DEUS-HOMEM REVELADO


Sermão pelo Bispo George de Charms


“Eu, Jesus, enviei o meu anjo, para testificar estas coisas nas Igrejas: eu sou a raiz e geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã”.

(Apocalipse 22,16)

O Senhor Jesus Cristo é o único Deus do céu e da terra. Esta é a verdade suprema da fé cristã. Em seu aspecto mais lato, significa que Deus é um Ser Infinitamente Humano — verdade sem a qual não pode haver salvação. Pois o céu é um estado de conjunção com Deus, e esta conjunção não poderia ter lugar se o homem não tivesse sido criado à Sua imagem. Esta imagem por criação está estampada no corpo e na alma de todo homem. Mas só pode ser estampada na mente quando o homem é dotado com a percepção e o reconhecimento de que Deus, ainda que Infinito, tem a forma humana. Este reconhecimento, no coração e na vida, é o único meio pelo qual a conjunção com Deus pode ser efetuada.
Nenhum homem, entretanto, tem a possibilidade de descobrir esta verdade por si mesmo. Sendo finito, não pode ter a mínima concepção do Infinito. O que Deus é em Si Mesmo, só Ele pode revelar, e isto Ele o fez pelo maior de todos os milagres. À luz da razão natural, o Infinito aparece como a absoluta negação do humano; pois tudo o que conhecemos como humano, em nós mesmo e nos outros, é evidentemente finito e, portanto, a antítese do que é infinito. Todo o esforço para alcançar, por nós mesmos, uma idéia de Deus conduz, por isso, a uma das duas direções opostas que a seguir analisamos, onde a verdade não pode ser achada.
Pensar em Deus como homem, segundo a nossa limitada concepção do que é humano, conduz à idolatria antropomórfica do paganismo, em que os imperfeitos atributos dos homens foram deificados, atribuindo-se a Deus qualidades indignas da Divindade. Por outro lado, persistindo na idéia de que Deus é infinito, somos levados a eliminar de nosso pensamento toda limitação, todas as qualidades próprias do humano, não deixando mais que um vácuo sem fim onde a mente se perde por completo. A idéia que daí resulta é a de uma força invisível, sem forma  e inumana, no centro do universo material; e isso importa na negação de Deus, porque reduz a nada o nosso pensamento sobre Ele.
A verdade é que Deus é Infinito e, ao mesmo tempo, Humano — verdade que nunca poderá ser vista na luz natural. Na luz espiritual, porém, — na luz da Revelação, na luz dos próprios ensinamentos do Senhor — podemos vê-la e compreendê-la. Quando assim percebida, ela se torna o meio de conjunção com Deus e, portanto, de entrada na felicidade eterna dos usos do céu. O homem foi criado para receber a iluminação espiritual. Enquanto essa iluminação existiu, os homens podiam ver que toda qualidade humana verdadeira, embora finita e limitada em nós, era capaz de ser, por assim dizer, estendida e exaltada até ao Infinito. Estavam em condições de ver que Deus pode ser — o que é realmente — não só Infinito como também Humano, e podiam assim adorá-l’O e Lhe prestar culto como Deus-Homem.
Como, porém, esta luz enfraqueceu nas mentes dos homens que caíram progressivamente no pensamento natural e até, por fim, no pensamento sensual, raciocinando por si sós, esta visão de Deus perdeu-se. Em conseqüência, a fé religiosa ou declinou para a idolatria, ou foi completamente destruída no ateísmo. Onde a inocência permaneceu, no meio da idolatria, o Senhor ainda podia efetuar a salvação, pois na idéia do que é humano, Ele podia insinuar, pelo ensino Divino, quer sobre a terra, quer no outro mundo, alguma pálida percepção da infinidade. Mas quando a inocência foi declinando, tornou-se necessário fazer isso por meio de manifestações do Divino cada vez mais externas, mais sensuais. Por último, até isto não foi mais possível, sendo então indispensável que Deus Mesmo se revestisse, no seio de Maria, com um corpo humano finito em que habitava a Alma de Vida Infinita.
Através do corpo assim obtido, Ele pôde manifestar a Alma, em palavras de infinita sabedoria e nos atos de infinito poder, praticados pelo Salvador durante Sua permanência sobre a terra. Enquanto percorria a estrada que vai do nascimento à morte, passava através de todos os estados de vida que o homem finito jamais poderá conhecer. Mas fazendo isso, Ele eliminou de cada um desses estados as limitações e as imperfeições que pertencem ao homem para que a natureza Divinamente Humana da Alma fosse revelada. Por este processo de glorificação progressiva, Ele fez Seu Humano, por fim, completamente um com o Pai Eterno, tornando-se visível, diante da vista dos homens e dos anjos, naquele Humano Divino que é Emanuel, ou Deus conosco.
Entretanto, tão profundamente embebidas estavam as mentes dos homens das idéias externas e corporais derivadas de uma longa tradição, que só por um processo lento e gradual, podiam ser levadas a ver que o Humano do Senhor estava na própria Verdade Divina. Os discípulos, que ouviam os ensinamentos do Senhor e que presenciavam Seus milagres, percebiam que havia n’Ele um estranho e insondável poder. Mas todos os seus pensamentos sobre Ele eram naturais enquanto Ele permaneceu na terra.
