CONJUNÇÃO COM O SENHOR PELA SANTA CEIA


Sermão pelo Bispo George de Charms


“E o Senhor dos Exércitos fará neste monte a todos os povos uma festa de coisas gordas, festa de vinhos puros, de coisas gordas cheias de tutano,
de vinhos finos bem purificados”.

(Isaías 25,6)

O amor do Senhor se estende, perpetuamente e com infinita plenitude, a todos os homens; nunca se retira de quem quer que seja, nem mesmo por um instante. Por Sua infinidade o Senhor está sempre disposto a conceder ao homem bênçãos sempre novas, prazeres em quantidade sempre crescente, por toda a eternidade. Mas só os que retribuem o Seu amor é que podem receber e gozar essas bênçãos. Por mais profundo que seja o amor que se tem por uma pessoa, se esse amor não for retribuído, se não encontrar eco na mente dessa pessoa, não poderá haver conjunção com ela. e sem conjunção não é possível troca alguma de afeição ou de dádivas.
O homem, na realidade, não tem poder algum em si mesmo para amar o Senhor, mas recebe d’Ele esse poder. Isso, entretanto, se processa de uma forma tão secreta que o homem tem a impressão de que esse poder lhe pertence, de fato, o que é indispensável para que a conjunção possa se efetuar. Foi com o mesmo objetivo que o Senhor se revelou, tornando possível o Seu conhecimento pelos homens, pois não se pode amar alguém que não se conhece. Depois de prover por esta forma os meios necessários, o Senhor convida o homem a unir-se a Ele. Mas não obriga, não força.
O amor deve ser livre e espontâneo. Se perder a liberdade, morrerá. Por conseguinte, para que o homem possa unir-se ao Senhor, precisa aceitar livremente o convite Divino; aceitá-lo por sua própria deliberação, sabendo que, se quiser, poderá recusá-lo. Deve aproximar-se do Senhor voluntariamente, por sua própria iniciativa, dizendo em seu coração: “Vinde e subamos à montanha do Senhor, à casa do Deus de Jacó” (Isaías 2,3). Somente assim pode ele receber as bênçãos do céu. Esta é a significação do nosso texto: “E o Senhor dos Exércitos fará neste monte a todos os povos uma festa de coisas gordas, festa de vinhos puros, de coisas gordas cheias de tutano, de vinhos puros bem purificados”.
Os judeus entendiam por “monte”, o Monte de Sião, em cujo cimo estava o templo e em cujas encostas ficava a cidade de Jerusalém. Só aí podiam ser celebradas as festas sagradas com seus sacrifícios e ofertas queimadas ao Senhor. O povo de todas as partes da terra era obrigado a assistir, ao menos uma festa por ano, na cidade “onde sobem as tribos, as tribos do Senhor, até o testemunho de Israel, para darem graças ao nome do Senhor” (Salmo 122,4). Era necessário — naquela Igreja inteiramente baseada em representativos externos — que houvesse, em todo o mundo, uma única montanha, onde estas festas se realizassem, para simbolizar a verdade de que só há um amor pelo qual as bênçãos Divinas podem ser recebidas.
Para os judeus, o Senhor estava efetivamente presente por intermédio das Tábuas da Convenção encerradas no Templo. Ir ao Monte Sião, portanto, era aproximar-se d’Ele, procurando a Sua direção e proteção, reconhecendo o Seu governo, confessando a sua fé n’Ele, e declarando o seu amor a Ele. Quando livremente davam essa demonstração de leal fidelidade a seu Rei Divino, o Senhor abria as janelas do céu e derramava bênçãos sobre Seu povo. Aí, com alegria e reconhecimento, eles participavam das festas santificadas, recebendo, com a nutrição física, a renovação de sua fé, o acréscimo do amor mútuo e da confiança que fortaleciam sua unidade nacional e lhes dava uma nova determinação de permanecer fiéis à Lei de Jeová.
Mas quando o Senhor veio ao mundo, aboliu os representativos do culto judaico. Abriu a mente dos homens para que pudessem ver nas antigas Escrituras uma significação mais profunda. Ensinou que Deus não é uma Divindade restrita, residindo em determinado lugar mas que está presente em toda parte, instando para se recebido. Onde quer que Ele seja reconhecido, onde quer que Seu amor seja recebido e retribuído pelo homem, aí será o monte de Sua santidade. “E o Senhor dos Exércitos fará nesse monte uma festa de coisas gordas as todos os povos”. Quando o Senhor conheceu que era chegada a hora de passar deste mundo para o Pai, reuniu-se com Seus discípulos num cenáculo em Jerusalém para cumprir o ritual da festa sagrada, dizendo-lhes então, quando se assentaram à mesa: “Desejei muito comer convosco esta Páscoa, antes que padeça” (Lucas 22,15). E tendo abençoado o pão e o vinho, deu-os a eles, dizendo: “Fazei isto em memória de mim”.
