidade como é vista do céu — a história da raça nascida na sabedoria da inocência, mas pervertida pelas fantasias que seus males produziram. E a história de uma misericordiosa Providência que procura sempre preservar no homem o precioso dom Divino da liberdade humana contra a astúcia do inferno e o desregramento das paixões do homem; a Providência de Deus que, por suas leis, provê todas as necessidades do espírito do homem e trabalha por sua redenção ou aperfeiçoamento, por pior que seja a situação em que o homem se colocou e à sua descendência.
Como tema central da história da redenção, pode-se ver o esforço do Senhor Deus para revelar-Se a Suas criaturas — quando tudo mais tinha falhado —, assumindo um humano nascido da terra — um corpo por meio do qual Ele pôde enfrentar e derrotar os infernos rebelados, e indicar a Seu povo o caminho da regeneração. Contudo, em Seu Primeiro Advento, Ele só pôde ser reconhecido como Divino quanto à Pessoa, unicamente, mas não quanto à Sua Essência. Por isso Ele precisou vir outra vez, não em Pessoa, mas em Sua Divina Verdade, que instrui a respeito de Sua Essência Divino-Humana, e revela Sua Mente Divina, e dá a verdade que faz livres os homens.
É esta verdade concernente à Essência Divino-Humana de Deus que constitui o centro unificante e a fonte da Doutrina dos céus, que é agora também a Doutrina da Nova Igreja. Por isso é que se diz da Nova Jerusalém que essa cidade não tem necessidade de sol nem de lua porque a “Glória de Deus a ilumina, e o Cordeiro é a sua luz”.
Esta Doutrina é nova e “faz nova todas as coisas”. Faz da vida uma coisa nova, nunca antes concebida. Não pode ser tomada ou recebida em parte. É um todo inteiriço, uma cidade quadrangular e perfeita. Nela não pode haver “nem morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, nem medo, nem crime, nem sortilégios, nem embustes”. Seguramente, nenhuma organização eclesiástica pode jamais pretender tornar-se uma Nova Jerusalém, nesse sentido! Mas a Nova Igreja, quanto à Doutrina e à vida, é uma esfera espiritual de pensamentos e afeições, na qual nenhum mal ou decepção tem possibilidade de habitar.
Nenhum homem pode entrar para dentro das possantes muralhas da cidade da salvação só pelo conhecimento. O conhecimento só, e o discernimento intelectual só, são vulneráveis. O conhecimento envelhece; precisa do amor para torná-lo eternamente novo.
Por isso se diz da Nova Jerusalém que “o comprimento, a largura e a altura dela são iguais”. Pois mesmo as coisas espirituais devem ter as suas três dimensões. A Doutrina, para que a sua substância se torne real e seu valor seja provado, não deve produzir somente uma inteligência larga, mas também conceber um motivo elevado, um alto amor que alcance até ao Senhor. E ela deve projetar-se em uma utilidade progressiva, à medida que o homem se esforça por aplicá-la ao longo de suas possibilidades e de sua força para que encha a sua vida.
É para esta santa cidade, cujas portas nunca se fecharão, que o Senhor agora convida as nações da terra. Mas o homem só pode dizer que está dentro da Nova Jerusalém e salvo dos perigos espirituais, na medida em que o seu espírito, sem reservas, ama a verdade que pode ver e a aplica aos usos de sua vida. Somente então “as primeiras coisas do amor-próprio são passadas” — as primeiras afeições do amor-próprio e da direção própria. Somente então “serão renovadas todas as coisas”.
Amém.

•   1ª Lição:     Apocalipse 20, 11
•   2ª Lição:     Apocalipse 21, 9-17
•   3ª Lição:     Amor Conjugal 534


Cisma:palavra que vem do grego “Schísma” e significa: “separação do corpo e da comunhão de uma religião”.