Afundando no Mar

Sermão pelo Rev. Mauro S. de Pádua

"E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe:  Homem de pouca fé, por que duvidaste?"

(Mateus 14:31)

 

A história de Pedro andando sobre o mar é de grande relevância para o mundo de hoje.  O que aconteceu com o Pedro é algo que acontece com  freqüência com  cada um de nós como indivíduos.  Esta história é sobre fé e confiança, ou seja, sobre a perda de fé e de confiança e o que devemos fazer quando isto acontece.
As Doutrinas Celestes nos dizem que somente ter fé não é suficiente para que sejamos salvos: nós também  precisamos de uma vida de caridade, isto é, precisamos viver de acordo com tudo que acreditamos.  Entretanto, a fé é um ingrediente muito importante no processo de nossa regeneração, e é neste ponto que vamos focalizar o sermão de hoje.
Quando o Senhor curava as pessoas com as quais tinha contato, Ele sempre dizia: "A sua fé o salvou".   Quando os discípulos foram incapazes de curar o menino que era lunático, o Senhor os chamou de incrédulos.  Logo, os discípulos perguntaram-Lhe por que não podiam curar o menino, e o Senhor lhes respondeu: "Por causa da vossa pouca fé; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá - e há de passar; e nada vos será impossível". (Mat. 17:20).  Esta é a razão pela qual Pedro caiu no mar: ele perdeu a fé.
Os Escritos nos dizem  que a fé salvífica não é uma questão de mero pensamento ou mero reconhecimento de algum ensinamento (AC 2228:2).  A fé salvífica  vai além das palavras, pois é uma maneira de vida.  Logo, quando nós realmente acreditamos em algo, e mudamos nossa maneira de viver por causa do que acreditamos, aquilo que acreditamos tem  poder em nossas vidas, e pode mover montes e também pode  fazer com que andemos por cima do mar.  Isto é, esta fé pode fazer com que superemos problemas em nossas vidas que pareciam impossíveis de serem superados.
Este tipo de fé é muito importante.  Por meio dela podemos ser conjuntos ao Senhor.  Assim, lemos na obra Arcanos Celestes "que a conjunção das pessoas com o Senhor é feita através do implante da fé no amor.  A não ser que a fé seja implantada no amor, isto é, a não ser que a pessoa, através das coisas pertencentes à fé, receba a vida da fé, isto é, a caridade, não existe conjunção alguma". (AC 1737:2)
É importante que lembremos que adquirir este tipo de fé envolve um processo que leva tempo - o qual é a regeneração, isto é, ser criado de novo.  A pessoa que está sendo regenerada recebe vida do Senhor através da fé;  "primeiro, pela fé da memória, que é a fé do conhecimento; depois, pela fé do entendimento, que é a fé intelectual; finalmente, pela fé do coração, que é a fé do amor ou salvífica" (AC 30:2).

1 - Fé da memória: nós aprendemos histórias da Palavra, aprendemos o que o Senhor quer que façamos.  Mas estas histórias são apenas fatos em nossas memórias.  Isto não quer dizer que mudam as nossas vidas.

2 - Fé do entendimento: nós pensamos sobre os fatos e ensinamentos que sabemos e decidimos racionalmente que fazem sentido.  Assim, acreditamos nestes fatos e ensinamentos porque fazem sentido.

3 - Fé do amor: aqui a fé finalmente toca nossos corações e muda as nossas vidas de uma maneira interna.  Decidimos fazer o que é certo porque temos uma afeição interior pelo o que é certo.

