A SEMENTE QUE CAIU EM SOLO PEDREGOSO


Sermão pelo Rev. Karl R. Alden


“E outra parte caiu em solo pedregoso, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda; mas, vindo o sol, queimou-se,
e secou-se, porque não tinha raiz”.

(Mateus 13,5-6)

Nesta parábola, o Senhor Jesus Cristo é apresentado como semeador. A semente que Ele semeia é a Sua Palavra, sendo que o coração humano é a terra onde se faz a sementeira. Esta semente é recebida pelos homens de seis maneiras diferentes, sendo três más e três boas; e o que determina a espécie da recepção diz respeito às raízes que se permite à semente lançar.
No primeiro caso a semente cai no pé do caminho e, devido às más condições do solo — duro e batido — ela não pode, de modo algum, lançar as suas raízes. Neste caso, o Senhor compara a semente às verdades que caem na mente, mas não são compreendidas. Essas sementes são apanhadas pelos maus, de modo que não podem dar frutos.
No segundo caso, a semente cai em solo pedregoso, recoberto por uma delgada camada de terra. Aqui a semente brota rapidamente devido à pequena espessura do solo em que está alojada. Mas em breve a raiz será frustrada em seu impulso para baixo; e quando o sol se levantar, ela será queimada e secará porque não tem raízes.
No terceiro caso, a semente cai entre espinheiros. Aqui há terra boa; a semente pode lançar suas raízes profundamente e elevar o seu caule, mas surgem dificuldades porque ela não está só no terreno. Os espinheiros também encontram aí um bom solo, e as suas fortes raízes comprimem as tenras raízes de boa semente. “Os cuidados do mundo, e a sedução das riquezas” que estes espinheiros representam, apertam as raízes da boa semente, acabando por sufocá-la. Estas três maneiras de rejeitar a verdade retratam a origem do inferno.
Por outro lado, a recepção da verdade por aqueles que estão a caminho do céu, é descrita pela semente caindo em boa terra. Esta boa terra representa a afeição da verdade pela própria verdade, a qual também se subdivide em três graus. Pois alguns produzem cem por um, representando os que se regeneram no grau celestial e vão fazer parte do Céu íntimo — são as pessoas que fazem completo uso das delicadas afeições pela verdade que nelas foram implantadas na infância e na meninice —, afeições que são chamadas restos ou relíquias, sendo representadas pelo número dez. quando este número é multiplicado por si mesmo, de modo a fazer cem, significa adquirir, por sua vida, “o bem do céu completo” (A.C. 4400). E assim, cem vezes representa a regeneração no grau celeste.
Os que produzem sessenta por um, são as pessoas que vão parta o céu espiritual. O número sessenta significa “o tempo e o estado completo da implantação da verdade”; pois sessenta se compõe de dez e de seis; sendo que dez significa “relíquias” e seis representa “o combate” (A. E. 634-37).
Os que produzem trinta por um são os que vão para o céu natural; pois trinta “significa um pequeno resultado e também o que trabalha pouco”, como nos ensina a Doutrina. Por causa desse pouco, as pessoas nestas condições vão apenas para a parte externa do céu, isto é, para o céu natural.
Temos então aqui uma imagem do crescimento dos diferentes céus, cada um deles utilizando o bom campo para produzir uma determinada medida de frutos; uns mais e outros menos. É assim que o celestial recebe o Divino mais plenamente do que o espiritual e este, por sua vez, mais plenamente do que o natural.
Quando o Senhor falou estas palavras, Ele era um exemplo vivo das verdades que saíam de Seus lábios. Ele tinha estado na casa onde alguns lhe tinham vindo dizer: “Senhor, Tua mãe e Teus irmãos estão aí fora desejando falar-Te”. Então Ele, estendendo as mãos para Seus discípulos, disse: “Eis minha mãe e meus irmãos!” — ensinando assim que, quanto ao Seu Divino Humano, Ele tinha nascido de Deus, e não de Maria. “Então Ele foi para o lado do mar, e grande multidão o seguiu, pelo que Ele entrou em um barco e sentou-se, e toda a multidão permaneceu na praia”. Tendo assim renegado Maria, Ele firmou o Divino Humano; e foi pelo Divino Humano que Ele ensinou a multidão. E suas graciosas palavras caíram nas mentes dos que estavam diante d’Ele, exatamente como a semente do semeador cai sobre o campo.
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Depois dessa exposição geral, tratemos mais particularmente da semente que caiu entre as pedras, a qual, “vindo o sol, queimou-se, e secou-se, porque não tinha raiz”.
