A PRESERVAÇÃO DA INOCÊNCIA


Sermão pelo Rev. F. W. Elphick


“Em verdade vos digo que, qualquer que não receber o reino de Deus
como uma criancinha, não entrará nele”.

(Lucas 18,17)

Quando encontramos na Palavra referências à meninice e à infância, nelas estão incluídas a qualidade espiritual, o atributo ou estado chamado “inocência”. Os termos “inocência” e “inocente”, como é sabido, significam um estado em que se está livre de qualquer imoralidade, em que não se tem pecado e nem se é culpado de crime algum. As idéias de simplicidade, de inculpabilidade e de inofensibilidade também estão associadas a esses termos. É, por conseguinte, estranho e curioso que a Doutrina da Nova Igreja diga:
“O que é a inocência, e qual é a sua qualidade, é sabido por poucos no mundo, e é completamente desconhecido para aqueles que estão no mal. Ela aparece, realmente, diante dos olhos, como se vê na face, na palavra e nos gestos, especialmente, das crianças; contudo não se sabe o que ela é, e ainda menos se sabe que é aquilo em que o céu há armazenado no homem”. (H. H. 276)
Devido a essa ignorância, portanto, a Doutrina da Nova Igreja conduz a nossa mente de modo que ela veja o que vem a ser este atributo da vida, e como ele habita no homem desde a infância até a velhice, em diferentes formas, e torna possível a nossa entrada no reino do céu depois da morte.
A Doutrina ensina que há três graus de inocência exatamente como há três céus e três planos na mente do homem. Pois há inocência celestial, inocência espiritual e inocência natural; e esses três graus estão representados na Palavra pelo “cordeiro”, pelo “cabrito” e pelo “bezerro”; e também pela “criança”, pela “criança de peito” e pela “criança desmamada”. Quando nas palavras inspiradas do profeta Isaías, são descritos os estados de inocência que esperavam o advento do Senhor no mundo como uma criança, essa descrição toma a forma e o fraseado desta linguagem correspondencial:
“E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho do leão, e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará... E brincará a criança de peito sobre o buraco do áspide, e o já desmamado meterá a sua mão na cova do basilisco. Não se fará mal, nem dano algum em nenhuma parte de todo o monte de minha santidade, porque a terra se encherá de conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o fundo do mar. Porque acontecerá naquele dia que as nações perguntarão pela raiz de Jessé, posta por pendão dos povos, e o seu repouso será glorioso”. (Isaías 11, 6;8-10)
Nesta profecia vemos como a inocência — que é uma qualidade do bem — aquieta o mal e as diferentes formas do mal, representadas pelo lobo, pelo leopardo, pelo filho do leão, pela áspide e pelo basilisco. Com efeito, é devido ao Divino Bem, que é o Senhor Mesmo, e a Inocência mesma, que Ele é chamado “O Cordeiro” e “ O Cordeiro de Deus”. Quando Ele foi batizado no Jordão, João Batista disse: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Pois o Cordeiro é uma correspondência e uma representação do estado chamado inocência. E pelo fato da inocência ser uma condição da mente humana indispensável à vida regenerada — ao renascimento — e ao caminho para o céu, o Senhor disse a Seus discípulos: “Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como uma criancinha, não entrará nele”.
Então, para que os homens e as mulheres tenham mais conhecimentos a respeito desta qualidade chamada inocência, o Senhor em Seu Segundo Advento, mostra numa linguagem clara e insofismável o que é a inocência, e porque ela está ligada à infância — cuja inocência é chamada a inocência da ignorância — e porque ela está ligada também à idade avançada, sendo então chamada a inocência da sabedoria. Vejamos aqui exatamente o que ensina a Doutrina a respeito:
“A inocência da infância, ou das crianças, não é a inocência real, porque apenas está na forma externa e não na forma interna; contudo pode-se por ela saber qual é a inocência, porque ela se manifesta claramente em sua face, em alguns de seus gestos, e em sua primeira linguagem, e ela afeta a todos, pois sabe-se que as crianças não têm o pensamento interno, não sabem ainda o que é o bem e o mal, nem o que é o vero e o falso, dos quais procede o pensamento; daí resulta que as crianças não têm a prudência que vem do próprio; não têm propósito, não deliberam sobre coisa alguma adquirido pelo amor de si e do mundo, não se atribuem coisa alguma, tudo que recebem referem a seus pais, contentam-se com bagatelas e coisas de pouca importante que se lhes dá... mas essa inocência, é externa, porque pertence somente ao corpo e não à mente... (H. H. 277)
Entretanto os Escritos nos dizem que as crianças estão especialmente sob os auspícios do Senhor, e que elas recebem o influxo do céu íntimo, onde há um estado de inocência. Esse influxo passa através delas e afeta os outros. Esta é a chamada inocência da infância, ou inocência da ignorância.
