CONJUNÇÃO COM O SENHOR


Sermão pelo Rev. F. E. Waelchli


“Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará;
e os colhem, e os lançam no fogo, e ardem”.

(João 15,6)

Na série de versículos de que faz parte o nosso texto, o Senhor, falando a Seus discípulos, diz-lhes que eles devem habitar n’Ele, e que Ele deve habitar neles. Textualmente: “Como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim nem vós, se não estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas: quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto”.
Na Igreja Cristã, a grande verdade aqui revelada é compreendida —comparativamente — por muito poucos, porque há poucas pessoas que de coração reconhecem a Divindade do Humano do Senhor, sem cujo reconhecimento não pode haver percepção alguma da necessidade de conjunção com Ele por causa da vida eterna e para salvação da morte eterna; pois aquele que não reconhece a Divindade do Senhor Jesus Cristo não pode ver que é d’Ele que o homem vive, e que é d’Ele que recebe tudo o que é genuinamente vivo.
Nos poucos cristãos que estão nesse reconhecimento, pode haver alguma coisa da compreensão da verdade das palavras de nosso texto, suficiente para despertar o esforço de fazer conjunção com o Senhor. Eles O reconhecem como um Homem Divino, como a Fonte da vida celeste; precisam, porém, aprender a reconhecê-l’O como o único Homem Divino, como o único Deus. Reconhecê-l’O assim é o privilégio daqueles que recebem a luz da Revelação do Senhor à Sua Nova Igreja. Para estes, portanto, é possível ver, como os anjos do céu, a completa e inteira dependência do homem para com o Senhor em tudo que se refere à salvação e à vida eterna.
O reconhecimento do Senhor é a primeira coisa de que necessitamos para poder habitar n’Ele. Na Igreja, os jovens devem ser introduzidos nesse reconhecimento durante a meninice e a juventude. Nesse período, eles são ramos em crescimento, recebendo a preparação para se tornarem ramos adultos, prontos para o desempenho dos seus usos, produzindo frutos. Quando este estado é atingido, isto é, quando a idade adulta é alcançada, então tem lugar a advertência: “habitai na vinha”. “Habitar”, aqui, significa permanecer, ou seja, “permanecei na vinha”.
Habitar ou permanecer na vinha significa ser tal como um ramo quando recebe a vida da vinha. A vida mesma da vinha consiste em produzir frutos; esta é a sua alma, o seu fim, o objetivo para onde tende toda a natureza. E esta alma, este fim e esta tendência devem ser recebidos pelo ramo, pois só essa recepção é que o torna um verdadeiro ramo, próprio para habitar ou permanecer na vinha. Se não receber essa vida, terá apenas a aparência de um ramo; e se essa situação continuar chegará o tempo dele ser cortado e queimado.
Se o ramo dará ou não fruto, se habitará ou não na vinha depende de sua substância e de sua forma, pois deve haver alguma desordem na substância e na sua forma do ramo quando ele não recebe a vida própria da vinha; ou, o que dá no mesmo, quando a substância e a forma da vinha não é continuada nele. O Senhor, considerado como vinha é, quanto à substância, o Divino Bem e, quanto à forma, a Divina Verdade; e o Divino Bem, por meio da Divina Verdade se manifesta no uso ou no fruto. O homem, como ramo habitado na vinha, é, quanto à substância, o bem do amor ao próximo derivado do Divino Bem e, quanto à forma, é a verdade da fé derivada da Divina Verdade; e nele o bem por meio da verdade produz o uso ou o fruto, isto é, as palavras e os atos da vida e da caridade. Mas o homem como ramo que não habita na vinha é, quanto à substância, o amor do eu e do mundo e, quanto à forma, as falsidades que fazem se unificam com esses amores. A tal substância e a tal forma, a vinha não pode conceder a sua vida; não pode, pois, haver fruto nesse caso.
Mas embora um ramo não receba a vida genuína da vinha, pode, entretanto, receber alguma coisa dessa vida; pode receber o suficiente para produzir folhas. Enquanto isso acontece, há esperança de que venha a se tornar um ramo frutífero. As folhas representam, no homem, as verdades tiradas da Palavra que o Senhor conserva vivas nele, procurando, por seu intermédio, fazer com que se arrependa, o que permitirá que o Senhor mude a sua substância e a sua forma, regenerando-o, de modo que ele possa receber a vida do Senhor e produzir frutos.