É fato sabido que a semente que cai em uma superfície de pedra, ligeiramente coberta de terra, brota mais prontamente do que a semente que cai em terra rica e profunda. A razão disso é que a rocha recebe e armazena, durante o dia, considerável quantidade de calor que, aliado à umidade do sereno que molha a semente, durante a noite, faz com que ela germine rapidamente. Desta forma a planta aparece prematuramente, mas, como lhe faltam as raízes, vindo o sol, ela é queimada e “porque não tem raiz”, seca.
No mundo de hoje, há muita moralidade que é semelhante a esta recepção da semente — pessoas que são boas pelo gosto de serem boas, mas que não têm uma profunda convicção religiosa por trás de sua bondade; pois comumente se acredita que qualquer um pode ser bom. A ilusão desta crença se torna manifesta quando as lutas da vida fazem pressão sobre o indivíduo. Serão as ardentes paixões de seu amor próprio que produzirão o julgamento. Ele será “queimado” e, porque não tem raízes nas verdades da Revelação, “secará”. Pois o bem sem conjunção com a verdade — bem que não tem raízes que penetram profundamente na mente espiritual —, não pode suportar o ardente calor do amor próprio. Esses estados são semelhantes à semente que cai em um campo de pedra. “Vindo o sol, ela é queimada e seca porque não tem raízes”.
Explicando a significação espiritual da semente que cai em solo pedregoso onde não há muita terra, dizem os Escritos:
“As sementes significam as verdades da Palavra, isto é, as verdades que o homem recebe do Senhor; pois se diz depois que é o Filho do Homem que semeia. O solo pedregoso significa uma fé histórica, que é a fé de outros em nós mesmos, que consiste em crer que uma coisa é verdadeira, não porque nós mesmos sentimos, mas porque outro, em quem temos confiança, disse isso. A terra significa o bem espiritual, porque este recebe as verdades como o solo recebe as sementes; a vinda do sol aqui significa a vinda do amor de si; e ser queimado e secar-se significa ser adulterado e perecer. Isto torna claro o que é significado por estas palavras do Senhor em série, a saber, que as verdades que são implantadas desde a infância pela Palavra ou pela pregação, quando o homem começa a pensar por si mesmo, são adulteradas e perecem pelas cobiças do amor de si. Todas as coisas da Palavra são realmente verdades, mas são adulteradas pelas idéias do pensamento concernentes a elas, e pelo domo porque são aplicadas; conseqüentemente, as verdades em tais pessoas não são verdades, exceto em relação à sua mera pronunciação. Isto é assim porque toda a vida da verdade provém do bem espiritual, e o bem espiritual tem sua sede na mente mais elevada ou interior, que é chamada a mente espiritual. Esta mente não pode ser aberta naqueles que estão no amor de si, pois em todas as coisas eles olham para o próprio. Se elevam seus olhos para o Céu, o pensamento de seu espírito ainda é mantido na consideração do próprio; e pelo fogo de sua própria glória incita as coisas sensuais externas e corporais que forem ensinadas desde a infância, à imitação das coisas que pertencem ao homem espiritual” (A. E. 401/35).
O fracasso neste caso, não é devido à semente, mas à afeição que recebe a semente — afeição representada pela delgada camada de terra cobrindo o subsolo pedregoso. Qual é o amor que encobre esse subsolo? É o amor da glória, o amor da reputação, o amor da honra. Abrasado por estes amores, uma pessoa pode apoderar-se de verdades da Palavra e, com imenso zelo, produzir obras que apareçam diante dos homens como frutos de um genuíno novojerusalemita. Devido à força e instância do amor de si, isso pode progredir mais rapidamente do que a semente recebida em um bom solo, e perante os olhos dos homens, a princípio, aparece como assim sendo. Contudo, internamente, há apenas uma fé histórica ou tradicional. Quer dizer, uma fé que outros nos ensinaram — uma fé que nunca examinamos por nós mesmos segundo as verdades da Palavra.
A única coisa que pode receber a verdade é a afeição. Onde não há afeição, a verdade é como a semente que cai ao lado do caminho. Ela jamais germinará, pois será logo dissipada pelos pensamentos vãos e pelos erros de nossa mente.
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O caso da semente caindo em solo pedregoso torna-se particularmente interessante para nós que estamos empenhados na educação da Nova Igreja, porque ele nos revela as deficiências da fé histórica. E tudo o que uma geração pode dar a outra geração, é uma fé histórica. Se não fosse assim, uma geração poderia predestinar a geração seguinte, mas isso o Senhor não permite; pois Ele guarda; Ele preserva o dom que nos deu da própria determinação, mais inviolavelmente do que guarda qualquer outro dom.