Mas o estado de inocência na idade avançada naqueles que se regeneram é chamado, na Doutrina, a inocência da sabedoria. Este estado pertence à mente mesma e assim é a inocência genuína, isto é, pertence à vontade e ao entendimento — tendo resultado em grande parte da vitória no conflito contra o mal e a falsidade, de que nasceu a sabedoria. E aqueles que estão nesse estado, ou que estão progredindo em sua direção, não têm idéia do mérito próprio, mas o consideram como a vida verdadeira.
“Eles não atribuem a si coisa alguma do bem, mas tudo que receberam eles o referem e atribuem ao Senhor; amam tudo o que é bom, e acham prazer em tudo o que é vero, porque sabem e percebem que amar o bem é amar o Senhor, e que amar o que é verdadeiro é amar ao próximo; e vivem contentes com o que é seu, quer seja pouco ou muito”. (H. H. 278)
Nem andam ansiosos a respeito do futuro. Este é realmente um estado celestial, que só se experimenta na outra vida, e que só em certa medida é possível senti-lo no mundo; na medida suficiente para uma verdadeira preparação para a vida do céu. É este estado que os Escritos descrevem como “a inocência da sabedoria”.
Se, pela Providência, tivermos na terra um período de vida normal, poderemos experimentar, mesmo neste mundo, os dois extremos da vida — a inocência da infância e a inocência da velhice, ou a inocência da Igreja e a inocência da sabedoria; as duas espécies de inocência descritas na Doutrina da Nova Igreja. E quando esta verdade é anunciada, toda a experiência da vida confirma que de fato é assim.
Mas a Doutrina da Nova Igreja fala também dos estados intermediários da vida, e mostra como a inocência acompanha o bem, e que nenhum bem genuíno é possível a não ser que haja um estado de inocência. E a esse respeito nos diz:
“A regeneração é um renascimento quanto ao homem espiritual. O homem primeiro é introduzido na inocência da infância, que consiste em que ele nada sabe de vero e nada pode de bem por si mesmo, mas somente pelo Senhor, e em desejar procurar a verdade e o bem, somente porque é a verdade e o bem. O vero e o bem lhe são dados pelo Senhor, à proporção que ele envelhece. Primeiramente é introduzido, quanto ao que diz respeito ao vero, primeiro, na ciência; depois da ciência é introduzido na inteligência; e finalmente da inteligência é introduzido na sabedoria, sempre acompanhadas da inocência, que consiste, como já foi dito, em que ele nada sabe de vero e nada pode de bem por si próprio, mas pelo Senhor. Sem essa fé e sem a sua percepção, ninguém pode receber alguma coisa do céu; nisso consiste principalmente a inocência da sabedoria”. (H. H. 279)
Tal é o ensinamento doutrinal, ou ao menos parte desse ensinamento; pois um simples sermão, sobre qualquer assunto, jamais poderá esgotar os detalhes que foram agora revelados. Contudo foi citado o suficiente para nos habilitar a ver o princípio fundamental — para ver como a inocência acompanha tanto a condição do bem quanto da verdade. Em outro parágrafo, se diz que:
“...o bem é bem somente tanto quanto a inocência está nele porque todo bem provém do Senhor, e a inocência consiste no desejo de ser guiado pelo Senhor. Além disso, a verdade não pode ser conjunta ao bem, e o bem à verdade, a não ser por meio da inocência, e esta conjunção é chamada casamento celeste, e o casamento celeste é o céu. (H. H. 281)
Foi devido à necessidade essencial da inocência para a verdadeira vida do céu, que o Senhor disse: “Deixai as criancinhas vir a mim, e não as impeçais, pois de tais é o reino do céu”. Se, então, é este o ensinamento dado pela Doutrina da Nova Igreja — o ensinamento de autoridade Divina, que constitui alguma coisa de certo e definido —, alguma coisa para a mente humana ouvir com atenção e aceitar, então surge a pergunta: Como poderemos nós, na juventude, na maturidade e na velhice, preservar este necessário estado de inocência, em face da oposição do mundo exterior, e do egoísmo do mundo interior, que fazem todo o possível para destruir a inocência? Quando fazemos essa pergunta, tocamos imediatamente numa porção de coisas da existência prática: os interesses da vida, os prazeres da arte, as aplicações da ciência, o problema de como guiar nossa vida no mundo pela doutrina — doutrina que tantas pessoas consideram árida, desinteressante e sem valor.
Certamente tudo isto, em sua maior parte, é um assunto individual, exigindo um interesse individual. Toca de perto a liberdade do indivíduo na aplicação dos ensinamentos da Divina Revelação às condições práticas da vida terrena num dado momento e numa determinada idade. Contudo, há também o interesse coletivo; e tanto o individual como o coletivo se referem à construção da Nova Igreja na mente dos homens e das mulheres durante a sua vida no mundo.
