DURAÇÃO DE NOSSA VIDA SOBRE A TERRA


Sermão pelo Rev. A. Winne Acton


“Os dias de nossa vida chegam a setenta anos, e se alguns pela sua robustez chegam a oitenta anos, o orgulho deles é canseira e enfado,
pois cedo se corta e vamos voando”.

(Salmo 90,10)

O número de anos de nossa vida, aqui mencionado, não deve ser tomado literalmente, nem considerado como uma idade ideal. A média da idade que os homens atingem está muito abaixo dos setenta ou oitenta anos referidos aqui pelo salmista. Nem devemos supor que, se os homens estivessem rigorosamente dentro das leis da ordem de sua vida, seria essa idade comumente alcançada por eles. No planeta Júpiter cujos habitantes muito se aproximam do estado dos homens da Antiqüíssima Igreja, a idade com que costumam passar suavemente para a vida eterna corresponde mais ou menos a trinta anos dos nossos. (E. U. 84)
Na realidade, o nosso texto nada ensina sobre o número de anos de nossa vida sobre a terra. A expressão “dias de nossa vida” refere-se a um estado espiritual; sendo que o dia significa o estado em geral, e o ano o estado em particular. Os números setenta e oitenta referem-se à qualidade desses atos.
Setenta, como múltiplo de sete e de dez, representa o que é pleno — um estado que amadureceu, atingindo o seu completo desenvolvimento. Essa plenitude é representada pelo sétimo dia da criação que, por isso, é considerado como santo. Setenta, como múltiplo de dez, indica que se trata de uma plenitude de relíquias. “Os dias de nossa vida chegam a setenta” significa um estado que está completo — o tempo em que todos os estados pelos quais passamos podem ser reunidos em um, e guardados para a nossa vida eterna. Pois cada um desses estados produz algum efeito sobre o nosso ser espiritual, e a impressão que fazem sobre a mente interna é guardada para ser usada na vida eterna.
Quando, aos olhos do Senhor, o nosso espírito está tão completamente preparado para a vida do Céu quanto o pode ser na terra ou, ao contrário, quando de tal modo nos afastamos do Céu que, finalmente, destruímos toda esperança de salvação, não podendo fazer outra coisa senão descer cada vez mais profundamente na escala dos estados infernais, então, em qualquer destes casos, a idade espiritual de setenta anos é alcançada, tendo se completado a nossa preparação. Somos nesse momento levados da vida terrena para a moradia eterna que preparamos em nossa vida terrena.
Em seguida, diz o nosso texto: “se alguns pela sua robustez chegam a oitenta anos”; a robustez refere-se a uma recepção mais completa do Divino Bem; e oitenta significa a plena conjunção do bem e da verdade — conjunção que só se pode efetuar quando o Divino Bem influi fortemente, conjuntando as verdades consigo. Oitenta, como múltiplo de quarenta, também se refere às tentações, porque quarenta significa o complexo das tentações pelas quais o homem natural deve passar antes do bem e da verdade poderem se conjuntar dentro dele.
E como os estados completos, representados por setenta e por oitenta, só podem ser atingidos por meio da tentação, o texto acrescenta que “o orgulho deles é canseira e enfado”. A palavra do original hebraico traduzida por “orgulho” poderia ser traduzida, mais precisamente, por “inquietação ou desassossego”, o que representaria melhor o caráter da vida externa que conduz à tentação espiritual.
Todo homem deixa esta terra — “é cortado e vai voando” — no momento em que alcança o estado de vida mais apropriado a conduzi-lo ao bem-estar eterno. Se o mundo estivesse na ordem espiritual, esse estado seria alcançado na maturidade, mas por causa das forças más e destruidoras que o homem trouxe ao mundo, esse estado completo é alcançado em várias idades. Alguns são levados na infância e na meninice para serem preparados na esfera do Céu; outros devem continuar a sua preparação até uma idade muito avançada. Não há um tempo determinado para a passagem de um mundo para o outro, mas a Divina Providência conduz maravilhosamente cada homem para que faça a passagem no momento mais conveniente para ele e o uso eterno a que é chamado.