Acima de todas as coisas que o hereditário, o meio em que vivemos e a educação podem fazer pela mente externa, reside, entronizado na mente interna, o próprio homem. E ele tem a liberdade de conservar a sua fé histórica ou de separar-se dela. Ninguém mais pode determinar a sua escolha; ninguém pode privar o homem da responsabilidade de agir por si mesmo. A vida do homem nesse plano é secreta, invisível aos olhos de seu próximo, conhecida somente por ele mesmo e pelo Senhor; é a raiz que fica escondida embaixo da terra.
Quando a semente é semeada, os homens vêem os verdes brotos saindo da terra, mas o que está acontecendo por baixo mantém-se oculto para eles. Pode ser que as raízes sejam profundas, ou pode ser que sejam superficiais; só o tempo poderá dizê-lo. Pois se a semente da verdade que começou a crescer revela ao homem os seus males, e ele não quer renunciar a esses males como pecados contra Deus, então se aborrece da verdade e é ferido pelo ardor do ódio, como o trigo que não tem raiz é queimado pelo ardor do sol; e, porque não tem raiz na afeição da verdade, essa verdade, que começou a despontar, seca.
Todos os que foram trazidos para a Nova Igreja receberam uma fé histórica. Todos são tentados a aparentar o que ainda não são. Todos são tentados a receber a semente de nossa Doutrina em solo superficial, onde ela pode produzir uma luxuriante e bela aparência, brotando mais rapidamente do que a semente profundamente enraizada, embora tendo escondida interiormente a invisível e terrível tragédia — a tragédia da falta de raízes. “Mas não tem raízes em si mesmo, antes é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição por causa da Palavra, logo se ofende”.
Compete a nós determinar a qualidade da nossa fé; e a qualidade da fé é sempre determinada pela qualidade do amor que inspira essa fé. Se a fé brota do amor de si, só pode conduzir à cegueira, só pode terminar em desastre. Mas se a fé provém do amor à verdade pela própria verdade, não importa que seja insignificante no princípio, pois está destinada a crescer, está destinada a projetar raízes profundas no subsolo, onde correm “as águas vivas”. No começo ela pode ser como um grão de mostarda, que é a menor de todas as ervas, mas, no fim, se tornará uma árvore em cujos ramos as aves do céu farão morada.
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Ao lavrador o Senhor dá o solo, mas exige que ele o cultive, e que o prepare para a recepção da semente. O milagre do crescimento é o Senhor que o realiza. Entretanto Ele deu ao homem uma tarefa, e o sucesso da colheita depende da maneira pela qual o homem executa essa tarefa. Assim também acontece com o crescimento espiritual. O Senhor dá a verdade e cria também a afeição pela verdade, mas dá ao homem a tarefa de preparar sua mente e seu coração para que se tornem formas de afeição da verdade. Pois os Escritos nos ensinam claramente que o homem nunca é instruído pelas verdades, mas pela afeição da verdade. Vejamos o que dizem os Escritos a esse respeito:
“Ninguém é jamais instruído pelos veros, mas pela afeição do vero; pois os veros sem a afeição chegam, em verdade, ao ouvido como um som, mas não entram na memória; o que faz com que eles entrem na memória e aí fiquem fixados é a afeição; com efeito, o bem da afeição é como um húmus, no qual os veros são depositados como sementes, mas tal é o húmus, sito é, tal é a afeição, tal é o produto do que foi semeado; é o fim ou o uso que mostra qual é o húmus ou qual é a afeição, por conseqüência qual é o produto do que foi semeado; ou, se se prefere, é o amor mesmo que o mostra, pois o amor é em todas as coisas o fim e o uso; com efeito, não se tem por fim e por uso senão o que se ama” (A. C. 3066).
Assim, o campo que recebe a semente é a afeição da mente do homem. O estado da mente representado pela “beira do caminho” é típico do estado em que não há afeição alguma pela verdade espiritual. A semente pode, de fato, ser semeada em uma mente que está nessas condições, mas ela aí permanecerá como uma presa fácil do primeiro pensamento falso que a atravessar; aí permanecerá sem ser amada nem compreendida, podendo, por isso, ser facilmente arrebatada pelos maus.
