A IGREJA DE TIATIRA


Sermão pelo Rev. Norbert H. Rogers


“E ao anjo da igreja de Tiatira escreve: Isto diz o Filho de Deus, que tem seus olhos como chama de fogo, e os pés semelhantes ao latão reluzente: Eu conheço as tuas obras, e o teu amor, e o teu serviço, e a tua fé, e a tua paciência, e que as tuas últimas obras são mais do que as primeiras. Mas tenho contra ti que toleras Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, para que se prostituam e comam dos sacrifícios da idolatria. E dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua prostituição; e não se arrependeu. (...) E ferirei de morte a seus filhos, e todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda os rins e os corações. E darei a cada um de vós segundo as vossas obras. Mas eu vos digo a vós, e aos restantes que estão em Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina, e não conheceram, como dizem, as profundezas de Satanás, que outra carga vos não porei. Mas o que tendes, retende-o até que eu venha. E ao que vencer, e guardar até ao fim as minhas obras, eu lhe darei poder sobre as nações, E com vara de ferro as regerá; e serão quebradas como vasos de oleiro; como também recebi de meu Pai. E dar-lhe-ei a estrela da manhã. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.

(Apocalipse 2, 18-21 e 23-29)

O estado representado por esta Igreja de Tiatira, que é a quarta da nossa série, refere-se à caridade e à fé. No homem da Igreja, que entrou plenamente nesse estado, as relações entre a caridade e a fé estão de acordo com as leis da ordem; quer dizer, ele considera como principal a caridade; esta constitui o essencial do seu culto e de sua vida; é o seu amor dominante; e de acordo com ele aprecia e julga todas as coisas. Tudo que se relaciona com a caridade tem para ele grande valor; ao contrário, o que com ela não se relaciona não lhe interessa de modo algum. Para ele, a fé tem importância secundária, embora esteja longe de considerá-la sem valor.
De acordo com as leis da ordem, deve haver a mais íntima relação entre a caridade e a fé. Realmente, para que a caridade seja verdadeiramente caridade precisa estar unida à fé num casamento celeste. A razão disso é que a caridade é a substância, e a fé é a forma que essa substância toma para que não se dissipe. Por isso existe implantado até nas mínimas coisas da caridade — nas mínimas afeições — o desejo de encontrar a verdade correspondente, de que necessita para formar um conjunto harmônico. Como a caridade instiga o homem a procurar a verdade de que precisa, e como as verdades, quando estão unidas à caridade no homem, constituem a sua fé, pode-se dizer que a fé procede da caridade a que está unida. Assim, o homem no estado tiatirano está, conseqüentemente, na fé da caridade.
Este estado, nos Escritos, também é considerado como sendo um estado em que o homem externo ou natural está unido ao homem interno ou espiritual. Isso decorre, necessariamente, do fato de a caridade e a fé estarem unidas nele.
A Doutrina nos ensina que o homem é interno e externo — espiritual e natural. Ensina também que a vontade está no interno do homem, e que as coisas próprias à vontade, que são os amores e as afeições, lhe são insinuadas inconscientemente, pelo caminho interno. Assim, a caridade que é um agregado de amores e afeições, tem a sua sede na vontade e é, portanto, uma característica do homem interno. Ensina mais que o entendimento é externo, comparado à vontade, e que as verdades que lhe são próprias, têm a sua sede nele sendo, por isso, relativamente externas. Quando, por conseguinte, a caridade e a fé estão unidas, a vontade e o entendimento que as contêm devem, necessariamente, estar unidos também e, como conseqüência, o homem espiritual interno e o homem natural externo estarão unidos.
Quando o entendimento está unido à vontade, toma sobre si a qualidade da vontade, e é assim como que transferido para o plano espiritual do homem. É um erro pensar que a vontade e o entendimento podem estar unidos no homem interno sem haver ao mesmo tempo uma conjunção entre o homem interno e o externo. Para que a vontade possa unir a si o entendimento, precisa descer ao plano do entendimento que, então, adquire a sua qualidade. Não somente o entendimento, mas todo o homem externo torna-se assim espiritual. Mas para que a vontade possa descer ao plano do entendimento, esse plano precisa ser preparado para recebê-la; precisa haver uma correspondência entre o plano da vontade e o plano do entendimento. E onde há correspondência, há conjunção.
