A MAIS ANTIGA PROFECIA DO ADVENTO


Sermão pelo Rev. W. B. Caldwell


“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente: esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.

(Gênese III, 15)

Esta profecia, dada depois da queda da Antiqüíssima Igreja, é a mais antiga profecia do Advento do Senhor. Ela profetisa não só o Seu Advento, nascendo da Virgem Maria, como também a Redenção que seria efetuada por sua vitória sobre os infernos. Porque era Ele que devia nascer como “a semente da mulher” e era também Ele que devia “ferir a cabeça da serpente”, para subjugar o demônio e todo o inferno e, desse modo, redimir a raça humana. A “semente da mulher” significa o mesmo que o “Filho do homem”, como o Senhor chamou a Si mesmo no Evangelho; significa o Senhor nascido como homem no mundo natural — o Divino assumindo o finito, isto é, o homem natural com todas as suas enfermidades do mal hereditário derivado das gerações sucessivas, desde os tempos primitivos —, um humano manchado pelo mal e por isso sujeito à infestação do inferno e ao assalto pelos maus. Porque é o mal que está no homem que o torna sujeito ao influxo do inferno, à infestação que excita seus males e ataca seus bens, levando-o à tentação.
O Divino do Senhor não é suscetível de tal assalto, não pode ser tentado. O Divino não pode aproximar-se do inferno; e os infernos não podem aproximar-se do Divino. Mas tomando sobre Si a humanidade de um homem, o Senhor já podia aproximar-se do inferno e permitir que o inferno, por sua vez, viesse para perto d’Ele. Para isso Ele, também, como dizem os Escritos, “Pôs sobre Si o mal”, pôs sobre Si aquilo que tornava possível ser Ele tentado, sofrer os assaltos dos maus espíritos, de todos os maus espíritos e de todo o inferno, e vencê-los e subjugá-los (A.C. 1575). Isso é significado pela profecia de que a serpente feriria o calcanhar d’Aquele que devia nascer da “semente da mulher”; feriria o humano enfermo até chegar a matá-lo, embora nesta morte do humano estivesse a própria vitória Divina sobre o mal, a completa subjugação dos infernos, “o esmagamento da cabeça da serpente”.
Por suas vitórias nas tentações e, finalmente, pela paixão da cruz, o Senhor venceu todos os males que havia no humano por Ele assumido em Maria, exterminando-os inteiramente, ao mesmo tempo que subjugava completamente todos os infernos. Desta forma Ele não só glorificou o Seu Humano como também redimiu a raça humana. Para que possamos ver que isto está representado no texto pelo “esmagamento da cabeça da serpente”, precisamos saber como a serpente veio a significar todo o mal. Que ela significa todo o mal do inferno é evidente pelas palavras do Apocalipse a respeito do dragão que procurava destruir o filho nascido da mulher, descrevendo como os infernos atacavam o Humano do Senhor. O dragão é aí chamado “aquela velha serpente, o diabo, o satã, que enganou todo o mundo” (Apoc. XII, 9).
A Doutrina nos ensina que
“Pela serpente é significado todo o mal em geral, e o amor de si em particular, porque todo mal tem sua origem no sensual e no científico do homem, que no princípio eram significados pela serpente, isto é, entre os antiqüíssimos que comparavam as faculdades dos homens aos animais, de acordo com a correspondência e chamavam essas faculdades pelos nomes desses animais” (A. C., 251).
A princípio era uma serpente inofensiva, mas depois da queda, tornou-se uma maldita e venenosa serpente, porque o sensual pervertido transformou-se na fonte e origem de todos os venenos da vida espiritual.
A cabeça daquela serpente é o amor de si e a sua paixão de dominar, ardendo por conquistar o mundo todo e ascender até mesmo a Deus.
Quando a serpente tentou os homens dos tempos antiqüíssimos e eles caíram, ou, o que é o mesmo, quando o seu sensual afastou-os do celestial que havia neles e, portanto, do Senhor, então a ordem de sua vida inverteu-se, pervertendo-se. Esse estado de perversão foi transmitido à sua posteridade. O amor de si e seu mal aumentaram progressivamente, acumulando-se e condensando-se pela transmissão hereditária.
A acumulação dos males acabou por ameaçar a própria existência da raça humana; o que tornou necessária a intervenção Divina para impedir a sua completa extinção. Essa intervenção se processou, assumindo o Senhor o humano de um homem, e combatendo nesse humano, o sensual pervertido. Pelo Divino Amor Ele venceu e subjugou o amor de si naquele humano enfermo, dominando assim a própria origem do mal — a “cabeça da serpente”.