No caso da semente semeada em solo pedregoso, a única afeição existente é o amor de si. E escudados por trás de uma fé histórica, nós conservaremos, nesse estado, a nossa respeitabilidade externa, enquanto no íntimo não renunciamos a mal algum.
Já no caso da semente caída entre espinheiros, o terreno é evidentemente bom, mas a afeição da verdade está posta em competição com a afeição do mal. As pessoas nesse estado impressionam-se com a verdade, mas não deixam que ela frutifique e purifique as suas vidas; de modo que os males, não evitados, acabarão por destruir completamente a sua afeição pela verdade.
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Como, então, poderemos receber a semente em um bom terreno? Como poderemos ser dotados pelo Senhor com a afeição da verdade? Como poderemos desenvolver uma raiz que penetre em um solo cada vez mais rico e mais frutífero?
Os Escritos respondem claramente a essas perguntas. O homem não pode criar em seu coração novos amores pelas coisas espirituais, mas pode, como por si mesmo, evitar os males como pecados contra Deus. Exatamente como o lavrador pode preparar o seu campo, assim o homem pode preparar a sua mente. E à medida que o homem evita os males como pecados contra Deus, o Senhor enche seu coração com o amor do bem oposto ao mal evitado.
É assim que, quando uma pessoa repele o desejo de matar, com as respectivas afeições da raiva, da inveja e do ódio, sendo essas cobiças removidas de seu coração, o lugar delas é logo ocupado por um amor do próximo que vai se tornando cada vez mais profundo. Também, à medida que o homem evita as cobiças do adultério, e a união do mal com o falso, o Senhor o dotará com o amor do casamento do bem com a verdade, que é a essência íntima do amor conjugal. À medida que ele evita o mal do roubo, com suas cobiças — e o evita como um pecado contra Deus —, o Senhor, então, encherá seu coração com o amor pela sinceridade, ficando a sua mente satisfeita com a sua própria sorte. À medida que ele evita todo falso testemunho e toda mentira como um pecado contra Deus, então o campo de sua mente será formado por uma grande afeição pela verdade.
É somente deste modo que o Senhor pode dotar o homem com afeições novas e vivas. Estas afeições são como raízes que têm o poder de penetrar cada vez mais profundamente no Reino de Deus. Em toda palavra verdadeira saída da boca do homem e todo ato bom praticado por suas mãos, há vida espiritual. Mas a raiz não se detém no espiritual, pois e espiritual não pode viver por si mesmo, da mesma maneira que o natural também não o pode. O espiritual, por sua vez, vive do celestial, como o natural vive do espiritual. Mas o celestial, para viver, depende do Senhor, de modo que a raiz do homem bom deve estender-se pelo mundo espiritual, até que, por assim dizer, seja tocada pelo dedo de Deus. A esse respeito os Escritos nos ensinam:
“Há no homem três coisas que tendem para um fim comum, e que se unem: o natural, o espiritual e o celestial. O natural do homem não recebe vida alguma a não ser por intermédio do espiritual; e o espiritual não a recebe senão do celestial; e o celestial não a recebe senão do Senhor Só, que é a Vida mesma” (A. C. 880).
As raízes de um novo novojerusalemita são as afeições que ele tem pelas Doutrinas da Nova Igreja. Uma grande raiz está firmemente enrolada em torno da Doutrina de um Deus Único, em uma Única Pessoa, que é o Senhor e Salvador Jesus Cristo. Outra raiz liga-o à crença na Segunda Vinda do Senhor, agora revelada no sentido espiritual da Palavra. Uma outra, ainda, mergulha profundamente no mistério da morte e mostra-lhe um mundo cheio de vida, com homens e mulheres, e usos eternos. Uma tenra raiz envolve as suas afeições a respeito da doutrina do amor conjugal — essa união inseparável de um homem com uma mulher, que desafia a morte e torna-o cada vez mais sábio, mais feliz e mais livre. E, finalmente, uma última raiz apega-se à idéia de que a salvação não pode ser encontrada pela fé só, nem pelo mérito das obras; mas unicamente em uma fé sincera unida ao justo desempenho de usos neste mundo.
Feliz o homem que tem tais raízes.
“Porque — como lemos no livro de Jeremias — será como a árvore plantada junto às águas, que estende as suas raízes para o ribeiro, e não receia quando vem o calor, mas a sua folha fica verde; e no ano da sequidão não se afadiga, nem deixa de dar fruto” (Jeremias 18,8).
Amém.

Lições:   • Jeremias 18, 1-14
• Mateus 13, 5-6
• N. J. H. D. 11-13