A SEARA ABANDONADA


Sermão pelo Rev. F. E. Gyllenhaal


“E vendo a multidão, teve grande compaixão deles, porque andavam desgarrados e errantes, como ovelhas que não têm pastor. Então disse a seus discípulos: A seara é realmente grande, mas poucos os ceifeiros.
Rogai pois ao Senhor da seara que mande ceifeiros para a sua seara”.

(Mateus 9,36-38)

O sentido literal do texto mostra uma grande multidão cansada e aborrecida, desgarrada e faminta, em uma situação miserável e sem um guia. Essa situação despertou a compaixão do Senhor. Falando a seus discípulos, Ele comparou essa desgraçada multidão a uma grande seara, e lamentou a falta de ceifeiros para recolhê-la aos celeiros, isto é, a falta de homens para ensinar e guiar a multidão e colhê-la para o Reino de Deus. A conclusão evidente é que o povo era bom e que, sem culpa de sua parte, estava desprovido de guias e de mestres e, por isso, em uma situação espiritual de abandono e desprezo. De um campo de trigo maduro que permanecesse inútil por falta de ceifeiros, diríamos que era uma seara abandonada, a mesma coisa poderíamos dizer de tal multidão que era uma imensidão de almas abandonadas, devido à falta de guias e de mestres, como “ovelhas que não têm pastor”.
Mas o Senhor falou por parábola. Na realidade Ele não estava comparando a multidão a uma abundante colheita de almas, mas estava falando do estado da Igreja Judaica no seu fim, da sua maturidade para o julgamento, da conseqüente separação do mal de junto do bem, e da instituição de uma nova Igreja com os restos das almas que podiam ser salvas naquela Igreja.
Imediatamente depois das palavras de nosso texto, se diz que o Senhor escolheu doze discípulos, e mandou-os pregar e curar em Seu nome. Eram estes os ceifeiros que Ele mandava para a Sua seara. Os doze discípulos representavam todas as verdades da Palavra — verdades pelas quais os julgamentos e as separações deviam ser efetuados entre os que as recebessem e os que as rejeitassem; verdades pelas quais o reino de Deus devia vira à terra em uma nova Igreja.
O Senhor disse muitas parábolas referentes a esta colheita, relativas a este estado final da Igreja judaica e ao primeiro estado da (nova) Igreja Cristã que Ele estava estabelecendo naquela ocasião; envolvendo também, profeticamente, a colheita ou julgamento que teria lugar em Sua Segunda Vinda, como está representado nestas palavras do Apocalipse:
“E olhei, e eis uma nuvem branca, e assentado sobre a nuvem um semelhante ao Filho do Homem, que tinha sobre a sua cabeça uma coroa de ouro, e na sua mão uma foice aguda. E outro anjo saiu do templo, clamando com grande voz ao que estava assentado sobre a nuvem: Lança a tua foice, e sega; pois já é vinda a hora de segar, porquanto já a seara da terra está madura. Àquele que estava assentado sobre a nuvem lançou a sua foice à terra, e a terra foi segada”. (Apoc. 14, 14-16)
Na parábola de nosso texto o Senhor fala da multidão faminta que não podia ser alimentada porque faltavam ceifeiros para colher a abundante seara. O sentido interno da parábola ensina que a seara abundante de que o Senhor falava era a abundância de bens e verdades Divinas e espirituais que Ele tinha amadurecido para os homens, que tinha dado a todos os homens; seara que Ele, em Pessoa, tinha vindo dar a eles para sua alimentação e salvação espiritual. A multidão estava miserável por falta da colheita desta seara. Entre eles, todos os que estavam famintos de alimento espiritual tinham falta de bens e de verdades da Palavra, porque os pastores da Igreja judaica tinham cessado de provê-los.
Deus, desde o começo, tinha provido em Sua Palavra os bens e as verdades com abundância. Em relação às Suas dádivas, sempre foi verdade que a “seara” é realmente grande. Quando elas faltavam aos homens, era porque estes não as queriam receber. Desejavam somente coisas materiais, e não as espirituais; alimento natural, e não espiritual. Pela falta de ceifeiros, o Senhor queria significar a falta de homens que quisessem receber e ensinar de acordo com Ele, as verdades da fé e os bens da vida — a falta de homens que quisessem aceitar os Seus Divinos ensinamentos, e transmiti-los, como tais, a todos os homens.
Os “ceifeiros”, portanto, no sentido espiritual, significam as verdades da Palavra recebidas pelos homens que as ouvem ou as lêem, ou as verdades adquiridas por seu próprio esforço, meditando e estudando a Palavra e vivendo de acordo com Ela. Estas verdades nos preparam para a recepção dos bens e das verdades que descem por um caminho interno, pelo influxo do Senhor. Elas nos habilitam a gozar a “abundante colheita” provida pelo Senhor. Mas quando Ele veio à terra achou poucos homens em condições de receber a verdade de Sua Palavra.
A significação interna de nosso texto, portanto, apresenta um verdadeiro quadro do estado da humanidade por ocasião da Primeira Vinda do Senhor. Hoje, existe um estado semelhante. Quando olhamos para as multidões humanas parece que temos diante de nós uma abundante seara para a Nova Igreja, a Igreja da Segunda Vinda do Senhor. Mas essas centenas de milhões de pessoas serão mesmo uma seara abundante? Não! Na realidade essas multidões têm grande necessidade da colheita de alimento espiritual, mas não querem aceitar a abundante seara desse alimento que lhes foi provida na Doutrina Celeste da Nova Igreja. E os ceifeiros ainda são poucos.