O fato de a serpente significar o sensual no homem, é derivado das formas através das quais as sensações influem no homem, a saber, as fibras e os nervos, ao longo dos quais as vibrações passam da superfície do corpo para o cérebro — como através de veredas serpentinas (A. C., 6398). Por causa disto é que a serpente e todas as coisas rastejantes sobre a terra significam, em geral, a faculdade da sensação — o sensual no homem, tanto do corpo como da mente. Porque a mente mesma, no cérebro, é também organizada por uma trama de fibras, tendo todas cabeça, ou começo, nas glândulas da substância cortical. Estas glândulas são o receptáculo de todas as sensações que as atingem por vibrações das fibras. É por esse meio que o homem tem a sensação mental, que é ciência, pensamento, percepção e entendimento. É também destas glândulas, como cabeças, origens e começos das fibras, que procedem todos os movimentos pelos quais a vontade realiza seus atos. Assim todos os sentidos e movimentos conscientes provêm do sensual, das fibras e das suas glândulas, que são como “cabeças de serpentes” no homem.
No começo, este sensual do homem se adaptava completamente no influxo da vida Divina que corria como o fluido vital através de toda fibra de seu ser. Ele reconhecia o influxo e governo Divino, e o sentia em todas as impressões recebidas do mundo. Toda a natureza era um espelho do Divino.
Foi somente quando o homem começou a se deleitar com as sensações externas sem o reconhecimento do influxo Divino — sem adaptar-se a esse influxo, com obediência e confiança —, que o seu sensual o afastou do celestial que havia nele e fez com que ele consentisse em ser seduzido pela serpente.
Assim, podemos ver como o sensual foi a origem do mal e como a serpente veio a simbolizar todo o mal. Podemos ver como o cérebro e suas fibras — que a princípio eram um receptáculo da vida celeste do Senhor, interiormente, e da correspondente vida sensual do mundo da natureza, exteriormente —, foram fechados àquela recepção interior, ficando abertos à exterior somente. Podemos ver como, de ser celestial e espiritual, o homem tornou-se sensual e corporal, preferindo a vida do amor do mundo e do amor de si, à vida do amor do Senhor e do Céu. Podemos ver como esta perversão afetou as origens da vida no homem, envenenando e torcendo as suas fibras. Podemos ver, finalmente, como no decorrer do tempo, o mal e a falsidade do amor de si obstruíram seu cérebro com substancias grosseiras e impuras que impedem a operação de qualquer afeição boa e a recepção de qualquer luz espiritual.
Quando o Senhor veio ao mundo, não somente estavam os cérebros dos homens cheios de tais obstruções — a substância do mal hereditário amassada pelas idades, amontoada e condensada —, como as atmosferas exteriores do mundo tinham se tornado carregadas de tais impurezas, enchendo-se os seus interstícios de coisas pesadas, de modo que a vida Divina, descendo através dessas esferas não podia alcançar os últimos, mas era travada pelo poder do inferno que então prevalecia, chegando a obsedar até os próprios corpos dos homens. Podemos ver assim que, no próprio cérebro do humano enfermo assumido pelo Senhor, onde as origens da vida e das sensações estavam paralisadas, aquela massa de males aí condensada, sujeita aos infernos envolventes, tinha que ser esmagada e quebrada pela força do Divino poder interior, e que, dessa maneira, efetivamente, a “cabeça da serpente” — a origem do mal — foi esmagada, naquele humano, por Aquele que nasceu da “semente da mulher”.
Por essa redenção o Senhor libertou os homens do poder submergente do inferno e restaurou o livre-arbítrio, tornando possível para os homens receber o poder para esmagar a cabeça da serpente — a origem do mal — em si mesmos, podendo assim resistir a assaltos do inferno e receber a vida do céu.
Examinemos agora como isso é feito para a salvação do homem, o que nos permitirá obter a luz necessária à compreensão do sentido Divino do nosso texto.
Sabemos que cada forma de vida animal corresponde a alguma afeição, estado ou faculdade humana. A serpente que se arrasta sobre a terra e come o pó, corresponde à mais baixa e mais externa faculdade da mente humana: o sensual. Assim, ela representa não somente os sentidos do corpo, que em si mesmos são corporais, mas também o sentido externo da mente (e, na realidade, o sensor comum do cérebro) — aquele receptáculo geral sobre o qual são impressos e registrados todas as coisas que entram do mundo através dos sentidos. Assim o grau sensual da mente é a memória natural sobre a qual e no interior da qual é armazenada toda a experiência da vida corporal e mundana, e todos os conhecimentos adquiridos por meio dos sentidos.