Por este ato, Ele revogou a representação do Monte Sião como único lugar do culto, substituindo essa representação pelo amor d’Aquele que os tinha reunido para a festa. Os que O tinham seguido durante anos de Seu ministério, testemunhando Seus milagres e ouvindo Seus ensinamentos, haviam abandonado tudo por amor a Ele. Como Ele lhes tinha falado de Sua própria crucifixão, preparando-os para suportar a prova suprema de sua fé, e como ainda, segundo todas as aparências tinha chegado o momento da separação, os seus corações estavam profundamente comovidos e elevados, em espírito, ao amor que é a própria montanha de Deus.
Por aquele amor, as suas mentes foram iluminadas com uma nova luz. Por isso, quando o Senhor lhes disse: “Eu saí de Meu Pai, e vim ao mundo; agora deixo o mundo e volto ao Pai”, eles Lhe responderam: “Eis que agora falas abertamente, e não dizes parábola alguma. Agora conhecemos que sabes todas as coisas, e não hás mister de que alguém te interrogue. Por isto cremos que saíste de Deus” (João 16, 28-30).
Pela primeira vez eles percebiam a verdadeira Divindade de Jesus Cristo, e o amor que dedicavam a Ele uniu-se à sua adoração a Deus. O Senhor passou a ser para eles o único objeto de culto. E dessa forma, naquele momento, ficou fundada neles a Igreja Cristã. Jeová invisível, em cumprimento da Profecia, tinha vindo ao mundo para ser visto pelos homens. E agora, pela primeira vez, a Sua identidade era revelada, e os Seus discípulos O reconheciam como o próprio Jeová, seu Deus. Daí por diante toda a conjunção com Deus devia ser feita por meio do amor a Ele. Este amor era agora a única “montanha” da bênção Divina. Nessa montanha foi dada, pela primeira vê, a Santa Ceia, a comunhão espiritual com Deus — comunhão naquele Divino Humano que Ele tinha assumido no Seu advento ao mundo.
É por isso que, na Igreja Cristã, a cerimônia sempre renovada da “Última Ceia” substituiu a festa sagrada do Monte Sião, como representação final da conjunção com o Senhor. A Santa Ceia foi instituída em substituição a todos os antigos sacrifícios. Em essência, é uma livre aproximação do Senhor, uma confissão de fé n’Ele, um testemunho de amor a Ele e, portanto, uma ascensão à montanha de Sua santidade. Na aparência externa, nada mais é que um representativo. É um gesto do corpo, uma aproximação física do altar como sendo o lugar onde a presença especial do Senhor é reconhecida. Nisto ela não difere da ascensão ao Monte Sião pelos judeus. Há, entretanto, uma diferença notável: para os judeus, a mera observância da formalidade externa, separada de qualquer conhecimento de sua significação, era suficiente para abrir uma comunicação com o céu e receber as bênçãos da Divina proteção. O poder e a eficácia da Santa Ceia, porém, só existe no grau em que a observância da formalidade é, de fato, um sinal e um atestado de amor ao Senhor.
Por esta razão, quando a Igreja Cristã declinou, quando a idéia de Deus foi falsificada a ponto da Divindade única de Jesus Cristo não ser mais percebida, quando muitos haviam voltado ao culto de um Deus invisível, considerando Jesus Cristo apenas como um homem nobre e sábio, quando a Igreja abandonou o seu primeiro amor e caiu presa das ambições humanas na luta pelas riquezas e pelo poder terrenos, então a Santa Ceia deixou de servir como meio de conjunção com o Senhor. Ela traz agora, não o influxo do céu mesmo, mas dos céus imaginários que se estabeleceram no mundo dos espíritos. Para os simples, ela é ainda um santo sacramento, preservando os restos da infância, mantendo uma fé suave e conservando aberto o caminho para a salvação final. Não lhes pode trazer, porém, a conjunção com o Senhor, porque Ele não é mais conhecido.
Esta é a razão porque foi necessário que o Senhor viesse novamente para revelar Seu Humano Glorificado e, por esta revelação, estabelecer uma Nova Igreja. Foi verdade que Ele se fizesse conhecer verdadeiramente como o único Deus do céu e da terra, para que a volta ao amor a Deus por parte dos homens, fosse dirigida não mais ao Cristo crucificado ou a um Deus invisível e desconhecido, mas a Ele como Homem Divino Infinito, cujo amor e cuja sabedoria estão corporificados no Senhor Jesus Cristo ressuscitado, que se tornou visível a nós na Verdade da Palavra desvendada. Somente isto nos pode habilitar a compreender como o Humano assumido no mundo foi glorificado e feito Um, com o Pai Infinito acima dos céus. Unicamente assim podemos ver que amar a Deus é amar ao Senhor Jesus Cristo em quem unicamente Deus se apresenta à nossa vista finita.
