Agradar ao Senhor


Sermão pelo Revmo Bispo Peter M. Buss

“Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus? 

(Miq. 6:8)

São palavras magníficas, que dão conforto à alma cansada, que está sentindo o peso do fardo do pecado!
Importa conhecer o contexto em que elas são pronunciadas: o Senhor argüía o Seu povo. Eles se tinham desviado dEle, não O obedeciam. Mas Ele não os deixava. Antes, o que lhes tinham feito?  Então, o povo – ou talvez o rei – que nessa época era Ezequias, deu a resposta. O que o Senhor quer de mim? O que Ele espera de mim, levando em conta especialmente o meu passado de impiedade? O culto externo, práticas extravagantes? Ou seria o sacrifício de um filho, a coisa mais preciosa de minha vida?
No sentido interno, deparamo-nos com um conflito de idéias mais completo e ainda mais admirável. A solução desse conflito simplificaria nossas vida, nesse confuso mundo em que vivemos. As palavras não estão aqui por acaso: cada uma delas indica uma atitude a ser tomada na vida.
“Com que me apresentarei ao SENHOR, e me inclinarei diante do Deus altíssimo? Apresentar-me-ei diante dele com holocaustos, com bezerros de um ano? Agradar-se-á o SENHOR de milhares de carneiros, ou de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu ventre pelo pecado da minha alma? (Miquéias 6:6, 7)
“Com que me apresentarei ao SENHOR, e me inclinarei diante do Deus altíssimo? Esta é a resposta natural: voltaremo-nos para o Senhor em oração, em confissão, esperando que daí sejamos perdoados. Esta passagem, junto a várias outras, é freqüentemente citada na Palavra como uma ilustração do fato de que o culto externo, a confissão e a oração não nos purificam. São palavras dirigidas a nós. Os rituais e o culto não são em si mesmos as coisas que agradam ao Senhor, nem Ele os quer como fins em si mesmos.
Também nós caímos no engano de confessar nossos males, ter um certo remorsos, reconhecer que somos pessoas más... sem uma intenção séria de mudar a vida. Também nós erramos em nos acomodar com o fato de que somos membros da Igreja, sem esforço real pelos atos de penitência.
Apresentar-me-ei diante dele com holocaustos, com bezerros de um ano? – bezerros que seriam oferecidos no altar. Os bezerros representam os sentimentos naturais, os prazeres deste mundo. O bezerro é um animal inofensivo e útil. Algumas vezes, pensamos que podemos agradar ao Senhor se nos desviarmos de certos prazeres externos. Existe um abnegado, um mártir, em cada pessoa, quando se nutre a idéia de que algum tipo de sofrimento ou a renúncia de alguma alegria natural pode nos purificar, e que assim, com a aceitação da dor e da tristeza iremos agradar ao Senhor.
Há pessoas, talvez, que se sacrificaram, abriram mão de situações melhores e honestas na vida com a idéia de esse sacrifício irá favorecê-las diante do Senhor. Não que elas afirmem isso, mas está lá o sentimento de que sacrificaram um prazer e isso pode lhes ajudar, de algum modo, a obter a graça Divina.
Essas duas formas anteriores de se querer agradar ao Senhor, pelo culto e pela oferta de bezerros, são evidentemente louváveis, mas é também evidente que elas não são suficientes em si mesmas. Já as duas formas seguintes são mais sutis. “Agradar-se-á o SENHOR de milhares de carneiros, ou de dez mil ribeiros de azeite?” Os carneiros representam os bens da vida espirituais, e os ribeiros de azeite representam as verdades que procedem do bem – verdades que falam do bem. Somos tentados a sentir que podemos viver a vida do bem sem lutarmos contra os males, acreditando que basta-nos fazer um grande número de boas ações (milhares de carneiros) ou de falar muito das verdades (dez mil ribeiros de azeite).
Somente um rei poderia ofertar dez mil carneiros, mas nem mesmo um rei poderia oferecer dez mil ribeiros de óleo. O Senhor nos concedeu tesouros espirituais indescritíveis, e quando refletimos nesses bens e veros que Ele nos oferece, acreditamos que, se usarmos esses tesouros para fazer o bem, e se ensinarmos as verdades aos outros, falando-lhes de nossos maravilhosos idéias de vida espiritual, então estaremos agradando ao Senhor. Não é isso que Ele quer?
