A VITÓRIA DE GIDEÃO


Sermão pelo Rev. Harold C. Cranch


“E foi o número dos que lamberam, levando a mão à boca, trezentos homens; e todo o resto do povo se abaixou de joelhos a beber as águas. E disse o Senhor a Gideão: Com estes trezentos homens que lamberam as águas vos livrarei, e darei os midianitas na tua mão, pelo que toda a outra gente se vá cada um ao seu lugar. Então repartiu os trezentos homens em três esquadrões; e deu-lhes a cada um em suas mãos buzinas, e cântaros vazios, com tochas neles acesas. Tocando pois os trezentos as buzinas, o Senhor tornou a espada de um contra o outro”.

(Juízes 7, 6;7;16;22)

As batalhas travadas por Israel através de sua história são relatadas na Palavra porque retratam as lutas espirituais pelas quais têm de passar todos os homens da Igreja. Desde o momento em que este recebe as primeiras verdades espirituais, começa para ele uma série de combates, tendo por fim promover a sua regeneração. Esta inevitável guerra espiritual que a verdade traz consigo, se revela nas palavras do Senhor, quando disse: “Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada” (Mateus 10,34). Só podemos realizar o propósito de nossa criação, lutando contra os nossos maus desejos até que sejam destruídos; e esta luta deve ser empreendida com as armas das verdades da religião.
As batalhas da regeneração são vivamente representadas na história de Gideão. No seu tempo, os israelitas tinham conquistado as terras altas da Terra de Canaã e moravam no topo das montanhas. Nas planícies, porém, os seus inimigos ainda estavam fortes. E a Palavra nos diz que os israelitas, depois de feitas as suas plantações, tinham que vigiá-las até a colheita, senão os inimigos, subindo das planícies, faziam incursões em suas terras e levavam as colheitas ou destruíam o fruto do seu trabalho.
Assim acontece conosco. Quando compreendemos e aceitamos as belas verdades da religião aprendendo a amar os seus princípios, conquistamos as terras elevadas do espírito. Habitamos nos topos das montanhas do amor ao Senhor e da caridade para com o próximo. Nessas alturas de nosso caráter, nós armazenamos os amores da inocência, da justiça, da misericórdia e da verdade. Nós os cultivamos e semeamos em nossas mentes as sementes de uma vida de uso genuíno. Mas nos vales — nos planos inferiores de nosso caráter — moram os nossos inimigos. São os estados de vida não regenerada com seu amor do mal, com o ódio, a vingança, a crueldade e o egoísmo. A nossa mente está dividida em dois campos hostis, e não pode haver paz enquanto um ou outro não for vitorioso. E enquanto não alcançarmos a vitória sobre o mal, muitos dos frutos de nossa natureza superior serão destruídos antes de poderem ser usados para fortalecer a nossa vida espiritual.
Os inimigos que assolavam os filhos de Israel no tempo de Gideão eram os midianitas e os amalequitas, e os filhos do Oriente (Juízes 6,33). Os amalequitas eram os mais terríveis. Tinham combatido Israel durante a sua travessia do deserto, caindo sobre os fracos e desgarrados e destruindo-os. Representam as falsidades insidiosas que são inspiradas pelo inferno e que procuram impedir que os homens observem os mandamentos Divinos. São a voz da persuasão e do desencorajamento que sussurra: “Que vantagem há em levar uma vida honesta e direita? Ninguém faz isso. Porque só você há de querer passar por tolo? Goze a vida e faça o que lhe agrada”. Esses raciocínios sedutores desviam os espiritualmente fracos e destroem os desgarrados.
Os midianitas não foram sempre inimigos de Israel, pois essa nação representa as verdades externas. Algumas vezes estas verdades externas auxiliam o nosso desenvolvimento espiritual. São, porém, meramente introdutórias. Precisamos penetrar mais profundamente na verdade mesma, e deixar para trás estas aparências externas. Se voltarmos a elas e negarmos os princípios internos a que nos deveriam conduzir, elas serão falsificadas e destruirão, efetivamente, todo progresso de nosso entendimento.