Mesmo nesta era da Segunda Vinda do Senhor, em que os ceifeiros são Divinamente providos com as verdades racionais para formação da mente e sua preparação para receber o alimento espiritual, em que todas as coisas Divinas e espirituais se tornaram claras, de modo que todo homem tem a possibilidade de entendê-las, mesmo hoje, são poucos os que as querem receber. Sentimos, entre nós, essa dificuldade.
E quão poucas pessoas desejam consagrar suas vidas à nobre missão de ensinar aos homens as verdades da fé e os bens da vida, e dessa forma conduzi-los ao Reino de Deus! Há homens que querem ensinar por si mesmos, pregando as suas próprias elucubrações, as suas próprias teorias e dogmas. Há homens que querem guiar o povo a céus imaginários. E as multidões preferem ouvir os mercenários e os falsos pastores em vez de ouvir a Palavra de Deus! Por que acontece isso? Por causa de seu amor ao mundo e do seu amor de si — por causa de sua indolência mental e de sua apatia; porque perderam o apetite para as coisas espiritual. As multidões preferem uma filosofia materialista à verdade espiritual e Divina.
É um triste fato esse que, entretanto, não queremos aceitar como verdadeiro. Este fato despertou a compaixão do Senhor quando estava no mundo, e por isso enviou ceifeiros para fazer voltar para Ele os corações dos homens. Quando estivermos inclinados a encarar esta atitude da humanidade como uma rejeição daquilo que lhe oferecemos, e nos faltar a compaixão que o Senhor sentiu pela multidão do Seu tempo, lembremo-nos então das palavras do Senhor a Samuel quando os israelitas clamavam por um rei que reinasse sobre eles: “Ouve a voz do povo em tudo que te disserem, pois não têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado para eu não reinar sobre eles” (I Samuel 8,7).
Se o grave estado espiritual dos homens excitar, hoje, a nossa compaixão e aumentar o nosso zelo de trabalhadores mandados para a ceifa, receberemos a iluminação necessária para nos mostrar claramente a natureza do trabalho que temos para fazer.
O Senhor teve compaixão das multidões. Isto significa que o Senhor tinha um pensamento interior a respeito do estado dessas multidões e, por isso, sabia exatamente o que era esse estado. Ele pensava pelo Divino em Si mesmo que é onisciente. Conhecia a corrupção, a ignorância e as misérias do povo. E proveu então, como sempre tinha feito, e como faz agora e fará sempre, o único meio de melhorar a sua situação dando, com abundância, os Seus Divinos ensinamentos e a inspiração para o bem da vida. Contudo, deixou o povo em liberdade, como sempre o fizera, para aceitar ou rejeitar os Seus bens e verdades.
Assim, a Sua compaixão pela multidão é uma lição para nós, mostrando-nos que devemos ter compaixão pela ignorância, pela desgraça e pelos pecados do próximo, assim como pelos nossos também. Devemos pensar interiormente a respeito dessas coisas, isto é, pensar pelo Senhor, ou pela Sua Palavra. Para que a nossa simpatia seja sincera e verdadeiramente útil aos outros, deve provir do amor infinito e da misericórdia do Senhor, e deve ser controlada pela Sua doutrina concernente à natureza humana e aos meios de reformá-la e de regenerá-la. Não devemos deixar por fazer as obras externas que melhorarão as condições humanas; não devemos deixar cair as mãos e esperar a ação de uma providencia miraculosa e imaginária; mas enquanto fazemos as obras naturais que são exigidas de cada um de nós, devemos também fazer as obras internas de direção e ensino provenientes do Senhor.
E sempre que formos levados a dar graças ao Senhor por todas as Suas bênçãos e misericórdias, devemos pensar seriamente no que vêm a ser as bênçãos e misericórdias do Senhor. Elas não devem ser medidas pela nossa participação individual. Ninguém deve dar graças somente por aquilo que recebeu; e muito menos se deve comparar o que se tem com o que os outros possuem. Conforme o nosso amor ao Senhor, os bens que temos na vida, o desempenho que damos aos usos espirituais e, portanto, conforme a qualidade e a quantidade do que fazemos como por nós mesmos, de acordo com o Senhor, é que ficamos em condições de receber as bênçãos e misericórdias do Senhor.
Pensemos, portanto, naquilo que o Senhor tem generosamente provido pra nós mesmos, como para todos os homens. Pensemos não somente nos frutos da terra, mas também no alimento espiritual sem o qual ninguém vive verdadeiramente. Não deixemos que o nosso reconhecimento de Sua generosidade seja manchado por dúvidas a respeito de Sua Justiça, provenientes de reflexões sobre as desigualdades que vemos na vida humana. Façamos com que a nossa confiança em que Ele proverá sempre para cada homem aquilo que é melhor para cada um, seja firmemente fundada sobre a voluntária e racional aceitação das doutrinas Divinamente reveladas a respeito de Sua Providência universal e singular.
Confessemos honestamente que somos realmente indignos das bênçãos espirituais e materiais que temos recebido. E deixemos que os nossos corações se encham de alegria, porque somos capazes de ver racionalmente, na luz da Divina Verdade, algumas das poucas coisas da significação interna da Palavra, e tirar daí uma doutrina de vida que nos protegerá contra os infernos e nos conduzirá para a vida eterna no Céu.
Amém.

•   1ª Lição:     Levítico 23, 33-34
•   2ª Lição:     Mateus 9,36 e 10,20
•   3ª Lição:     A. C. 8478