A reposta parece ser sim. Mas nem sempre é. A pessoa pode passar toda a sua vida fazendo boas coisas aos outros. Pode falar claramente e com grande entusiasmo sobre os idéias da igreja. Se, todavia, não se afastar dos males, não é por amor verdadeiro que ele as faz e as pronuncia, mas por amor egoístico, pois está usando os bens e os veros para seus próprios fins. A salvação não se alcança pela multidão de boas obras – milhares de carneiros – , nem pela abundância de palavras sobre a vida da fé – dez mil ribeiros de óleo.
Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu ventre pelo pecado da minha alma? Ezequias se lembra da antiga prática hedionda dos pagãos, de sacrificar aos deuses os próprios filhos, na última parte de sua pergunta ao Senhor. O primogênito representa a caridade. Representa a primeira caridade, inocente e cheia de contentamento, que o Senhor nos deu a conhecer um dia. Todos nós já sentimos às vezes essa alegria altruística e elevada por termos servido a alguém sem o pensamento da recompensa. Sentimos que esse é o sentimento que existe no céu. É um amor inocente que brotou em nós,  não o criamos, mas foi dado pelo Senhor. O Senhor o fez nascer em nós – nosso primogênito.
Muitas vezes, quando compreendemos que agimos errado, temos o receio de que aquele primeiro amor da caridade se perdeu para sempre para nós. Talvez possamos ser aceitos pelo Senhor, mas aquele primeiro estado de alegria celeste não pode mais existir, porque somos muitos maus – pensamos.
Muita gente vai por essa vida com o sentimento sombrio de que pecaram tanto, que o puro amor do céu não pode mais ser implantado em suas vidas. Elas gostariam de se voltar para o Senhor e, em seus corações, talvez estejam voltadas para Ele. Mas os infernos tomaram o domínio de suas mentes e fazem com que elas se sintam num estado irremediável, sem esperanças, inferiores. Deus não pode mais restituir-lhe o amor do céu um dia sentido. E, ao pensarem assim, não sabem que, sem querer, estão dizendo ao Senhor e a si mesmas que o seu primogênito está morto e numa mais viverá novamente.
Assim, vamos parafrasear as perguntas do profeta Miquéias na linguagem do sentido interno, como nos Escritos. Com que me apresentarei ao Senhor e com que me curvarei perante o Deus altíssimo?  Ele quer que eu preste culto com meus lábios? É isto que ele deseja – ofertas queimada? Ou Ele quer eu abra mão de alguns prazeres naturais lícitos, talvez mesmo que eu leve uma vida de renúncia ao mundo – bezerros de um ano? Ou deseja Ele que eu me dedique às boas obras e que fale fervorosamente da salvação – milhares de carneiros, dez mil ribeiros de azeite? Ou, pior, terei eu cometido tantos pecados e tão gravemente que só posso me apresentar a Ele como um fiel de segunda classe, que perdeu seu direito à alegria do céu – o primogênito?
O Senhor dá a resposta: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom”. É verdade, o Senhor tem nos mostrado o que é bom. Elaboramos muitas idéias sobre o que agrada mais ao Senhor, mas Ele nos mostrou o que Lhe agrada: “...e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus”?
Essas palavras são claras em si mesmas. (São as verdades genuínas; podem ser claramente, sem que a correspondência as torne veladas por tipos, de modo que se pode tirar daqui a doutrina da verdade genuína).
Todavia, há, ainda assim, um sentido interno nelas. Essas três frases: “pratiques a justiças, ames a misericórdia e andes humildemente” não foram tomadas por acaso nem postas aqui sem uma justa ordem. Existe um fluxo contínuo nelas, e também uma promessa. “Justiça” é a lei do céu natural. É a lei que controla o homem natural. A “misericórdia” pertence ao céu espiritual, porque é uma característica essencial da caridade, da maneira de como lidamos com nossos semelhantes. E “humildade” pertence ao céu mais alto, aos anjos que andam mais próximos do Senhor.
A verdade, posta em termos bem simples, é que nós só podemos controlar o mais baixo desses três reinos, o nível natural de nossas mentes. Tudo o que podemos fazer é andar em justiça. Aqui é que nos cabe atuar.
É interessante notar que “praticar a justiça” envolve todas aquelas cinco coisas que foram referidas anteriores, as questões do livro de Miquéias. Faz parte da justiça orar ao Senhor com sinceridade. Faz parte da justiça abrir mão de alguns dos prazeres naturais, sim, se eles nos estão conduzindo ao amor do mal – por isso os Escritos falam que os sacrifícios de bezerros eram agradáveis ao Senhor pelo que eles representavam. Faz parte da justiça fazer muitas obras boas e falar com entusiasmo dos doutrinais maravilhosos de nossa religião. Faz mesmo parte da justiça reconhecer que nossos males têm causado feridas em nossa vida de caridade, o primogênito em nós, vendo, porém, que, pela misericórdia do Senhor, esse amor primeiro pode ser restaurado e nunca será morto, como Isaque não foi sacrificado por Abrahão.