Os filhos do Oriente significam, muitas vezes, os conhecimentos do bem e da verdade, mas quando se tornam inimigos de Israel, como no tempo de Gideão, representam as falsidades que estão presentes em todo homem — falsidades que são parte de seu ambiente —, e as superstições que nascem da ignorância. Estas também se opõem ao pleno estabelecimento da vida espiritual.
Estes três inimigos, tomados em conjunto, representam um tipo de religião natural segundo a qual devemos fazer o que todos fazem, sem pretender nos tornar melhores nem piores com eles. Sustentam que é inútil empreender a obra da regeneração e pregam a fé cega como o único meio de salvação; alegam que ninguém pode realmente compreender os mistérios sagrados, de modo que é inútil estudar a Palavra. São, pois, inimigos perigosos. De tempos em tempos eles assolam a nossa mente para destruir a nossa crescente apreciação da vida espiritual. A nossa religião tem que se refugiar nas colinas do pensamento interior e não permitir que seja mudada a nossa vida cotidiana.
Os israelitas protegiam as colheitas, debulhando-as, tanto quanto possível, em lugares fora do comum — da mesma forma, fazendo assim protegemos o nosso crescente entendimento da Palavra contra os ataques do mundo. Estava Gideão, por esse motivo, malhando o trigo em um lagar, quando o anjo lhe apareceu e mandou-o libertar Israel. Ele reuniu um grande exército, mas o Senhor lhe proibiu de usá-lo, para que os filhos de Israel não pensassem que obtinham a vitória por eles mesmos.
Por isso Gideão mandou para casa todos os que tinham medo, e ainda reduziu o número dos que ficaram por meio de uma prova no regato. Aqueles que perdiam tempo ajoelhando-se e abaixando-se para beber água no córrego, eram postos de lado, mas os que tomavam a água na mão e a bebiam rapidamente, lambendo-a, eram escolhidos. Somente trezentos homens foram deixados para lutar contra as grandes hostes do inimigo. Era evidente que só a presença do Senhor podia levá-los à vitória.
Gideão armou-os com armas fora do comum. Para cada um deu uma trombeta, para ser levada na mão direita, e um pote com uma tocha acesa que deviam levar na mão esquerda. E naquela noite, depois de dividi-los em três companhias, aproximaram-se do inimigo por três lados e, a um dado sinal, tocaram as trombetas e quebraram os potes para mostrar as tochas acesas que eles continham. Na confusão e no tumulto provocado pelos brados dos soldados que gritavam: “A espada do Senhor e de Gideão”, os guerreiros inimigos se atacavam uns aos outros “voltando-se a espada de cada um contra o seu próximo” e, finalmente, fugiram em completa derrota. Assim o Senhor estabeleceu a paz por meio da obediência de Seu servo Gideão.
Todos os incidentes desta história têm uma importante relação com o nosso desenvolvimento espiritual. Eles mostram como a verdade progride de uma aceitação interna e idealística para se tornar depois o poder dominante que governa a nossa existência cotidiana. Até que estejamos preparados para começar a guerra da regeneração, a verdade que conhecemos fica confinada no topo das montanhas de nossos ideais mais elevados. Achamos que ela é bela, mas ainda tem pouca força em nós.
Contudo estes belos princípios e ideais procuram influir em nossa vida; refletimos sobre eles, malhando o trigo e peneirando-o para separar a casca e recolher o grão limpo. Que isso tenha sido feito dentro do lagar, significa que nós só podemos fazer a separação entre o bem e o mal pelo exercício de nossa razão. Enquanto estamos empenhados nessas reflexões, o Senhor pode falar conosco por meio da verdade que tornamos nossa com essa reflexão e confirmação conseqüente, e organizar nossa vida para se opor, com sucesso, à nossa natureza inferior.
