EXAME DE CONSCIÊNCIA


Sermão pelo Rev. Cairn Henderson


“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau,
e guia-me pelo caminho eterno”.

(Salmo 139, 23-24)

Todo homem da Igreja pode alcançar a salvação eterna enquanto vive na terra. Para isso, entretanto, deve satisfazer três condições que estão claramente expostas na Doutrina Celeste. Precisa examinar-se, confessar seus pecados e fazer obra de arrependimento. Isto é, deve descobrir os seus próprios males, reconhecer que esse males estão em si e que são pecados seus; deve confessar-se culpado e condenar-se por isso. Depois então deve suplicar humildemente ao Senhor — somente ao Senhor — a remissão de seus pecados, desistir de seus males e levar uma nova vida de acordo com os preceitos da caridade e da fé.
O exame próprio ou exame de consciência é, portanto, o começo do arrependimento que, por sua vez, é o princípio da Igreja no homem. Isto precisa ser feito pelo homem como por si mesmo. É, entretanto uma verdade eterna que a inclinação ou habilidade para examinar-se, a faculdade de descobrir e de confessar os pecados, o poder de arrepender-se, nos vem somente do Senhor. É o Senhor que nos leva a nos examinar, é Ele que descobre os nossos pecados e depois nos conduz a uma nova vida de caridade e de fé. Somente o Senhor que “vê os corações”, conhece os males dos homens e pode-lhes desvendar como pecados. Mas Ele só pode fazer isso na medida em que o homem se prepare para essa revelação. Assim, embora o homem deva ter uma parte ativa no processo do seu exame de consciência, entretanto, esse exame deve ser precedido de uma prece ao Senhor para que Ele o dirija e não o homem a si mesmo.
Nosso texto, portanto, é efetivamente uma prece ao Senhor para que sejamos levados a nos examinar, e para que, quando fizermos isso, sejamos guiados por Ele. Esta prece está assim enunciada somente para exprimir a verdade de que é realmente o Senhor que examina o homem; isto é, que, conquanto o homem deva fazer o trabalho, é o Senhor que lhe concede os frutos desse labor. É uma prece para que o Senhor nos conduza ao exame de consciência e nos guie nele; para que desse exame resulte a descoberta e a confissão de nossos pecados; e para que pelo arrependimento sejamos introduzidos na vida do céu. Então, de suas diversas petições, completadas pelas formas doutrinais correspondentes nos Escritos, podemos ver em que consiste o exame de consciência, qual é a sua finalidade e qual o objetivo a que conduz, e em virtude do qual é feito.
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Notemos, em primeiro lugar, que nesta prece o Senhor é invocado como “Deus”. Onde quer que este termo ocorra na Palavra, trata-se de um período anterior ao começo do estado de regeneração ou anterior ao estabelecimento da Igreja, mas no qual existe potencialmente a regeneração ou a Igreja, porque estão a ponto de ser iniciadas. É usado também para referir-se especialmente à Divina Verdade. Pelo fato desse termo ser empregado nessa prece, ficamos sabendo, portanto, que o primeiro requisito para o exame de consciência é que seja feito com o sincero desejo de que ele nos conduza ao estabelecimento da Igreja em nossa mente, introduzindo-nos no caminho da regeneração. E ficamos sabendo também que o segundo requisito essencial é que esse exame deve ser feito à luz da verdade interior da Palavra.
Para que o homem possa se examinar efetivamente, deve antes aprender o que vem a ser o bem e o mal, a verdade e a falsidade, e isso de acordo com os conhecimentos da natureza intrínseca do amor e da caridade, e dos amores de si e do mundo. E como o exame de qualquer espécie implica na existência de um padrão, ele precisa ter um por onde se guiar. É verdade, sem dúvida, que, mais ou menos diretamente, cada passagem das Escrituras tem alguma relação com o exame da consciência. Mas o padrão específico é seguramente constituído pelos preceitos do Decálogo; não só como se apresentam na letra, mas também como nos são agora expostos em seus sentidos natural, espiritual e celestial. Pois eles enumeram todos os males que o homem pode praticar, e desvendam suas causas ocultas; e é explorando ou examinando sua vida em relação a eles que o homem permite que a verdade interior da Palavra o examine.
Nosso texto começa assim: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração”. O coração significa, aqui, as intenções da vontade, sendo, pois, esta prece um pedido para que as qualidades de nossas intenções sejam reveladas na luz da verdade espiritual. É bem sabido por todos os que estudam os Escritos que, embora o exame próprio tenha lugar na vida externa natural — a vida da palavra e da ação — deve, contudo, ser estendido também às intenções da vontade, uma vez que é o interno do natural que deve ser purificado. O homem externo pode ser disciplinado de acordo com as conveniências civis e o decoro moral e, no entanto, esconder um mal interno!
