Amor  ao Senhor

Sermão pelo Rev.Hugo Lj.Odhner

"Porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a Mim nem sempre Me tendes"

João 12:8

"Toda religião pertence à vida, e a vida da religião é fazer o bem". Esta é a frase que abre o livro "Doutrina de Vida para a Nova Jerusalém". É uma verdade genuína da Revelação. Todavia, ao ser tomada em si mesma, sem a explicação que a acompanha, pode ser mal compreendida.
É fácil reconhecer que religião pertence à vida, quando se fala de religião mesma de uma crença abstrata na mente. Religião é para ser praticada, e ela é praticada quando se faz o bem.
Fazer o bem quer dizer, evidentemente, fazer o 
A Doutrina do Uso
Sermão pelo Rev.Ormond Odhner
"E tu dentre todo o povo procura homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, que aborreçam a avareza, e põe-nos sobre eles por maiorais de mil, ...de cem, ...de cinqüenta, e ...de dez; para que julguem este povo em todo o tempo; e seja que todo o negócio grave tragam a ti, mas todo negócio pequeno eles o julguem; assim a ti mesmo te aliviarás e levarão [a carga] contigo" --Êxodo 18:21-22.
O sentido literal deste texto ensina que ninguém deve tomar sobre si todo o encargo de uma grande obra, mas escolher auxiliares - homens capazes e tementes a Deus - e delegar-lhes dever e autoridade. É também um ensinamento aos pais para que atribuam deveres aos filhos, na medida de sua capacidade de desempenhá-los.
No sentido espiritual, porém, o texto ensina que a pessoa deve formular para si doutrinas ou princípios que orientem as matérias de sua vida diária. Moisés representava a Palavra, e naqueles primeiros tempos da história de seu povo, ele estava se desgastando pelo fato de lhe trazerem todos os problemas para que resolvesse. Assim é também no começo da história de cada igreja: as pessoas buscam diretamente da revelação respostas específicas para qualquer questão menor de suas vidas.
Mas Moisés estava tentando fazer além da capacidade de qualquer um. E assim também, aqueles que buscam na Palavra respostas para todas as questões estão buscando mais do que se ali se acha. Não que a Palavra mesma possa se desgastar com essa constante busca, mas sim que a fé e a confiança que se tem na Palavra podem assim se enfraquecer. Por isso, ordena-se ao homem que formule para si doutrinais ou princípios de vida que guiem sua vida diária, doutrinais esses que devem estar fundamentados na Palavra (homens capazes, que temam a Deus, homem de verdade, que aborreçam a cobiça), e que busque na Palavra respostas às questões e problemas espirituais que o confrontam, porque, realmente, o que a Palavra revela são verdades espirituais.
O próprio Senhor emprega homens e anjos para cumprir Seus usos. Não que o Senhor não possa realizá-los por Si mesmo, mas Ele faz isso por amor aos homens e anjos, para que estes possam ter usos a desempenhar e nesses usos encontrem a felicidade única e verdadeira. Assim lemos nos Arcanos: "(O Senhor) age mediatamente através do céu, não porque Ele necessite da ajuda deles, mas para que os anjos... possam ter funções e ofícios, e conseqüentemente vida e felicidade de acordo com seus ofícios e usos" (8719).
Assim foi que o Humano do Senhor, enquanto estava na terra, percebeu que Ele devia salvar os homens, mas somente com a cooperação dos homens. Ele não poderia fazer tudo sozinho, sem deixar ao homem algo a fazer, porque então o homem não teria parte no desempenho desse uso e assim não poderia vir a conhecer a felicidade real. O poder de salvar é do Senhor, só, mas Ele permite que o homem tenha parte nessa obra - parte essa que consiste em ler a Palavra, fazer o auto-exame, confessar os pecados, fazer a penitência e reformar-se.
Foi por amor ao homem, portanto, que o Senhor lhe concedeu a liberdade de decidir quanto a cooperar ou não com Deus no uso Divina da salvação, pois o homem seria menos feliz num céu em que tivesse sido forçado a entrar do que num inferno em que estivesse por sua própria escolha. E assim é o caso com todos os usos que o Senhor consente que anjos e homens prestem apenas que possam ter funções a realizar e conseqüente felicidade na prestação de usos.
A "Doutrina do Uso" é conhecida exclusivamente na Nova Igreja. Ela abre ao homem um campo inteiramente novo de vida religiosa, e a revelação dessa doutrina deve ser motivo de nos fazer imensamente gratos. É Deus quem dá ao homem usos a desempenhar, e a vida de religião consiste em executar esses usos sincera, justa e fielmente, ao mesmo tempo em que se volta para o Senhor em busca de orientação e se afasta dos males como pecados. Esta é a religião, e não existe nada mais que seja essencial.