Este organismo da memória — o externo da mente, o sensor comum — tem um estado de afeição ou de desejo por todas as coisas que são implantadas nele, estado de afeição que é chamado “cobiça”. Há também um estado de modificação que é uma variação da forma das coisas da memória; variação que é imaginação, conhecimento e mesmo uma espécie de raciocínio. Mas, em geral, estes dois estados do sensual a memória natural são chamados a cobiça e a imaginação do animus. São, com efeito, a vontade e o entendimento da mente externa ou natural. São a própria vontade do próprio entendimento do homem — o seu proprium. Este então é o grau sensual da mente, situado na substância cortical do cérebro e nas fibras daí procedentes, sendo por esta razão comparado à serpente.
Abaixo do sensual está o corporal — o próprio corpo; acima ou no interior do cérebro, está a mente interna — o mens —, com sua vontade e seu entendimento, que constituem os graus celeste e espiritual do homem. Esta mente interna está na esfera do Céu, enquanto que a mente externa está na esfera do mundo.
De tudo isso se conclui que o homem, no mundo, é uma criatura quádrupla: celeste, espiritual, sensual e corporal. Pela morte ele se desfaz do corporal, ao passo que o sensual permanece como o último de sua vida celeste e espiritual no Céu — como o externo da mente. Esse externo é o intermediário entre os dois mundos, através do qual o anjo mantém conjunção com o sensual dos homens que ainda permanecem no mundo.
Vemos também que o grau sensual é o intermediário entre a mente e o corpo, entre o Céu e a natureza no homem, e que esta faculdade medianeira do sensual, que é chamada “razão” e que os animais não possuem, dá ao homem a possibilidade de olhar para cima, para Deus e o Céu, ou para baixo, para o corpo e o mundo; dá-lhe a possibilidade de adaptar-se à vida do Senhor e do Céu que flui através da mente interna; ou à vida do mundo que aflui da natureza através dos sentidos.
Esta faculdade do sensual, portanto, é o assento do livre-arbítrio do homem. É como o gonzo da porta. Compete ao homem determinar de que modo esta porta será aberta. Tudo que é permitido influir através da mente interna, de sua vontade e de seu entendimento, vem do Senhor somente. É aí que o Senhor permanece e bate. Se o homem abrir a porta, o Senhor entrará para morar e cear com ele. Se, ao contrário, a porta permanecer fechada, será somente o afluxo da natureza que entrará.
É então evidente que no sensual da mente está tudo que é próprio do homem: a aparência de que a vida é dele mesmo, o seu proprium, a sua individualidade, a sua qualidade característica que ele mesmo escolheu, fazendo uso do seu livre arbítrio, de sua faculdade de escolha, que lhe foi Divinamente concedida, para determinar qual o efeito que as duas correntes de vida terão sobre ele. Este poder, como vimos, não está no celestial ou no espiritual da mente, nem no corporal, mas no grau sensual que é o intermediário entre os dois primeiros e o último. Aqui, o homem permanece entre a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal, entre Deus e o mundo. E ele não pode servir a dois senhores; tem que se decidir por um deles.
O conhecimento destas verdades referentes ao sensual é indispensável para se compreender a queda do homem quando foi tentado pela serpente; queda da qual se originou o mal, e que foi a causa primária do Advento do Senhor e da redenção, e também a origem do estado em que se encontra o homem, hoje, precisando ser salvo e restabelecido.
Como o sensual foi dotado, desde sua criação, com o livre-arbítrio, que envolve a possibilidade efetiva do homem afastar-se de Deus para a natureza, de rejeitar o influxo celeste e atribuir toda a vida ao afluxo da natureza, de rejeitar a vida da mente interna e a sua bem-aventurança celeste, segue-se que ele podia ser tentado pela serpente. Isto é, o sensual podia seduzi-lo, levá-lo para fora da confiança em Deus e da obediência a Ele para trazê-lo a uma confiança em si mesmo e a uma obediência aos prazeres do proprium. Os homens tinham esta faculdade desde o início e estavam, por isso, sujeitos à tentação desde que começaram a existir. Os que foram guiados pelo Senhor para formar a Antiqüíssima Igreja eram os que tinham vencido na tentação, que não se tinham deixado seduzir pela serpente — o sensual que havia neles.
