A RESSURREIÇÃO


Sermão pelo Bispo George De Charms


“Chegou, pois, Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro, e viu postos os lençóis, e que o lenço, que tinha sido posto sobre Sua cabeça,
não estava com os lençóis, mas enrolado num lugar à parte”.

(João 20, 6-7)

Os lençóis encontrados no túmulo vazio davam um silencioso testemunho da ressurreição do Senhor. Provavam não somente que o Senhor tinha ressuscitado com todo o Seu corpo — mesmo quanto à carne a os ossos —, mas também que Seu corpo ressuscitado não era material. É da mais alta importância que os homens conheçam essas coisas, se quiserem ter uma visão verdadeira da ressurreição do Senhor. De outro modo não poderão compreender como foi que o próprio Jesus Cristo, que viveu sobre a terra, glorificou ou fez Divino o Seu Humano de tal modo que o transformou em uma perfeita forma viva de Deus, tornando visível como nunca, tanto para os homens como para os anjos, o Criador Infinito do Universo.
Cada detalhe da história do Evangelho foi providencialmente arranjado para trazer esta verdade ao alcance mesmo das mentes mais simples — para fazê-la aparecer como a única explicação racional dos fatos referidos por aqueles que testemunharam a ressurreição. Por isso nos foi dito que, depois do Senhor ter sido crucificado, José de Arimatéia junto com Nicodemus tiraram o corpo da cruz, envolveram-no em lençóis com especiarias “segundo o costume dos judeus” e o depositaram no sepulcro. Isto os discípulos souberam porque “as mulheres que tinham saído com Ele da Galiléia, O seguiram e viram o sepulcro, e como foi posto o Seu corpo” (Lucas 23,55)
Quando, portanto, Pedro, entrando no sepulcro, na madrugada do terceiro dia, viu os lençóis, compreendeu que o corpo do Senhor não tinha sido tirado de lá. Pois se isso tivesse acontecido, ou os lençóis teriam sido levados por Ele, ou demonstrariam claramente que alguém os havia retirado d’Ele. Em vez disso, ali estavam, exatamente como tinham sido postos, embora o corpo não estivesse mais lá. Somente o lenço, com o qual haviam coberto a cabeça de Jesus, estava colocado ao lado “em num lugar à parte”.
Que o Senhor ressuscitara com todo o Seu corpo, teve-se depois uma prova, quando Ele apareceu aos dez discípulos em Jerusalém e disse: “Porque estais perturbados? Vêde as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede; pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho”. Depois disso, dando-lhes uma confirmação duplamente representativa, tomou “uma parte de um peixe assado, e um favo de mel e comeu diante deles” (Lucas 24, 38-43).
Se os discípulos não o tivessem visto, depois que o ressuscitou, exatamente como O conheceram no mundo, não poderiam compreender a significação das mortalhas vazias. Não teriam acreditado que Ele estava realmente vivo, e ninguém teria, provavelmente, compreendido, na terra, a Sua verdadeira Divindade. Teria faltado a essência vital à fé cristã, e a Igreja que Ele tinha vindo estabelecer teria nascido morta no coração dos homens.
Como prova, entretanto, de que, a despeito das aparências, Ele não era material, o Senhor, em Emaús, desapareceu diante dos olhos dos dois discípulos que O tinham reconhecido quando Ele partiu o pão. Pela mesma razão Ele entrou na sala, onde os discípulos se encontravam, estando as portas fechadas. E por esta razão também, Ele saiu do túmulo, não como Lázaro tinha feito, à sua ordem, “com as mãos e os pés ligados com faixas”, mas deixando os lençóis na sepultura, e aparecendo vestido com roupas semelhantes às que Ele usara na terra.
Tudo isso foi possível porque o corpo do Senhor, nascido de Maria, embora inteiramente semelhante aos corpos dos outros homens — pelo fato de ser composto de substâncias materiais —, diferia deles, entretanto, por ter sido formado por uma Alma Infinita. Esta Alma era o Divino Amor, de Deus Mesmo, pela salvação de toda a raça humana. Quanto às condições e às circunstâncias de todas as mínimas particularidades, desde a infância, foi moldado por esse Amor em uma forma perfeita, em harmonia com a Divina Verdade Mesma. Foi por isso que o anjo da anunciação disse a Maria: “...o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus” (Lucas 1,14). E é por isso que João refere-se ao corpo terreno do Senhor, dizendo: “E o Verbo se fez carne” (João 1,14).