As aparências nunca são mais enganadoras do que no caso do homem que presume que está sem pecado porque têm guardado os mandamentos na letra, e que diz com a segura complacência do mancebo rico: “Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade; que me falta ainda?” (Mateus 19,20). Pois o homem pode se abster de certos males no corpo e, contudo, cometê-los no espírito; e mesmo quando reconhece que tem violado os mandamentos da letra, está enganado se presume que a emenda de sua vida externa é um completo arrependimento. A todos esses o Senhor diz, como fez aos fariseus: “Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo” (Mateus 23,26).
É na vontade do homem que está a verdadeira raiz e a causa do mal. Não há provavelmente engano mais comum do que aquele que leva os homens a acusar os seus corpos pelos pecados que cometem e, desperdiçando assim as suas energias, lutar contra os defeitos em vez de combater as causas. Quando o corpo peca, é realmente a vontade que está pecando, por isso o homem só se examina verdadeiramente quando sonda as intenções de sua vontade, procurando descobrir o que faria se todos os freios externos fossem suprimidos — se não tivesse que temer as penalidades da lei, a opinião pública e o efeito da descoberta de seus males sobre a sua posição e prosperidade.
O resultado desse exame é o que o homem considera como sendo ou não pecado, quando está pensando livremente em seu íntimo. Tudo aquilo que, então, ele julga permissível, ele o faz porque é a sua vontade. O esforço para fazer alguma coisa ou o desejo de fazê-la, é um ato do espírito, e será ultimado no corpo se, e quando, os obstáculos forem removidos.
O exame das intenções e dos fins que qualificam as ações é, portanto, essencial, porque desvenda ao homem a origem e a causa do mal que ele faz ou fala, e lhe mostra os males em que ele está quanto ao seu espírito, ainda que esteja sem culpa quanto aos pecados da palavra e da ação. Contudo, as intenções nunca podem ser examinadas diretamente, porque estão profundamente escondidas na vontade. Entretanto, elas podem ser vistas e examinadas na imaginação do pensamento, pois aí elas se manifestam. Por isso o texto continua assim: “Prova-me e conhece os meus pensamentos”.
Os Escritos nos ensinam que o homem examina as intenções de sua vontade quanto analisa os seus pensamentos para saber até que ponto esses pensamentos traduzem a sua vontade ou os seus intentos de vingança, de adultério, de roubo, de falso testemunho, e o seu desejo de fazer essas coisas. Esse exame de pensamento é essencial. Não devemos perder de vista, porém, que é o pensamento interior que devemos examinar — o pensamento que o homem usa quando está inteiramente só, e não sente qualquer compulsão ou restrição vinda de fora.
Com efeito, pode-se dizer que o homem se examina mais efetiva e facilmente quando está só e analisa o grau de prazer que experimenta arquitetando essas coisas em sua imaginação. Também podemos fazer esse exame refletindo as coisas que entram em nossa imaginação, vindas de fora, que recebemos com prazer e sobre as quais demoramos o nosso pensamento, identificando-as conosco e considerando-as como fazendo parte do nosso caráter central. Pois aquilo sobre o que assim meditamos, é o que efetivamente faremos quando estivermos no mundo espiritual. E observando a forma característica e a qualidade de nossa meditação, poderemos chegar a ver qual é a nossa situação no outro mundo, neste momento, e daí concluir qual a qualidade geral de nossa vida.
É verdade, sem dúvida, que o exame de nossos pensamentos à luz da Divina Verdade não nos revelará a nossa sorte final depois da morte. Mas se cultivarmos o hábito da meditação, se refletirmos profundamente sobre isso, se assim procedendo descobrirmos os nossos prazeres e, em vez deles, analisarmos a sua correspondência espiritual, então poderemos chegar a ver qual seria o nosso estado no outro mundo se já estivéssemos lá, e qual virá a ser este estado depois da morte, se continuarmos com os mesmos prazeres e não mudarmos. É por esse exame de nossas intenções, deixando que o Senhor “nos sonde e nos prove” que poderemos, em Sua luz, conhecer os nossos corações e os nossos pensamentos.