Reconhecer que isto tudo é um processo ajuda-nos a sermos mais pacientes com os estados diferentes em nossas vidas, pelos quais precisamos passar.  A história de Pedro afundando no mar representa o estado de uma pessoa que ainda não alcançou a fé salvífica.  Entretanto, Pedro já tinha visto e reconhecido o Senhor.
Agora devemos analisar as circunstâncias da história.  Os discípulos estavam num barco no mar e havia uma tempestade e ventos fortes.  O "mar" em contraste com o céu e a luz do sol, é como se fosse a atmosfera mais baixa do pensamento natural e mundano.   "A tempestade no mar" representa um estado de tentação quando os pensamentos mundanos ameaçam nos engolir e nos afastar da luz do céu.  0s "ventos fortes" representam as forças invisíveis do inferno, as quais levantam más pensamentos em nós.
Esta história aconteceu enquanto ainda estava escuro.  Nossas mentes estão escurecidas e é espiritualmente noite quando estamos em estados de tentação.  Não podemos ver claramente o que é certo, ou seja, perdemos a visão do que é certo.  Assim, podemos dizer que perdemos a fé e o Senhor parece estar distante de nós.  Nesta história a escuridão é associada com a distância ou ausência do Senhor.  Este é um estado no qual o Senhor não parece ser parte de nossas vidas, pois estamos mais preocupados conosco.  Os infernos invadem as nossas mentes, mas não paramos para pensar espiritualmente, e, assim continuamos sem consciência dessa invasão.  A maior parte das coisas que nos influenciam vem do mundo natural: televisão, filmes, jornais e etc.  Logo, perdemos a perspectiva espiritual de nossas vidas.
Entretanto, mesmo nestes estados obscuros o Senhor vem a nós.   Assim,  "à quarta vigília da noite, dirigiu-Se Jesus a eles, caminhando por cima do mar".  "O Senhor andando por cima do mar" representa Sua presença e Seu influxo nos estados de fé mais baixos.  Logo, também representa Sua vida com aqueles que estão em tais estados, embora não estejam necessariamente conscientes de Sua presença.  A "quarta vigília da noite" representa o primeiro estado da Igreja no indivíduo.  Aqui o bem começa a agir através da verdade (fé) e o Senhor aparece.
A primeira reação dos discípulos foi de susto e medo.  Nós aprendemos a verdade, vemos a coisas que temos que mudar e achamos muito difícil para nós, temos medo.   Mas o Senhor  lhes falou: "Tende bom ânimo, sou Eu, não temais"
Pedro, o discípulo que  representa a fé, disse:  "Senhor, se és Tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas.  E Ele disse: vem."  Esta é a nossa primeira visão do Senhor, a manhã está chegando e queremos ir encontrá-Lo.  Parece ser algo muito difícil de fazer, temos que andar por cima da água.  Mas já vimos o Senhor e sabemos que Ele está lá.   Os Escritos nos dizem que "ver representa ter fé; pois o Senhor é visto somente através da fé; pois a fé é o olho do amor; pois através do amor e por meio da fé o Senhor é visto; assim o amor é a vida da fé; conseqüentemente, é dito na Palavra: "Vocês Me verão; porque Eu vivo, vocês também viverão".  Esta é uma grande afirmação, pois como amar e adorar o Senhor se não podemos vê-lo?  Como podemos ir na direção do Senhor se não podemos vê-Lo?  Ser capaz de ver o Senhor é o início de nossa vida espiritual, o que pode ser feito somente quando escolhemos, conscientemente, nos voltar  para Ele, ler Sua Palavra, e crer n'Ele.
Logo Pedro anda por cima do mar indo na direção do Senhor.  "Andar" representa viver.  Agora que já vimos o Senhor devemos começar a viver nossas vidas de acordo com as verdades que aprendemos.  Começamos ir na direção certa.