Devido à ordem estampada n’Ele pela Alma Infinita, aquele corpo, mesmo quanto à carne e aos ossos, era capaz de uma completa união com o Pai acima dos céus. Nisto Ele era único, pois embora o corpo de todo ser humano seja moldado à imagem de sua alma, precisamos não esquecer que a alma do homem é finita. É o amor de um uso celeste particular — um uso diferente do de todos os outros seres humanos —, um uso marcado por limites que o diferenciam do de todos os outros homens. E a ordem deste uso particular é estampada no corpo, e mais tarde na mente, constituindo cada um deles, um indivíduo, distinto de todos os outros, e eternamente distinto de Deus, capaz de uma conjunção cada vez mais perfeita com Ele, mas sem jamais se tornar Divino.
Com o Senhor não foi assim. Pelo fato do Seu corpo ser formado pelo amor de Deus Mesmo, que abrange tudo, todas as coisas humanas, mesmo os graus sensual e corporal daquele corpo, podiam ser glorificadas e plenamente unidas ao Pai Infinito, de modo que, após a ressurreição, como nos ensinam os Escritos, o corpo do Senhor não era mais um vaso receptor da vida, mas era a Vida Mesma em uma forma Divinamente humana, tornada visível, desse modo, à vista espiritual dos homens e dos anjos.
Mas os lençóis deixados no sepulcro têm também uma outra significação. Têm uma significação direta para nós porque a regeneração no homem reflete, em uma imagem finita, a glorificação do Senhor.
Por Seu nascimento no mundo o Senhor tornou-se “o Verbo feito carne”. O Verbo, ou a Palavra, considerada em si mesma, é eterna e infinitamente verdadeira. Mas nas mentes dos homens os seus ensinamentos têm sido falsificados por interpretações errôneas. A sua significação interna tem sido pervertida e torcida para servir amores egoísticos e mundanos. Os homens fizeram da Palavra uma letra morta, privando-a de toda vida espiritual e, portanto, de todo poder de salvar. O que eles fizeram, espiritualmente, à Palavra, foi representado pelo que fizeram, naturalmente, ao corpo do Senhor que eles aprisionaram, maltrataram, condenaram e crucificaram. Contudo, havia homens simples que, embora não o compreendessem, consideravam a Palavra como santa, estimavam-na em seus corações e procuravam guardar os seus preceitos. Todos esses eram representados por José de Arimatéia e por Nicodemos, que pediram a Pilatos o corpo do Senhor, desceram-no da cruz, enrolaram-no com carinho em lençóis, embalsamaram-no com especiarias perfumadas, e o depositaram reverentemente no sepulcro.
Da mesma forma procedem os simples de coração, protegendo a Palavra até ao fim da Igreja, quando as trevas da ignorância espiritual dominam o mundo, e o espírito de caridade arrefeceu em muitos. As especiarias perfumadas que eles usaram — semelhantes às que as mulheres, na manhã da Páscoa, tomaram para ungir o corpo — representam as afeições da verdade insinuadas pelo Senhor em todos os homens, na inocência da infância e da meninice. Estas afeições comunicam o desejo de ser guiado e ensinado, como se vê em maior ou menor escala, em todos os que estão em um estado infantil. Por esta afeição é preservado o sentimento da santidade e do poder da Palavra, muito tempo depois de sua verdadeira significação ter sido perdida. Por meio dela o caminho de aproximação pelo qual o Senhor pode produzir um novo despertar da fé e do amor espiritual, é conservado aberto.
Os lençóis, por outro lado, representam as falsas interpretações, as doutrinas da tradição baseadas nas ilusões e aparências literais que obscurecem as mentes dos homens. Estas coisas foram aprendidas com os pais e professores, e foram inocentemente aceitas como verdades. Todas as idéias da Palavra ficaram inextricavelmente ligadas por elas. Nenhum outro entendimento da Palavra era possível, e todos os que amavam a verdade se submetiam a esses errôneos conceitos, supondo que eram verdadeiros. Entretanto, eles eram incompatíveis com a significação real da Palavra. Eles encobriam essa significação, e cegavam os olhos dos homens para a genuína visão do Senhor na Palavra. De modo algum podiam esses conceitos ser conservados como vestimenta pelo corpo glorificado do Senhor. É por esta razão que, na ressurreição, estes lençóis com que tinham enrolado o corpo do Senhor, foram deixados no sepulcro.
Para que os homens possam ver o Senhor verdadeiramente, como um Salvador vivo, como o Divino Mestre, como o Criador e Preservador do universo, como o único Deus do céu e da terra, estas obstruções do entendimento espiritual precisam ser removidas. A sua falsidade deve ser reconhecida, e elas devem ser totalmente rejeitadas da mente.