Aqueles que constituem o céu e a Igreja, como ramos da vinha, devem habitar naquilo que procede do Senhor e constitui o céu e a Igreja, isto é, no bem e na verdade, na caridade e na fé. Então eles habitam no Senhor, porque estão naquilo que é d’Ele neles; e o Senhor habita neles, porque está no que é Seu neles.
O céu e a Igreja juntos constituem o Macro Homo, que é uma imagem do Senhor; e este Macro Homo é um corpo cuja alma é o Senhor. Aqueles que estão nesse corpo estão, portanto, no Senhor, e o Senhor está neles. Aplicando isso ao nosso texto, podemos dizer que a vinha é a alma e os ramos são o corpo; os ramos são como o corpo da vinha, a qual, como alma, influi neles, formando-os, dando-lhes vida e habitando neles. Isso mostra como todos os que estão no céu e na Igreja vivem do Senhor e fazem parte daquele Corpo de que Ele é a alma. A esse respeito, Swedenborg diz na obra “Verdadeira Religião Cristã”, em seu parágrafo no 416, o seguinte: “A Igreja nos Céus e na Terra é o Corpo do Senhor; os seus membros estão, com efeito, no Senhor e o Senhor está neles”.
Já no parágrafo no 725 da mesma obra encontramos mais o seguinte: “A Conjunção com o Senhor, que outra coisa é, senão estar entre os que estão no Seu Corpo? E constituem Seu Corpo aqueles que crêem n’Ele e fazem a Sua vontade. A Sua vontade é o exercício da caridade segundo as verdades da fé”.
Estar no corpo, envolve ocupar um certo lugar nele; pois ninguém pode estar nele sem preencher um lugar. A pessoa está lá em uma certa comunidade, em uma certa companhia ou sociedade. O homem estar no Senhor significa, portanto, que ele deve estar em companhia daqueles que estão no céu ou na Igreja. Os associados do homem devem ser os que constituem o Macro-Homo, a não ser que ele não seja um ramo da vinha e não produz frutos, mas somente folhas; e se ele não entrar nessa associação pelo arrependimento e a regeneração, acabará por ser expulso e lançado no fogo onde arderá.
Temos inteira liberdade de escolher os nossos companheiros ou associados, e dessa escolha dependerá irmos ou não habitar no Senhor; darmos frutos no Seu reino celeste ou dele sermos expulsos, como um ramo seco, lançado no inferno. Esta escolha é feita principalmente no mundo espiritual, entre os espíritos do mundo dos espíritos, os quais estão em íntima associação ou com o céu, ou com o inferno; estão, ou no corpo do Senhor, ou fora dele. Fazemos a escolha dos nossos companheiros nesse mundo por meio dos pensamentos que entretemos ou sustentamos. Note-se que dizemos: os pensamentos que entretemos, os pensamentos que sustentamos, os pensamentos que nos dão prazer; mas não os pensamentos meramente passageiros, que nos vêm mas logo são afastados.
Os espíritos lêem os pensamentos que estão na mente do homem e se apropriam deles, se estão em harmonia com seu próprio estado, isto é, se concordam com suas afeições. Portanto, durante todo o tempo em que o homem conserva ativos, em sua mente, certos pensamentos, estão presentes os espíritos que se deleitam com eles. E estando presentes, eles comunicam ao homem as suas afeições, os seus estados de amor, que eles inflamam com ardor crescente, fazendo com que ele ache cada vez maior prazer nos pensamentos concordantes e aumente a intensidade desses pensamentos.
Esta é a lei da associação espiritual que nós não podemos evitar; pois é estabelecida pelo Senhor para que o homem possa ter vida. A vida do homem lhe vem, mediatamente, através do mundo espiritual; e se ele fosse separado desse mundo, cessaria de viver. Ele deve ter companheiros que moram lá; companheiros que são realmente semelhantes a ele. Nenhum homem, nenhum espírito, nenhum anjo, pode viver independente de outros. Precisa haver consorciação com seus semelhantes, tanto no seu próprio plano de vida, como nos planos que estão acima e abaixo.