Para alcançar a inocência precisamos nos regenerar. E é por isso que, quando uma criança na inocência da ignorância é batizada, deve-se avisar aos pais (assim como lembramo-nos disso em cada serviço batismal) que podemos reconhecer também o termo fundamental da maravilhosa conexão e correlação que há entre a inocência, o conhecimento, a inteligência e a sabedoria, e os científicos doutrinais concernentes a elas, os quais são verdadeiramente as verdades guiadoras da Nova Igreja, sendo parte de sua fé que dirige o curso da vida. Tudo isto está incluído na séria advertência dada aos pais por ocasião do batismo dos filhos, quer a cerimônia seja pública ou privada. Examinai as palavras, tantas vezes repetidas, dessa advertência:
“Guiai esta criança ao reconhecimento do Senhor Jesus Cristo como seu Deus e Pai; ensinai-lhe os Dez Mandamentos, para que ela aprenda a evitar os males como pecados; fazei com que ela aprenda a Oração Dominical, para que possa ser introduzida no culto do Senhor; fazei com que ela seja instruída na Escritura Santa e na Doutrina Celeste da Nova Jerusalém, para que se prepare para a regeneração”. (Liturgia, p. 60)
Sim! Fazei com que seja instruída na Escritura Santa e na Doutrina Celeste da Nova Jerusalém! Isto se refere claramente tanto aos primeiros anos de preparação no lar e na escola, como à vida acadêmica em consorciação com o lar também; e isso até que chegue o estado em que a criança, crescendo, entre no uso de sua própria razão. Nesse momento os anjos da guarda deixam-na e ela se associa por si mesma com espíritos que fazem um com a sua vida e a sua fé.
Aqui aparece a grande importante da responsabilidade dos pais no lar — a instituição que está morrendo rapidamente no mundo, e a respeito da qual o pensamento contemporâneo está tão interessado. Pois tal é o lar, tal é a nação. Tal é o lar, tal é também a Nova Igreja sobre a terra. A frase bem conhecida: “A mão que embala o berço é a mão que governa o mundo”, ainda é verdadeira — é verdadeira mesmo para a Igreja! Mas com esta condição: que esse governo seja em cooperação com o Senhor, de acordo com as verdades que Ele deu em Seu Primeiro e em Seu Segundo Advento. Pois a casa, o lar sagrado, a felicidade e os afazeres domésticos, constituem a instituição que o Divino proveu para a implantação e preservação dos estados de inocência, conforme nos ensina e descreve a Doutrina.
E os pais da Nova Igreja em todo o mundo devem compreender e perceber que esses ensinamentos implicam na educação dos filhos desde a infância até a maturidade. Quando chega o tempo da escola e do aprendizado, a educação — a estruturação e a alimentação das virtudes civis, morais e espiritual — deve ser mantida em andamento com uma corrente de conhecimentos cada vez mais intensa e mais vasta, a fim de que os estados de inocência e de verdadeira inteligência, conduzindo à genuína sabedoria, possam ser providos. E isso dependerá da atitude em relação à santidade do casamento, que é o fundamento e a base da vida do lar.
E agora, um esclarecimento para concluir: qualquer que sejam as vicissitudes da vida, quer os votos e promessas sejam cumpridos ou quebrados, a Divina Providência está sempre procurando, por meios ocultos, promover a felicidade e o bem-estar espiritual de todos. Quanto à Nova Igreja específica — a Igreja visível e organizada sobre a terra —, existem responsabilidades que estão diante de nós e incumbe aos países que receberem os conhecimentos da Fé da Nova Igreja arcar com essas responsabilidades. Esses deveres pertencem à ação individual, como que por nós mesmos, no auxílio efetivo para o estabelecimento interno e externo da Nova Igreja tanto na fé como na vida — e isso em relação a cada geração que passa.
E assim, algumas vezes, devemos perguntar a nós mesmos, como pais: “Estarei me lembrando de tudo que está incluído na advertência dada por ocasião do batismo de meu filho?” Ou, aquele que foi confirmado pode perguntar: “Estarei me lembrando de tudo que está incluído na advertência que me foi dada por ocasião da minha confirmação?”
Pois agora está à disposição de todos que a procuram, uma Doutrina Revelada do céu que habilita os homens e as mulheres a encarar os problemas da vida em uma nova luz — uma nova luz da Verdade. Há também um novo caminho a que essa luz conduz — o caminho da verdade para o bem. Este caminho é de fato uma dádiva do poder do Senhor, concedida para a implantação dos estados de inocência através de todas as mutações de estados da vida. E esse poder em sua origem Divina sempre existiu, existe e existirá.
O mais interno, mais profundo e mais elevado conceito da inocência, conhecimento, inteligência e sabedoria, está sempre presente na eterna mensagem contida nas palavras do Senhor: “Em verdade vos digo que, qualquer que não receber o reino de Deus como uma criancinha, não entrará nele”.
Amém.

•   1ª Lição:     Isaías 11
•   2ª Lição:     Lucas 18, 1-17
•   3ª Lição:     H. H. 276-282

Basilisco: lagarto ou serpente fabulosa, cujo olhar e cujo bafo, dizia-se, tinham o poder de matar. (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 1.0)