Devemos confessar humildemente que as nossas mentes finitas não têm possibilidade de compreender as causas infinitas que determinam esse momento. Não podemos ver o uso espiritual para o qual estamos sendo preparados; não conhecemos mesmo o efeito que o ambiente externo, na terra, tem sobre a nossa preparação; e ainda menos conhecemos o ambiente espiritual, mais importante, em que a nossa mente está sendo moldada. Devemos permanecer tranqüilos e confiantes no ensinamento de que o passado de cada um de nós e a nossa vida futura estão diante do Senhor no presente e que, em Sua Divina Misericórdia, Ele provê para que no momento em que deixarmos esta terra, a preparação para o nosso uso eterno esteja tão plenamente desenvolvida quanto o pode ser aqui. Pois o Senhor, como se vê na obra sobre a Divina Providência, no 333,
“Vê o que o homem é, e prevê o que ele será (...) Conseqüentemente Ele prevê o estado depois da morte, e provê para ele desde o nascimento até ao fim de sua vida (...) e isto o Senhor faz porque todo o futuro é presente para Ele, e todo presente é para Ele eterno”.
Há, entretanto, certas indicações nos Escritos que nos habilitam a ter uma concepção geral dos fatores que determinam o momento em que deveremos deixar a terra. É de notar-se o ensinamento do Diário Espiritual segundo o qual esse momento é determinado pelas quatro considerações seguintes:
“pelo seu uso enquanto está sobre a terra; primeiro, em relação ao seu próximo; segundo em relação aos espíritos e aos anjos; terceiro, em relação às necessidades de sua própria regeneração; e, finalmente, em relação à necessidade que existe na outra vida do uso particular que a pessoa é chamada a desempenhar”. (D. 5002-3)
Todos estes fatores são de caráter espiritual, e a reflexão sobre eles nos faz compreender a necessidade de encarar o momento da morte do homem de um ponto de vista interno, e não externo — pensando sobre o uso, e não sobre a pessoa. O homem deixa a terra quando está preparado para seu uso eterno, ou quando pode ser preparado mais convenientemente para esse uso na outra vida.
É o uso que determina o momento oportuno. Segundo as nossas afeições naturais, pensamos primordialmente sobre as nossas relações pessoais com a pessoa que deixa este mundo, sobre as suas ambições e esperanças, e sobre o que ela representa para nós. No plano espiritual nós nos esforçamos por encarar as suas aspirações e os seus princípios espirituais, o seu zelo e a sua sinceridade, e as afeições do uso espiritual que a animam. Como homens naturais que estão se esforçando por se tornar espirituais na vida terrena, devemos nos acostumar a pensar pelo plano espiritual sobre o natural; pensar sobre o uso, e de acordo com este, sobre a pessoa, e não o contrário. Quando pensamos assim, consideramos os usos eternos do Reino do Senhor, o que nos ajuda a compreender porque as pessoas são levadas desta terra em várias idades.
Contudo, para a mente natural será difícil compreender porque as crianças são levadas para o mundo espiritual antes de terem tido tempo de se prepararem para o seu uso eterno. Por isso ficamos confusos e tristes quando vemos uma criança partir para o outro mundo. Se encararmos os usos do Reino do Senhor, poderemos, entretanto, ser iluminados e receber consolo do Céu. Não podemos compreender como ou por que determinada criança pode ser mais bem preparada no Céu para seu uso eterno do que na terra; nem adianta tentar descobrir isso em um caso particular, porque já sabemos que não seríamos bem sucedidos.