Para o homem que não entrou no estado de regeneração, para o homem que, como ramo, não habita na vinha e não produz fruto mas somente folhas e, entretanto, tem certa propensão para a vida regenerada, as palavras “trabalhai em mim” significam o seguinte: escolhe bem a tua companhia no mundo espiritual; o que quer dizer, evita entreter maus pensamentos. Se vierem pensamento de inimizade, de ódio e de vingança, pensamentos de desonestidade e de insinceridade, pensamentos de cobiça e indignidade, pensamentos de inveja e de ciúme, não os devemos entreter, mas repeli-los. Nossa resistência a eles deve ser instantânea, pois em toda hesitação há um perigo para a vida eterna.
Se houver essa resistência, os maus espíritos não alcançarão uma base para nos inspirar as suas más afeições. O homem precisa pensar; ele não pode viver sem pensar, e se ele afasta os maus pensamentos, entreterá os bons e, desse modo, os bons espíritos estarão presentes e inspirarão boas afeições. Estes espíritos serão então os seus associados, os seus companheiros; espíritos que estão no Corpo do Senhor, como os ramos de uma vinha.
Quando o homem persiste no governo de seus pensamentos, evitando os maus e entretendo os bons — evitando assim os maus espíritos e procurando os bons —, dá-se nele uma mudança. O seu próprio caráter como ramo, muda; a sua própria substância é mudada, de modo que de improdutivo ele se torna frutífero. É o Senhor que faz essa mudança, transformando-o num verdadeiro ramo.
Que o homem seja uma substância quando está no bem, e seja de uma outra quando está no mal, é ensinado nas seguintes palavras da Doutrina: “O mental cujos prazeres do amor são bons, consiste interiormente em substâncias espirituais, tais como as que se encontram no céu, enquanto que o mental cujos prazeres são maus, consiste inteiramente em substâncias espirituais tais como as que se encontram no inferno” (V. R. C. 38).
O afastamento das más companhias no mundo espiritual e a escolha das boas é a primeira coisa essencial para que o homem se torne um verdadeiro ramo da vinha; mas ter semelhante procedimento com relação às companhias neste mundo é também essencial, vindo logo depois da outra escolha em grau de importância. Com relação ao perigo das más companhias terrenas, lemos na Doutrina o seguinte:
“Que a freqüentação dos maus produz esse efeito, é o que se pode tornar evidente pelos exemplos seguintes: Se alguém permanece com ladrões e com piratas, torna-se enfim semelhante a eles; se alguém habita com adúlteros e prostitutas, acaba por encarar o adultério como nada; se alguém se mistura com aqueles que estão revoltados contra as leis, acaba por considerar como nada agir com violência contra o primeiro que aparece; com efeito, todos os males são contagiosos, e podem ser comparados à peste que se comunica só pela aspiração; e também a um câncer ou a uma gangrena que se espalha e putrefaz as partes vizinhas e sucessivamente as que estão afastadas, até que todo o corpo pereça; os prazeres do mal, em que cada um nasce, são a causa disso”. (V. C. R., 120)
Os ensinamentos dados aqui são apresentados em uma forma tão vigorosa que qualquer comentário que acrescentássemos de nada adiantaria. Desejamos apenas chamar a atenção para as palavras finais: “Os prazeres do mal, em que cada um nasce, são a causa disso”; isto é, fazem com que a maldade seja contagiosa. Aqueles que se imaginam fortes, que acreditam que podem, sem perigo, freqüentar más companhias, devem meditar muito sobre estas palavras. A sua pretensa fortaleza é uma fantasia, uma alucinação. Ele é inteiramente fraco, pois traz escondida em seu íntimo a inclinação para o mal, e as más companhias fariam com que essa inclinação se manifestasse. Esse homem é semelhante a uma pessoa sensível a uma moléstia contagiosa, que certamente o contaminará se ele for onde essa moléstia existe.
Aquele que quiser estar no corpo do Senhor, que quiser ser um verdadeiro ramo da vinha, que quiser habitar no Senhor, preste bem atenção às palavras da Doutrina acima mencionadas.
Nenhum homem está livre do perigo de ser desencaminhado por más companhias, tanto deste como do outro mundo. Precisamos estar constantemente em guarda contra a associação com essas companhias até o fim de nossa vida neste mundo. E o perigo continua a ameaçar-nos no outro mundo, no mundo dos espíritos; só ficando inteiramente livres dele quando atingirmos o nosso destino final no céu. No mundo dos espíritos o perigo de tais associações é grande; contudo, aqueles que, no mundo natural, evitaram essas associações, ficarão a salvo deste perigo. O mesmo, porém, não acontecerá com aqueles que, aqui, não tiveram esse procedimento.