O sensual desses homens era representado por uma serpente inofensiva. A sua memória era provida com o bem de sua experiência natural, e estava em correspondência com a verdade e o bem da mente interna, de modo que eles percebiam e sentiam em toda sua vida corporal uma imagem da vida celeste da mente. Percebiam em todas as coisas corporais, terrestres e mundanas, uma representação das coisas Divinas e Celestes. Assim seu sensual-corporal era subordinado ao espiritual-celestial. Eram formas da Ordem Divina. O mesmo se deve dizer também dos amores pertencentes àqueles planos. O amor de si e o amor do mundo, embora sendo do corporal-sensual, eram subordinados ao amor de Deus e do Céu que é celeste e espiritual. Devido a isso, os amores inferiores eram também celestes. Com relação a este assunto, encontramos na Doutrina Celeste da Nova Igreja o seguinte:
“Se o amor de si e o amor do mundo são amores infernais, e se o homem pôde vir a esses amores, e assim destruir nele a vontade e o entendimento, é porque o amor de si e o amor do mundo são celestes por criação, pois são os amores do homem natural que servem aos amores espirituais, como as fundações servem às casas; com efeito, pelo amor de si e o amor do mundo o homem quer bem a seu corpo, quer ser alimentado, ser vestido, ser alojado, prover a sua casa, procurar empregos tendo em vista os usos, e mesmo ser honrado segundo a dignidade da função que preenche, por causa da obediência; quer também pelos prazeres do mundo se alegrar e se divertir; mas ele quer todas essas coisas para um fim, que deve ser o uso; pois por elas ele fica em estado de servir ao Senhor e de servir ao próximo; mas quando o amor de servir o Senhor e de servir ao próximo é nulo, e que não há senão o amor de servir a si mesmo pelo mundo, então o celeste do amor se torna infernal, pois faz com que o homem mergulhe seu mental e seu animus (mental inferior) no próprio, que em si é todo mal”. (S. A., sobre o D. Amor e a D. Sabedoria no 396)
Isto foi o que aconteceu, nos tempos antiqüíssimos, com os que foram seduzidos pela serpente, com os que caíram na tentação, com os que — por seu livre-arbítrio — preferiram deleitar-se com as coisas corpóreas, mundanas e terenas, separadas das coisas Divinas e celestes. Este estado imprimiu-se então sobre o sensual, pervertendo-o e fechando os interiores da mente — a origem das fibras —, à recepção do influxo do Senhor, e abrindo os externos da mente só ao afluxo do mundo, só aos atrativos mundanos agradáveis ao amor de si. Todas as coisas armazenadas na memória tornam-se então objeto de imaginação e de desejos representativos do amor de si, porque o homem apresenta a si mesmo, em sua imaginação, aquilo que ele ama acima de tudo. Isto se torna então ao estado do seu sensual e do seu animus — a imaginação do coração do homem — o “mal da mocidade”. E fechando assim a fonte de sua vida interior, o seu próprio ser orgânico não pode deixar de envenenar-se com as falsidades e os males, até chegar à morte espiritual. As origens da vida — os pequenos corações do cérebro — agirão então como cabeças de uma serpente venenosa. Porque Deus lhes tinha dito: “Não comereis dele (do fruto da árvore proibida), mas nele tocareis para que não morrais”.
Neste estado de queda, que constitui hoje a sua herança, os internos da mente do homem — a sede de sua vontade e de seu entendimento espirituais — estão fechados, enquanto que os seus externos estão imersos na vida dos sentidos e do corpo. Esse homem é chamado “sensual-corporal” quanto ao estado de sua mente, e é representado pela serpente nociva, cujos venenos são os males e as falsidades que obstruem os vasos de sua mente e destroem — em seu estado espiritual — venenos que são infundidos continuamente pelos infernos, onde todos sensuais-corporais, satãs e diabos que imprimiram aquele estado em suas mentes pela vida que levaram no mundo. Pois a mente é o espírito que vive depois da morte e se, durante a vida terrena, a mente foi orientada para a vida dos sentidos e do corpo somente, aquele estado se imprime sobre ela para sempre e, depois da morte, o homem se junta a seus semelhantes no inferno.
Este não será o caso se o homem deixar o Senhor regenerá-lo e salvá-lo, se permitir que o Senhor abra os interiores de sua mente acima do sensual, e purifique o sensual de sua escória do mal. O homem faz isso quando livremente recebe a verdade da Palavra do Senhor com afeição, e se arrepende de seus males, resistindo a eles e combatendo-os até exterminá-los. Pois de nenhum outro modo, a não ser por meio do próprio esforço do homem, agindo livremente, pode o Senhor operar a remoção dos males do amor de si e assim “esmagar a cabeça da serpente” no homem. Só assim a Divina Redenção, que restituiu a liberdade ao homem, se torna efetiva para salvação daqueles que vencem na tentação. “Estes são os que saíram da grande tribulação; estes são redimidos dentre os homens, sendo os primeiros frutos em Deus e para o Cordeiro. E em sua boca não foi achada astúcia; porque são sem culpa diante de Deus.”
Amém.

Lições:   • Gênese III
• Apocalipse XII
• A. C. 2661