Especificamente, esses lençóis representam as falsidades do entendimento. Mas o lenço, que foi encontrado “enrolado em um lugar à parte”, refere-se, antes, aos erros do culto e da vida. Refere-se aos rituais e costumes religiosos que provêm de idéias erradas concernentes a Deus e ao que é exigido para que se possa ser salvo. Estas idéias se tornam assuntos de consciência, de modo que os homens, guardando-as, acreditam que estão guardando os Divinos Mandamentos da Palavra. Tais eram os sacrifícios animais entre os judeus, as ordenações concernentes ao sábado, que o Senhor repreendeu, a interpretação rabínica da Lei Mosaica que cercava o homem de restrições sem significação. De todas essas coisas, os homens precisam ser libertados para poderem adorar o Senhor em espírito e em verdade. Devem ser totalmente rejeitadas para que a Igreja possa nascer de novo.
É digno de nota que, quando Pedro entrou no túmulo vazio, viu os lençóis e o lenço, mas a Escritura não faz menção das especiarias. A razão disso é que a afeição da verdade, embora errada, não deixa de ser uma semente viva de uma nova fé. Naqueles que são ignorantes da verdade espiritual, essa afeição é dirigida para o natural, isto é, para as coisas materiais. Contudo, quando as verdades são aprendidas, ela pode ser purificada e elevada. Mesmo o Senhor precisava ter sido imbuído com tal afeição antes de adquirir os conhecimentos — a inocente afeição da infância que acha prazer na sensação corporal, quando ainda não tinha possibilidade de conhecer nada mais. No caso do Senhor, entretanto, no interior desta afeição havia uma percepção Divina, que os homens não podem ter — uma percepção que O habilitava a penetrar através das aparências superficiais dos sentidos e ver com clareza, rapidamente crescente, a verdade interna. Portanto, isto também foi glorificado n’Ele (A. C. 10252/7).
A distinção entre os lençóis e as especiarias é ilustrada no sonho de Abraão, descrito do 15o do livro da Gênesis. Aí se diz que o Senhor apareceu a ele numa visão, ordenando que oferecesse um sacrifício de animais e de aves. Os animais “ele dividia ao meio, e punha cada metade defronte uma da outra; mas as aves ele não dividia”. Em relação a isto os Escritos explicam que os animais representam “as coisas celestes ou as afeições. Quando eles eram divididos, e as metades colocadas uma defronte à outra, uma parte representava a Igreja, e a outra o Senhor. Isto é, uma representava a afeição espiritual da verdade, que forma a Igreja no homem; e a outra o Divino Amor pela salvação de toda raça humana”.
Entre estas duas coisas, diz a Doutrina, “há o paralelismo e correspondência”. A razão disso é que as afeições humanas são apenas extensões do amor, e o amor é vida, vida que em si mesma é Divina. A afeição inocente da verdade, mesmo numa mente obscurecida pela falsidade, está em harmoniosa correspondência com o próprio amor do Senhor, e é o meio de conjunção entre o Senhor e o homem. Mas as aves, que não eram divididas, representavam “coisas espirituais”, isto é, idéias, doutrinas, conceitos intelectuais. Estas coisas estão continuamente sujeitas a erro; e quando são falsas ficam em desarmonia com a Verdade da Palavra. Quando o homem progride no entendimento da verdade, estas formas desarmônicas devem ser afastadas e substituídas por idéias mais genuínas.
Os lençóis rejeitados pelo Senhor em Sua ressurreição representam estes erros humanos que não encontram lugar na Palavra; enquanto que as especiarias representam as afeições que, embora a princípio sejam mal dirigidas, podem, pela instrução, ser voltadas para o Senhor e para a verdade interna de Sua Palavra.
É verdade, não somente em relação aos que estão em religiões falsas, mas também em relação aos que pertencem à Igreja, que seu imperfeito entendimento da Palavra, tem sempre necessidade de ser corrigido. Mesmo o que os anjos mais sábios conhecem é muito pouco, realmente, quando comparado à Verdade Infinita que ainda está por ser conhecida. O progresso espiritual é feito pela contínua rejeição de idéias anteriormente aceitas como verdadeiras, mas que depois se vê serem incompatíveis com o ensinamento genuíno da Palavra. E à medida que a afeição da verdade vai sendo desembaraçada desses erros, ela vai se purificando e se elevando a uma luz mais intensa, que produz uma alegria mais profunda.
Em cada passo desse avanço há uma morte e uma ressurreição. O que está de acordo com a Palavra do Senhor, correspondendo com o Seu Amor Infinito, é elevado a uma luz mais viva; e o que está fora dessa harmonia é rejeitado. Este processo se efetua não somente durante a vida do corpo, mas também pela eternidade adentro. O Senhor, somente, pode remover toda imperfeição, e ressuscitar da morte em toda a glória de um Humano plenamente unido com o Divino, para que os homens O conheçam como Ele é verdadeiramente — para que O cultuem e O adorem como seu Salvador e seu Deus.
Amém.

•   1ª Lição:     Gênesis 15, 1-10 e 18
•   2ª Lição:     João 20, 1-10
•   3ª Lição:     A. C. 1831-32/1 e 2