Na mente de um membro da Nova Igreja pode surgir o pensamento de que, quando passar para o mundo dos espíritos, fará aí uso da liberdade de escolha que lhe foi dada e escolherá para sua companhia somente os que forem bons, mesmo que tal não tenha sido o seu costume durante a vida terrena e que, fazendo isso, acabará por entrar no céu. Quem entretiver tais pensamentos deve ler as páginas seguintes da Doutrina:
“Todo homem depois da morte vai para o mundo dos espíritos, e então é absolutamente semelhante ao que era antes, e entrando aí ninguém pode ser impedido de conversar com seus pais, seus irmãos, seus conhecidos e seus amigos, mortos antes dele; então cada marido procura desde logo a sua esposa, e cada esposa o seu marido, e as pessoas são introduzidas por uns e por outros em diversas reuniões de espíritos, que a princípio aparecem como ovelhas, e são por dentro como lobos; e por eles são pervertidos mesmo aqueles que se tinham dado à piedade; por conseguinte, e devido a artifícios abomináveis desconhecidos no mundo natural, aquele mundo está cheio de espíritos malignos, como um pântano esverdeado está cheio de ovos de rãs”. (V. R. C., 120)
À luz deste ensinamento, torna-se evidente que é inteiramente vã a suposição daqueles que não evitam as más companhias durante a vida neste mundo — companhias más de ambos os mundos — imaginando ter a possibilidade de fazê-lo quando chegarem ao outro mundo. Eles serão seguramente seduzidos e arrastados para o inferno. “Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará; e os colhem, e os lançam no fogo, e ardem”.
O homem precisa procurar com o mais ardente empenho estar no Corpo do Senhor, estar associado unicamente com os bons de ambos os mundos. Entretanto, todo esse esforço de sua parte não teria valor algum, e ele certamente sucumbiria às seduções e incitamentos do inferno, se não fosse a onipotência do Senhor; pois é somente Ele que, em virtude dessa onipotência, faz com que os esforços do homem sejam bem sucedidos e, depois do sucesso, conserva aquilo que foi adquirido. Aliás, isso é verdade não somente em relação aos homens mas também em relação aos anjos. Se não fosse a onipotência do Senhor, eles também seriam arrastados para o inferno, pois todos os anjos, quanto ao sem proprium, são maus, são suscetíveis de contágio. O perigo deles serem infectados, até ao ponto do céu universal ser destruído, existiu no tempo da vinda do Senhor sobre a terra. Os infernos tinham se elevado, conquistando o controle sobre o mundo dos espíritos, e estavam seduzindo os céus inferiores; e se tivesse sido permitido aos infernos completar a sua obra de sedução, mesmo os céus superiores teriam perecido, depois de privados de suas fundações. Mas o Senhor veio à terra e efetuou a redenção pela subjugação dos infernos.
Essa subjugação tinha por fim a preservação daquele corpo que é o Macro-Homo do céu e da Igreja. Este foi o trabalho da Redenção. E agora em Sua Segunda Vinda, quando condições semelhantes se apresentaram, outra Redenção foi efetuada. Como conseqüência dos frutos desta Redenção tais condições nunca mais surgirão. O Senhor estabeleceu uma ordem no mundo espiritual que será impossível para os infernos destruir jamais esse corpo que é o Macro-Homo. Este trabalho só a onipotência poderia realizar. Agora e para sempre, todo anjo, e todo homem que o quiser, pode habitar em segurança no Senhor, pode habitar como um ramo na vinha.
Se quisermos habitar n’Ele, nem todos os infernos juntos poderão impedi-lo. Pois o Senhor nos protegerá. Ele nos dará forças para recusar a companhia dos maus e escolher a dos bons; Ele nos libertará quando dermos lugar à sedução; Ele perdoará as nossas transgressões, e nos porá de novo no caminho da vida; e, por fim, Ele nos levará a todas as alegrias e felicidades daqueles que habitam n’Ele, concedendo-nos aquele amor e aquela fé e aqueles frutos que são as bênçãos da vida eterna.
Amém.

•   1ª Lição:     Josué 23
•   2ª Lição:     João 15
•   3ª Lição:     Doutrina da Vida 102