O céu é o próprio fim ou propósito mesmo da criação - um eterno estado de vida que está sempre se aperfeiçoando no qual a pessoa recebe do Senhor a genuína felicidade. É o prazer que vem da ação de se fazer o bem a outrem, o prazer de se fazer o que é útil. Na verdade, não existe felicidade duradoura a não ser esta, do uso.
Quanto à sua essência, o uso é uma coisa espiritual. No caso do Senhor, o uso que Ele presta é salvação - a obra de levar a raça humana à conjunção consigo mesmo nos céus. O homem e o anjo não podem prover a salvação de ninguém, mas um e outro podem cooperar com o Senhor nessa obra. O homem coopera através de meios externos e humanos, como a instrução, o encorajamento, o exemplo etc., uma obra que é puramente espiritual. Assim, é dito que o uso real do homem é a influência para o bem que ele exerce sobre os outros. Um sacerdote, por exemplo, pode ser um brilhante pregador, mas seu bom sucesso no desempenho de seu uso limita-se à maneira pela qual ele influencia as pessoas a entrarem em comunhão com o Senhor. Pois este é, realmente, o único uso que há, um uso em que todas as pessoas, sem exceção, podem tomar parte. Uso é influência, influência para o bem, e por isso é que o uso não se altera com a morte.
Mas essa influência puramente espiritual para o bem, que é o uso, só pode ser exercida através de alguns meios. Uma pessoa não pode ser de uso algum se se faz desconhecida dos outros e se se retira propositalmente do contato com eles. Aqui na terra, o principal - se não o único - meio através do qual o uso pode ser desempenhado consiste na obra ou na ocupação de que o indivíduo é incumbido. Daí vem o ensinamento de que o homem deve desempenhar os deveres de sua ocupação sincera, justa e fielmente, para que possa desempenhar o bem do uso para o seu próximo e para si mesmo, e assim tornar-se uma forma da caridade.
As Doutrinas enfatizam a importância na ocupação ou emprego do homem porque, a fim de que possa escolher o céu em liberdade, ele é posto primeiro fora do céu, isto é, no mundo natural, onde suas necessidades são materiais. Essas necessidades e carências naturais e físicas têm de ser supridas e atendidas através de meios naturais e físicos, e até algumas de suas necessidades espirituais são supridas por esses meios naturais. Portanto, nossos deveres e nossas ocupações são o campo dos nossos usos aqui na terra. Assim, conquanto o uso seja em si mesmo espiritual (a influência que se exerce em outrem para o bem), na terra esse uso só pode ser exercido pelo meio natural do desempenho dos deveres, em primeiro lugar, e, depois, pelo relacionamento humano com os semelhantes.
Há um propósito Divino nessa necessidade que o homem tem de prestar usos para viver e sobreviver. A mente que se ocupa com suas obrigações se mantém, pelo menos externamente, numa forma verdadeiramente humana de utilidade; e, pelo menos enquanto estiver assim ocupada, ficará livre do influxo de cobiças más e fúteis. E, ainda mais, o homem assim se põe em condições de perceber ao menos uma pequena medida da felicidade e do prazer celeste do uso. Aprendemos nas Doutrinas que, se cada pessoa cumprisse o dever que pertence à sua ocupação ou emprego de forma sincera, justa e fiel, haveria o bastante de todas as coisas no bem comum da sociedade para suprir as necessidades de todo homem.
Mas alguém poderia perguntar: Que importa a forma como o trabalho seja realizado, contanto que o seja? Por que motivo uma obra tem se ser feita sincera, justa e fielmente?  A explicação é que, sem esse caráter de sinceridade, justiça e fidelidade no desempenho da obra não existirá a influência sobre os outros para o bem - e este é exatamente o elemento espiritual no uso, o meio segundo o qual o homem coopera com Deus e do qual recebe a vida do céu.
O homem se torna uma forma da caridade ou do uso quando se volta para o Senhor e se afasta dos males como pecados. Voltar-se para o Senhor quer dizer dirigir-se a Ele em busca de orientação em todas as coisas do espírito e considerá-Lo em tudo o que se faz. Afastar-se do mal como pecado quer dizer evitar tudo o que está fora da ordem porque interfere no real benefício do próximo. Este é o primeiro dever da caridade. O segundo é cumprir com justiça, sinceridade e fidelidade os deveres de sua obrigação. E, naturalmente, o homem que é uma forma da caridade há de agir sincera, justa e fielmente não só nos usos que presta, mas em todos os outros aspectos de seu relacionamento com os outros.
Fazer o trabalho sinceramente quer dizer fazê-lo especialmente por causa do bem que o trabalho propicia e não tanto pelo que se obtem com o trabalho, isto é, reputação, honra ou lucro, e até salário. Fazê-lo justamente é fazê-lo de acordo com as leis da justiça. E fazê-lo fielmente é empregar o melhor de si, o máximo de sua capacidade.