E isto quer dizer amar, não simplesmente a pessoa, mas as qualidades Infinitas de Deus: o Seu Amor e a Sua Sabedoria manifestados na Revelação de Sua Segunda Vinda. Amar a Deus é viver segundo a verdade de Sua Palavra desvendada. Quando isso é reconhecido de coração, e não de qualquer outro modo, então a livre volta ao amor a Deus pode produzir a conjunção com o Senhor e a consociação com os anjos. Este amor é agora “o monte” da bênção Divina de que a Santa Ceia, na Nova Igreja, é o sinal representativo e o testemunho. “E o Senhor dos Exércitos fará neste monte a todos os povos uma festa de coisas gordas, festa de vinhos puros, de coisas gordas cheias de tutano, de vinhos puros bem purificados”.
A ascensão desta “montanha” não é uma simples aproximação física do altar e a participação ritualística no sacramento. A força deste ato final depende daquilo que o precede. Depende da visão espiritual do Senhor nos Escritos e de um sincero esforço diário para viver de acordo com a verdade, evitando os males que a ela se opõem, tanto no pensamento e nas intenções como nos atos externos.
É isso que dá testemunho no genuíno amor ao Senhor, que faz com que este amor esteja vivo e atuando em nós. É isto que nos faz compreender a nossa própria fraqueza espiritual; que nos faz ver quão pouco sabemos da verdade, quão freqüentemente fracassamos em nossos esforços para aplicá-la às situações práticas de nossa vida, e quão grande é a nossa necessidade do auxílio e da direção do Senhor. Quando pelos combates da tentação somos levados a este estado, então, realmente, a nossa aproximação da Santa Ceia torna-se uma ascensão à montanha de Deus. Então está aberto o caminho para recebermos, pelo sacramento, as bênçãos Divinas, e o Senhor pode, por meio dos elementos santificados, alimentar as nossas almas com o “pão que desce do céu e dá vida ao mundo”.
Então esse sacramento torna-se para nós uma “festa de coisas gordas, uma festa de vinho puro, de coisas gordas cheias de tutano, de vinhos puros bem purificados”.
Por “coisas gordas” são representados os prazeres espirituais do uso em relação ao próximo. Pelo amor ao Senhor somos elevados acima de nós mesmos. Nossos pensamentos são afastados da satisfação dos desejos e ambições pessoais, e somos inspirados com o amor de servir aos outros, independentemente de qualquer consideração de mérito ou de recompensa. E quando encaramos os usos segundo este amor, recebemos a luz que nos faz compreender a qualidade das nossas relações com o próximo. Vemos como agir de acordo com a caridade genuína, como aplicar a verdade da religião de modo a beneficiar os outros. Isso acontece porque as considerações do interesse próprio que nos cegavam para a verdade, estão afastadas e a nossa visão está purificada das falácias e aparências que a perturbavam. Esta nova visão da verdade é representada pela “festa de vinhos puros”.
No íntimo deste prazer de servir altruisticamente aos outros, aqui na terra, está escondida a alegria e a bem-aventurança do céu, o prazer do uso eterno para o Senhor e o Seu reino que é significado pelas “coisas gordas cheias de tutano”. E no íntimo da compreensão da verdade externa, está a percepção das Divinas verdades concernentes ao Senhor — à sua Misericórdia e à Sua Providência —, concernentes às qualidades infinitas de Seu Amor e de Sua Sabedoria, o que é significado pelo “vinho puro bem purificado”. Estas são as bênçãos que podem ser recebidas quando nos aproximamos do Senhor no verdadeiro “monte de Sua santidade”. E foi por causa delas que a Santa Ceia foi instituída.
Não devemos esquecer, porém, que o Senhor concede estas bênçãos secretamente, para que possamos gozar a sua posse como se fossem propriamente nossas. Ele as dá, não por um claro influxo da verdade, mas unicamente para excitação de nossas afeições, o que nós não percebemos senão como uma esfera de santidade. Não temos, portanto, consciência de sua recepção quando nos aproximamos da Santa Ceia. É bastante para nós fazer as obras do arrependimento, lutar na tentação contra as nossas próprias tendências, procurar a Palavra para nos guiar e nos esforçarmos para viver de acordo com seus ensinamentos, preparando-nos assim para o Sacramento.
É bastante que nos aproximemos da mesa do Senhor com humildade de espírito, fazendo preces para sermos auxiliados, com um claro reconhecimento de Sua Misericórdia e gratos por Sua proteção. É bastante que, recebendo os elementos, dirijamos os nossos pensamentos para Ele com amor e adoração. Pois isso é ascender à montanha do Senhor para que Ele, pelos caminhos secretos de Sua Infinita Sabedoria, possa “alimentar-nos para sempre”.
Amém.

•   1ª Lição:     João 16, 15-20
•   2ª Lição:     A. C. 3735