Pode acontecer que se essa criança tivesse continuado na terra, a sua sabedoria espiritual não pudesse ser preservada; pode acontecer que haja, no momento, uma necessidade imediata do uso que essa criança se destina a preencher na outra vida. Nada sabemos a esse respeito porque a nossa mente é limitada e finita. Mas em qualquer caso, podemos nos regozijar com a felicidade da criança por ter sido levada mais cedo para ficar sob os auspícios diretos do Senhor. Essa compreensão espiritual traz uma consolação interna e segura que atenua a mágoa resultante da perda natural que sofremos.
Também temos dificuldade de compreender porque aqueles que estão no começo de sua virilidade, ou mesmo em sua maturidade, ativamente empenhados em seus usos terrestres, fazendo tanto bem ao próximo, são levados para a outra vida. Devemos nos recordar, porém, que são os usos celestes, e não os terrestres, que constituem o Reino do Senhor. Ademais, os usos sobre a terra dependem dos usos que estão sendo desempenhados no Céu. Aqueles, portanto, que são chamados para uma esfera mais elevada serão de maior utilidade, mesmo para os homens na terra, quando entram no desempenho dos usos eternos, dos quais se originam os usos naturais.
É um maravilhoso ensinamento esse de que a Divina Providência opera tanto singularmente quanto universalmente, isto é, quando considera o bem-estar e o uso de cada indivíduo, a Providência ao mesmo tempo encara o bem-estar e o uso de todos os homens. A razão disso é que no Senhor todos os usos são Um, e por Ele formam um Homem; tudo o que beneficia uma parte desse Homem, deve também, necessariamente, beneficiar o todo.
Por este motivo, o momento em que uma pessoa é chamada para o seu uso eterno, será o melhor, não somente para essa pessoa, mas para todos os que a conhecem. Nesse momento o Senhor está intimamente presente, procurando dirigir a afeição espiritual do homem para Ele. Volta as mentes de todos para os pensamentos sobre a vida eterna, e para os usos eternos de Seu Reino; e embora a mente natural seja rebelde, o Divino está intimamente presente, procurando fortalecer as convicções espirituais e o amor dos usos eternos. Na Divina Providência do Senhor isso pode ser realizado de uma forma que nós não podemos entender, mas será realizado no grau em que cooperamos, fazendo do Senhor a nossa consolação e a nossa esperança.
O homem trouxe o mal e a desordem ao mundo e, conseqüentemente, produziu um estado em que não é possível preparar-se plenamente para seu uso eterno aqui na terra — atingir os seus setenta ou oitenta anos correspondenciais. Todo homem deve, com efeito, preparar-se plenamente antes que possa entrar efetivamente no seu uso eterno, mas essa preparação terá que ser realizada sob imediata direção dos anjos do Céu. Os males dos homens trouxeram para a terra as doenças, os animais ferozes, as guerras e mesmo os acidentes; e estas coisas são as causas da morte. Mas porque todos os estados do homem estão diante do Senhor no Presente Eterno, Ele pode proteger o homem contra os resultados de seus próprios males, e assegurar que, seja qual for o momento em que deixa a terra, esse momento será o melhor para o seu bem-estar espiritual.
Precisamos aprender a encarar a nossa vida sobre a terra como uma contínua preparação para o desempenho de usos celestes. Os usos naturais nos são dados a preencher aqui como um meio dessa preparação; e o prazer e a alegria que sentimos aqui por um justo e altruístico desempenho de nosso uso natural é apenas um ligeiro antegozo da alegria celeste dos usos espirituais.
Quando a nossa preparação está completa, tanto quanto o pode ser na terra, nós deixamos este mundo para entrar no uso verdadeiro. Isto não é morrer, mas nascer para o Céu. Preparamo-nos para esse momento continuamente durante toda a vida, com alegria e confiança, e com o espírito humilde de que fala o salmista: “Mas eu confiei em ti, Senhor, e disse: Tu és o meu Deus. Os meus tempos estão em tuas mãos”.
Amém.

•   1ª Lição:     Salmo 90
•   2ª Lição:     Mateus 24, 29-51
•   3ª Lição:     Diário Espiritual 5002-3