Mas, quando Pedro sentiu o vento forte, teve medo; e, começando a afundar, clamou, dizendo: "Senhor, salva-me!"  A agitação no mar representa o estado de pessoas da Igreja quando estão no que é natural e não ainda espiritual.  Neste estado as afeições naturais provenientes dos amores de si e do mundo submergem e produzir a agitação na mente.  O vento, como foi dito antes, representa as forças invisíveis do inferno, juntas com os amores de si e do mundo trabalhando para nos prejudicar.  Isto é o que passa uma pessoa que está tentando viver uma vida correta e tem que lutar contra as forças do mundo e do inferno.
Por exemplo pensem em um adolescente crescendo no mundo de hoje, tentando viver uma vida correta, mantendo os ideais de uma vida religiosa.  A maioria das coisas a seu redor vai contra tais ideais.   Sua fé está constantemente sendo testada.  Mesmo assim, ele tem que acreditar que é possível viver estes ideais. 
Como Pedro, nós também podemos começar a ir ao fundo quando tentamos fazer o que é certo.  Entretanto, também devemos lembrar o que Pedro fez quando começou a ir para o fundo, isto é, "clamou, dizendo, Senhor salva-me."  Nós devemos nos voltar novamente para o Senhor e pedir ajuda.  Ele é o único que pode nos tirar do mar.  Assim que Pedro pediu ajuda, IMEDIATAMENTE, o Senhor estendeu a mão e o segurou, e disse-lhe: "Homem de pouca fé, por que duvidaste?"
O Senhor salvou Pedro, mas também lhe disse qual era seu problema: ele tinha pouca fé!   Esta experiência foi de muita importância para Pedro.  Ele aprendeu mais sobre o Senhor, e come Ele tinha o poder de salvá-lo.  E ele aprendeu mais sobre si mesmo.  O fato de que ele começou a afundar mudou sua vida; não só de uma maneira externa, mas também, o que é mais importante, de uma maneira interna.  Sua fé ficou mais forte, e ele deve ter ficado mais humilde.  Pois a vida é um processo pelo qual passamos para que fiquemos mais humildes.  Nós crescemos e, certamente nos tornamos alguém.  Adquirimos  muitos talentos e aprendemos muitas coisas.  Mas o que nos tornamos e o que sabemos significa muito pouco em comparação com a atitude interna que adotamos.
No final, a única atitude que é compatível com a realidade é o espírito de inocência e humildade, isto é,  a boa-vontade de seguir o Senhor com fé n'Ele.  Nossos esforços não serão perfeitos; nós cometeremos erros, e nós teremos que encarar obstáculos às nossas esperanças e ideais, tanto dentro como fora de nós mesmos.  Ainda assim, devemos aceitar as limitações externas que restringem nossas vidas.  Mas também devemos aprender a viver dia a dia com a confiança e a fé de que existe um Deus que nos quer bem e que está sempre presente para nos estender a mão tão logo começamos a afundar.  Não é fácil ter esta confiança e esta fé, mas a alternativa é o desespero, a angústia e a frustração.
Foi esta a conclusão a que chegaram os discípulos depois desta experiência.  Pois, "quando subiram para o barco, o vento se acalmou. Então aproximaram-se os que estavam no barco, e adoraram-no, dizendo: És verdadeiramente o Filho de Deus".  Tudo que aconteceu ajudou os discípulos a terem um reconhecimento mais profundo do Senhor Jesus Cristo como o único Deus dos céus e da terra.  Este reconhecimento é essencial se a Igreja deve crescer em cada um de nós, "pois sem tal reconhecimento a verdade não é verdade, porque a verdade deriva sua origem, essência, e vida do bem, e o bem vem do Senhor." (AE 820:4)
Logo, mais tarde, quando o Senhor pergunta aos discípulos quem Ele era, Pedro mesmo responde: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo.  E Jesus respondendo, disse-lhe:... Pois também Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela." (Mat. 16:14-19)
Que conclusão tão essencial a que chegou Pedro!  Uma conclusão que pôde conduzi-lo à fé salvífica.  Esta conclusão pode nos dar hoje a capacidade de andar por cima da água, isto é, nos possibilita de viver uma vida boa e correta embora sejamos atacados pelos ventos fortes.  E é por isso que o Senhor diz em Sua promessa: "Tu me verás; porque Eu vivo, tu também viverás."

Amém

Lições  Mateus 14:22-33;  17:14-21;  VRC 342:1-2 (partes)