Você e eu podemos praticar a justiça, Podemos agir no espírito das leis de justiça que o Senhor revelou. E a primeira lei da justiça é rejeitar o que é errado porque o erro perverte todos os atos de bem.
Podemos nos esforçar para praticar a justiça. Mas como fazer para amar a misericórdia? Podemos falar da misericórdia. Podemos nos constranger de consciência a mostrar misericórdia. Mas que poder na mente humana pode fazer nascer o amor pela misericórdia?
E quanto a andar humildemente? Podemos dominar o orgulho e a soberba. Devemos intelectualmente reconhecer que todas as coisas boas e verdadeiras pertencem ao Senhor, e sem Ele não teríamos vida alguma. Mas é isso andar humildemente. Que poder em nós faz nascer esse espírito de real humildade?
O fato é que não há poder no homem para criar em si o amor espiritual nem o amor celeste. Mesmo, assim, também é fato que faz parte da justiça mostrar misericórdia e mostrar humildade, mesmo quando não as sentimentos e não temos amor por elas. Faz parte da justiça desejar, buscar, almejar ter um espírito misericordioso no trato com os outros e humilde de coração na presença de Deus.
Ninguém consegue ser misericordioso ou humilde de espírito da noite para o dia, e talvez isso tome uma vida inteira. Mas podemos desejar ter esses dons já no começo de nossas vidas. Podemos desejar desde logo ficar livres do orgulho. Podemos ler os ensinamentos da Palavra a respeito desses coisas e tentar aplicá-los desde já em nossas vidas. Se nos sentimos ofendidos com alguém, devemos nos esforçar para mudar esse sentimento e mostrar misericórdia, perdoar quando alguém nos faz um mal – ou, melhor ainda, tentar ajudar à pessoa, se estiver dentro de nossa capacidade.
Quando tivermos feito o que é direito, devemos procurar ser humildes. Podemos encontrar formas de não buscar recompensa pelo bem, que foi feito. Mesmo quando sorrimos ao ouvir o elogio pelo bem, devemos, conscientemente, reconhecer que ao Senhor pertence a glória. Podemos saber que o espírito de soberba ainda não foi expulso completamente, mas estamos tentando fazer isso, procurando ser humildes, e o Senhor ouvirá nosso desejo e fará com que nossos esforços dêem resultado um dia.
Como Igreja e como indivíduos, podemos amar a misericórdia quando a buscarmos. Podemos andar humildemente quando evitamos o orgulho e o desejo do mérito próprio, procurando dar graças ao Senhor por todas as coisas.
O que o Senhor requer de ti, senão que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus? A palavra “requer” significa duas coisas aqui. O Senhor requer essas coisas num sentido normal, isto é, Ele determina que devem ser assim. Mas, num sentido mais interior, quando o Senhor dá uma ordem, Ele a executa. Ele faz com que seja executada.
Só há uma coisa na vida que podemos dar ao Senhor e que não pertence a Ele. É a nossa liberdade. Só ela o Senhor não pode ter, a não ser que lha ofereçamos. Quando tomamos a decisão de praticar a justiça, estamos livremente oferecendo nossas vidas a Ele. Em troca, Ele nos dá as outras duas coisas: amar a justiça e andar humildemente, qualidades celestes. São essas qualidades que estão representadas no que Ele nos fala: “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas”. Amém.

Lições: Miquéias 6:1-9, Lucas 18:9-14, AC 4899:3

AC 4899:3 -  “Uma coisa é a Igreja estar com uma nação, e outra coisa é a Igreja estar na nação – como, por exemplo, a Igreja Cristã; ela está com aqueles que têm a Palavra e, pela doutrina, pregam o Senhor; todavia, nada há da Igreja neles, a não ser que estejam no casamento do bem com a verdade, isto é, a não ser que esteja na caridade para com o próximo e, daí, na fé; assim, a não ser que os internos da igreja estejam nos externos. A Igreja não está com aqueles que estão somente nos externos separados dos internos, nem naqueles que estão na fé separada da caridade, nem naqueles que reconhecem o Senhor pela doutrina e não na vida. Donde se torna evidente que uma coisa é a Igreja estar com as pessoas e outra coisa, bem diferente, é ela estar nas pessoas.