Mas para que esse resultado seja alcançado, o exame de consciência deve ser conduzido com um espírito de absoluta sinceridade. Ele tem por fim fazer que o homem conheça os seus pecados e humildemente os confesse como tais diante do Senhor. Por isso o texto continua, dizendo: “E vê se há em mim algum caminho mau”. O exame de consciência pode, com efeito, revelar a presença do Senhor no bem, mas são os males que devem ser procurados, não os bens; mesmo porque é duvidoso que sejam realmente bens genuínos os bens que parecem existir em nós, a não ser aqueles que se mostram espontaneamente sem qualquer esforço de nossa parte para descobri-los.
Os males devem ser procurados com grande interesse e, quando achados, precisam ser encarados francamente. Não deve haver evasivas, nem tortuosas tentativas para justificá-los, nem se deve tampouco procurar refúgio por trás de uma cômoda cortina de desculpas e explicações para os males que são desvendados. Pois o objetivo a alcançar é conseguirmos ver e reconhecer os nossos males como pecados contra o Senhor e o próximo, para sermos levados, desta forma, a um genuíno arrependimento.
E este é o único fim pelo qual o exame de consciência deve ser feito. Ele nunca deve se tornar um fim em si mesmo, pois isso o prejudicaria inteiramente. Por esta razão o nosso texto continua com estas palavras: “E guia-me pelo caminho eterno”. Isto nos mostra a verdade de que a única razão pela qual devemos procurar e reconhecer os nossos pecados é podermos então confessá-los diante do Senhor, suplicar o Seu auxílio para removê-los, e depois começar uma nova vida em que o Senhor nos guiará para fora do mal e para a vida eterna no Céu. O exame de consciência não deve degenerar em um processo de iludir-nos a nós mesmos e de justificação de nossa conduta, nem devemos permitir que ele nos conduza ao paralisante desprezo de nós mesmos que destrói a nossa humanidade, torna-se uma obsessão e nos rouba toda esperança de realizar qualquer progresso.
Talvez o melhor meio de evitar esse perigo seja a compreensão de que, embora a convicção do mal pessoal seja o começo do progresso espiritual, entretanto não devemos nos limitar a isso. Os Escritos nos advertem contra uma mórbida contemplação de nossos males e nos ensinam que o exame próprio nada tem a ver com a introspecção incessante que ocupa as mentes doentias. A introspecção, com efeito, é realmente um meio mais interior e sutil de condescender com o amor próprio.
Só somos levados ao caminho da salvação pela prática do exame de consciência quando o fazemos com o propósito de nos arrependermos de nossa vida má, mas sem tentar penetrar demasiado profundamente no emaranhado dos motivos de nossas ações e, sobretudo, sem repetirmos com demasiada freqüência esse exame. Pois toda vez que fazemos isso, a mente se volta para dentro de si mesma, e não é conveniente para a saúde espiritual que ela se volte assim demasiadas vezes, ou por tempo demasiado, para dentro de si mesma. O objetivo que se deve ter em vista é uma nova vida em que a mente se volta para o Senhor e para o próximo; por conseguinte, a necessidade de voltar-se para si mesmo e examinar é apenas uma coisa acessória.
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Muitas pessoas acham que o exame de consciência é uma coisa difícil, especialmente para aqueles cujo hereditário e o meio em que vivem provém do protestantismo. Entretanto, o fato desse exame ser determinado nos Escritos e dos Escritos nos terem sido dados, mostra que podemos realizá-lo; pois o Senhor não nos impõe obrigações que não possamos cumprir e nem nos dá a conhecer exigências que estejam acima de nossas possibilidades. Toda prece que fazemos ao Senhor pedindo alguma coisa, é de fato uma petição para que possamos receber o poder de realizá-la por Ele, mas como se fosse por nós mesmos. Toda prece ensinada na Palavra pode ser e será atendida se, tendo pedido forças ao Senhor, agirmos depois na convicção de que as receberemos. Se praticarmos o que se pede nas três primeiras petições do nosso texto, o Senhor fará a quarta e “nos guiará pelo caminho eterno”.
Isto exige, porém, a nossa cooperação, pois o caminho do Céu para aquele que viu, reconheceu e confessou os seus pecados é o caminho do arrependimento. Tendo examinado as nossas transgressões abertas e os nossos pecados secretos — aqueles pensamentos secretos e desejos escondidos que temos muita relutância em trazer para a luz do dia —, somos exortados a nos abster deles e a evitá-los como pecados contra o Senhor. E se fizermos isso — especialmente quando estão aliados ao prazer e somos livres para cometê-los —, os Escritos nos prometem que os prazeres do mal irão se tornando cada vez menos deleitosos, até que por fim, livremente, os condenaremos ao inf. Pois à medida que fazemos isso, o Senhor que nos sonda e nos conhece, irá guiando as nossas afeições “pelos caminhos eternos”.
Amém.

•   1ª Lição:     Salmo 139
•   2ª Lição:     Mateus 23, 1-26
•   3ª Lição:     V. R. C. 529-30