Entretanto, Ele nos ensina que a força reside no fato de Sua presença na verdade, e não em seu mero conhecimento. As únicas verdades que servem ao Senhor para o estabelecimento da liberdade espiritual são aquelas que nós queremos por em uso imediato. Essas verdades são os soldados de Gideão que lambiam a água apressadamente, tal como os cães no meio de uma caçada quando se detêm num córrego para lamber a água rapidamente. Estes soldados são os que ardorosamente procuram a verdade para refrescar-se para a batalha iminente.
Um armamento comum — trombetas, tochas, potes — é o que todo novo-jerusalemita precisa ter. Em toda a Palavra a trombeta representa a obediência aos mandamentos do Senhor. Esta trombeta sempre trará confusão ao mal. É assim que o som da trombeta derrubou as muralhas de Jericó. Estar armado com uma trombeta é conhecer a vontade do Senhor e obedecer aos seus mandamentos. O pote e a tocha dentro dele significam a própria Palavra. O pote é o vaso que contém a água da vida, que é a Divina Verdade destinada a tornar-se a luz do mundo. Mas o pote mesmo é o sentido literal da Palavra que, muitas vezes, esconde a ardente verdade interior.
Na batalha da tentação, ao comando do Senhor, este vaso é quebrado e a luz e o poder da Divina Verdade interior nos são dados para completa confusão de nossos opositores. Falsidades, enganos e ignorância caem diante da ofuscante radiosidade da verdade espiritual, e ficam impotentes ao som das trombetas. Enquanto obedecemos ao Senhor, os nossos amores não nos podem criar obstáculos. Derrotados e confusos, os males se destroçam a si mesmos. Quando os trezentos soldados de Israel gritaram: “a espada do Senhor, e de Gideão”, os midianitas mataram-se uns aos outros, porque “o Senhor tornou a espada de um contra o outro”.
Dentro de nós estão todas as forças simbolizadas por este dramático incidente. Em nossa mente há elevados ideais, e também baixos desejos e ambições meramente naturais. E entre as verdades que conhecemos há muitas que estão associadas com o medo da luta porque ainda não foram incorporadas ao nosso caráter. Estas são os guerreiros que foram mandados para casa antes da marcha contra o inimigo. Mesmo assim restam mais verdades do que necessitamos — verdades já confirmadas que suportarão qualquer prova —, e estas são separadas pelas águas.
Aqueles que bebem com cuidado e sem pressa, são mandados para as suas tendas. Somente os que sorviam a água às pressas, é que eram necessários. Algumas verdades que conhecemos e firmemente aceitamos parecem ter pouca influência sobre a nossa vida. Nós as estimamos e por meio delas tiramos da Palavra outras verdades que as confirmam, mas estas verdades não têm pressa em sorver as águas vivas da Palavra. Não instigam as nossas mentes para a luta, entretanto aí se encontram para quando forem necessárias. São a força e o baluarte de Israel.
Há, contudo, outras verdades que estão em imediata relação com a nossa própria vida; verdades que nos modificam e que mudam o nosso modo de pensar. Estas estão prontas para a luta. Tiram da Palavra as confirmações e ilustrações de que necessitamos, mesmo quando têm pressa de ir para adiante. São as forças combatentes de nosso espírito. São as verdades ativas que nos afetam vitalmente. Por meio delas o Senhor pode destruir os nossos males e dar-nos a vitória. Através delas o Senhor põe a nossa mente me ordem. Pelo som da trombeta de seus claros ensinamentos e pelo entusiasmo e zelo que despertam, os vasos são quebrados e a luz da verdade que eles escondiam brilha nos escuros recantos de nossa mente para revelar o inimigo e levá-lo à mais completa derrota.
Só desse modo podem os nossos males ser vencidos: pondo ordem em nossa vida e levando-nos a formar o propósito de obedecer à Lei Divina. Pois então é o Senhor que luta por nós para nos dar a vitória interna e a paz eterna.
Amém.

•   1ª Lição:     Juízes 7, 1-8; 15-23
•   2ª Lição:     Mateus 10, 16-42
•   3ª Lição:     A. C. 8965 – 8969