Depois que ressuscitou do túmulo, com efeito, eles começaram a perceber a Sua Divindade. Contudo, ela lhes aparecia obscuramente, através de uma névoa de preconceitos há longo tempo estabelecidos e estranhos a ela. Bastante eles tinham visto para que se tornassem os fundadores da Igreja Cristã onde, a princípio, só o Senhor era adorado. Mas naqueles que vieram depois, esta visão declinou quando, pelo raciocínio natural, começaram a separar, no pensamento, o Divino do Humano no Senhor. Que isto certamente aconteceria, o Senhor o predisse, profetizando então que viria outra vez.
Esta segunda vinda foi anunciada enquanto Ele estava na terra e, depois que Ele ressuscitou, ela foi abertamente predita no Apocalipse. Que ela fosse uma revelação do fato de ser Jesus Cristo um Deus Infinito e Eterno, não podia ter sido mais claramente estabelecido, e isto pelo próprio Senhor. Pois o livro é denominado: “A Revelação de Jesus Cristo”, que diz: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim... que é, e que era, e o que há de vir, o Todo Poderoso” (Apocalipse 1,8). “Eu sou o que vivo e fui morto: e eis aqui vivo para todo o sempre” (idem 1,18). “Eu, Jesus, enviei o meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas: Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã” (idem 22,16).A Divindade do Senhor é o estribilho do Apocalipse, do princípio ao fim.
Claro como este ensinamento agora nos aparece, nunca foi compreendido na Igreja Cristã. Sua significação foi desvirtuada por falsas doutrinas que fizeram do Filho, uma pessoa separada do Pai e dividiram entre o Divino e o Humano, as naturezas de Cristo. Só depois de séculos de preparação, puderam os olhos dos homens ser abertos para ver a glória do Senhor ressuscitado. Só então a Doutrina Celeste pôde ser dada; só então a significação interna da Palavra pôde ser revelada; só então as nuvens do erro humano foram dissipadas e as névoas, que se tinham acumulado na longa noite de trevas, foram varridas diante da luz do Sol do céu, surgindo de novo.
Os Escritos descobrem as falsidades do dogma cristão; mostram como os homens se afastaram da verdade. Revelam o Infinito Amor e a Infinita Sabedoria do Senhor, as operações de Sua Providência, as Leis que governam a criação. Descrevem a vida futura, desvendam a natureza do mundo espiritual e do reino do céu. Fazem conhecer o caráter interno dos homens, as leis da vida que regulam a sua salvação, e o seu destino eterno. E em tudo isso proclamam universalmente a Infinita Humanidade de Deus.
Antes de esta revelação final ter sido dada, a obscuridade e a dúvida sobre esta verdade central existia tanto na terra como no mundo espiritual, a despeito do que o Senhor ensinou a Seus discípulos. Para todos os que já estavam na outra vida, os Escritos trouxeram uma ilustração imediata. Efetuaram o Julgamento Final. Destruíram os céus imaginários. Reduziram os infernos à ordem e formaram o Novo Céu Cristão com os que podiam receber a verdade. Deram ilustração aos que tinham conhecido e amado o Senhor sobre a terra, tornando claro para eles o Seu Divino Humano, com uma glória que antes não tinham percebido, de modo que, os doze apóstolos, por ordem do Senhor, foram inspirados para ir de novo, por todo o mundo espiritual, pregar o Evangelho que o Senhor Deus Jesus Cristo reina.
Sobre a terra, porém, os resultados da Segunda Vinda do Senhor só podem ser alcançados lentamente. As nossas mentes estão sobrecarregadas com falsas concepções. Estão transviadas pelas aparências externas. Só muito dificilmente é que as poderemos elevar das coisas da terra à luz espiritual onde, somente, nos pode ser revelado o Divino Humano do Senhor. Se, em momentos de exaltação ou de culto apanhamos um vislumbre da verdade do céu, facilmente recaímos em nosso estado natural, e essa visão desaparece. Contudo, o Senhor veio, realmente. Ele está presente na Doutrina Celeste. Se, por persistente esforço, voltamos a face para a luz que agora nos é dada, procurando-O onde Ele pode ser achado, Ele abrirá os nossos olhos para ver Seu Humano glorificado. Iluminará para nós a estrada da vida. Dar-nos-á inteligência e sabedoria por Sua Palavra e o poder para obedecer a Sua Lei, para que entremos em conjunção com Ele e em consociação com os anjos, para que Seu Reino seja estabelecido em nossos corações.
Aí reside a esperança do mundo e a brilhante promessa do futuro. Esta é a fé da Nova Igreja. Se nos inclinarmos para ela e a vivermos, tornando-a o objeto central de nossos pensamentos e de nosso amor, ela nos sustentará através de todas as provas e tentações, e alcançará, afinal, tanto em nós como no mundo, aquele objetivo Divino de felicidade para o qual o Senhor, em Sua Misericórdia, vem guiando a humanidade desde o alvorecer de sua criação. Pois a verdade que o Senhor é o único Deus Infinitamente Humano, está agora restabelecida na terra, e somente sobre esta verdade pode ser fundado o reino do céu. Esta é “a pedra que os edificadores rejeitaram” — a pedra que agora, na Nova Igreja, tornou-se “a cabeça de ângulo”. É a resplandecente estrela da manhã que nos levará ao meio-dia da regeneração. “Este é o feito do Senhor, ele é maravilhoso aos nossos olhos. Este é o dia que o Senhor tinha feito; nós nos regozijaremos e alegraremos nele”.
Amém.

•   1ª Lição:     Salmo 118, 14-29
•   2ª Lição:     Apocalipse 22
•   3ª Lição:     A. C. 8705, 4-5