Algumas pessoas não distinguem conscientemente os motivos pelos quais cumpre seus usos; não sabem se os cumprem sincera ou insinceramente (isto é, se por causa do bem que há na obra ou se por causa do salário). Mesmo assim, se em sua vida diária elas buscam o Senhor e evitam os males como pecados, então o Senhor - não elas - distinguirá os motivos pelos quais elas agem, concedendo-lhes um amor cada vez mais sincero pelo uso, ao mesmo tempo que subjuga nelas os amores menos nobres pela reputação, pela honra e pelo ganho.
Além dessas coisas, não existe mais nada que seja essencial à vida da religião. Todavia, o homem sensato há de querer fazer também as outras coisas: irá à Igreja, tanto para aprender quanto para expressar, através do culto formal, sua gratidão ao Senhor; fará os benefícios ou as boas obras de caridade quando forem necessários e estiverem dentro de suas posses. Será honesto no pagamento de impostos e tributos. Tomará parte na vida social de sua comunidade, tanto para o benefício dos outros quanto para si mesmo. Mas aquelas duas coisas - voltar-se para o Senhor afastando-se dos males como pecados; e agir com sinceridade, justiça e fidelidade - são as essenciais da religião, e nada mais.
Aquele que assim age em sua vida externa desempenha, através de sua obra, os bens do uso necessários aos homens na terra. E, ao mesmo tempo, desempenha também um uso espiritual - o uso de ser uma influência positiva, para o bem, sobre todos aqueles com que se relaciona, em sua casa, na sociedade e em seu trabalho - um uso limitado somente pela círculo de extensão de seu ofício ou de sua ocupação. E como aí reside toda felicidade, ele recebe também do prazer celeste que o Senhor quer dar a todos.
A revelação da Doutrina do Uso é uma bênção pela qual devemos ser gratos ao Senhor. Ninguém pode se tornar uma forma da caridade, isto é, um anjo, a menos que perpetuamente cumpra usos para o próximo a partir de uma afeição genuína e sinta aí o deleite. E somente a Doutrina do Uso faz a vida da religião ser perpétua; somente esta doutrina aproxima a religião da vida em todos os seus aspectos.
Muitos acreditam que a religião consiste apenas no culto formal que se presta na igreja; mas essa forma de religião ocupa apenas uma hora ou duas por semana. E quanto às outras? Outros acham que a caridade consiste em dar esmolas e fazer boas obras; mas esses benefícios são apenas uma pequena parte, e, invariavelmente, os que fazem dessas coisas a essência da religião acabam tornando-as meritórias e assim as anulam pelo interesse da recompensa.
Mas a Doutrina do Uso ensina que a coisa essencial da vida de religião - depois de se buscar o Senhor e afastar-se dos males como pecados - é o desempenho justo, fiel e sincero dos deveres de sua função. Ensina também que cada coisa que Deus criou foi para contribuir com a obra Divina de conduzir a raça humana para os céus, e que, se a pessoa reconhece esse uso, então reconhecerá o propósito Divino na criação; e que, se a pessoa preza determinada coisa por causa de seu bom uso, estará assim contemplando a vontade de Deus.
Devemos considerar os deveres de nossa obrigação como os verdadeiros planos em que se baseia nossa religião. Fazendo assim, poderemos ser conduzidos a adquirir cada vez mais o amor que manterá nossa mente sempre voltada para o bom desempenho desses veros. Mesmo quando não estivermos pensando nisso ou não refletirmos sobre esse princípio, nossa vida estará ainda sendo guiada interiormente pelo amor do uso, e não nos conformaremos com coisa alguma que interfira com a boa execução desse uso.
Freqüentemente os Escritos repetem, em outras palavras, o antigo ditado de que a mente vazia é oficina de Satanás, explicando que a mente assim está aberta ao influxo de cada cobiça errante e de toda idéia falsa; e que, ao contrário, a mente ocupada no prazer de seu uso se mantém na forma verdadeiramente humana de utilidade em favor do próximo, e que essa forma humana é a forma angélica e celeste, o receptáculo de toda alegria e prazer celestiais que o Senhor pode conceder ao homem.
Sejamos, então, gratos ao Senhor por ter-nos revelado a Doutrina do Uso. O Senhor poderia ter levado todos os homens ao céu, sem qualquer cooperação da parte deles; mas Ele não fez isso, porque, antes, preferiu permitir que cada um se decida livremente a tomar parte nesse grande uso, o uso maior de todos - um céu constituído pelo gênero humano, pois só na sua livre decisão de prestar usos e de cooperar com os usos o homem pode ser realmente feliz. O Senhor não tinha necessidade de nossa ajuda, mas quis que tivéssemos funções e ofícios e, em conseqüência, a vida e a felicidade que certamente aguarda a todos os que se dedicam ao bom desempenho de seus usos. Amém.


Lições: -x.18:13-27, Lucas 17:10. AC 7038.
Adaptado por C.R.Nobre