É preciso não esquecer, porém, que, por mais elevado e interior que o entendimento se torne, ele só pode receber as verdades que o nutrem, sustentam e aumentam, pelo caminho externo, do mesmo modo que o homem só pode sustentar a vida material que recebe internamente, pelo alimento que toma externamente. Se, portanto, o plano externo não se unisse ao plano interno, para onde o entendimento é transferido, não haveria qualquer comunicação entre os dois planos. As verdades não poderiam passar além do plano externo — e ascender ao interno; e, nessas condições (inadmissíveis), o entendimento pereceria. Essas considerações mostram claramente que a conjunção da vontade e do entendimento, e a do homem interno com o externo, são completamente interdependentes; uma inclui a outra intimamente e tão intimamente que uma não pode se processar sem a outra.
Nenhum homem nasce em pleno estado tiatirano, pois ao nascer o seu interno está fechado, sendo aberto pelo Senhor somente quando, na idade adulta, ele avança, como que por seu próprio esforço, no caminho da regeneração. A fé e a caridade são qualidades espirituais que o homem somente pode receber do Senhor à medida que o seu homem interno é aberto pela regeneração.
Durante a meninice e a juventude, o homem depende dos outros. Não pode então determinar, por si mesmo, o valor relativo do bem e do mal. É incapaz de exercer uma completa liberdade de escolha, visto que isto exige que assuma a iniciativa de compelir-se a agir e a pensar contra a corrente de suas inclinações naturais. O período da meninice e da juventude é, por esta razão, o tempo de preparação para a regeneração efetiva, que só pode ter lugar na idade adulta. Se a pessoa foi convenientemente preparada por seus pais, por seus professores e por outros adultos em cuja dependência esteve, terá uma faculdade racional bem provida de conhecimentos e a determinação de praticar o bem quando atingir a maturidade.
No começo da estrada da regeneração, a caridade e a fé são duas coisas independentes, tendo apenas vaga relação uma com a outra. O bem que o homem faz então não é o bem da caridade, visto que ainda é meramente natural, incapaz de fazer alguma coisa espiritual. Mas se persevera em seu esforço para fazer o bem e evitar o mal, procurando os conhecimentos que lhe são necessários para poder distinguir o justo do injusto, e para saber como praticar o bem e evitar o mal, então sua mente espiritual será aberta, e dentro dela será insinuado aquele amor espiritual que é a verdadeira caridade.
Esse amor, quando está presente no homem interno, entra em atividade provendo as suas necessidades espirituais. Fará esforços para descer ao homem externo; inspirar-lhe-á o desejo de compreender as verdades; habilitá-lo-á a perceber as verdades e a entendê-las racionalmente; dar-lhe-á o prazer de aprender novas verdades e de aplicá-las mais perfeitamente à sua vida. As verdades que o homem adquire por meio da atuação da caridade constituirão em seu entendimento uma fé verdadeira — uma fé espiritual unida à caridade e por ela qualificada. Estas verdades da fé, quando adquiridas, compreendidas e praticadas constituem os meios pelos quais o homem externo natural será disposto em ordem e levado a unir-se com o homem interno. Numa palavra, a fé — que procede da caridade — é o meio pelo qual os fins da caridade são atingidos.
A preparação do homem externo para receber a caridade e unir-se com o interno, não se consegue com facilidade nem com rapidez. Há muitas coisas no homem externo que estorvam o avanço para o pleno estado tiatirano. Essas coisas precisam ser vencidas. As forças do inferno, que obstinadamente se opõem a todo esforço que o homem faz para levar seu homem natural à conjunção com o espiritual, precisam ser combatidas e afastadas. E para obter as armas de que necessita para vencer nessa luta — as verdades da Palavra — o homem deve estudar pacientemente a Palavra, a fim de alcançar a compreensão de seus ensinamentos.
Contudo, por maiores que sejam as dificuldades que o homem tenha de enfrentar, e por maiores que sejam os esforços que precisa despender, ele tem sempre a possibilidade de ser bem sucedido. E à medida que for alcançando sucesso — à medida que a fé e a caridade forem se unindo nele — irá se tornando um homem espiritual. Embora o que ele faz, então, possa parecer exatamente semelhante ao que fazia antes de se regenerar, haverá, entretanto, uma grande diferença. Anteriormente seus atos eram inspirados por algum amor natural — por um desejo de alcançar a felicidade no céu, por si mesmo — ou talvez, por mero instinto.
Neste novo estado, a caridade e a fé estão presentes nos próprios atos de sua vida; as coisas que eram antes meros atos de caridade, tornam-se agora bens reais da caridade, feitos por um genuíno amor ao próximo. E por isso, se diz da Igreja de Tiatira: “Eu conheço as tuas obras, a caridade, e serviço, e fé, e a tua paciência, e as tuas últimas obras, e que as derradeiras são mais que as primeiras”.
Nenhum homem pode estar certo de atingir o estado tiatirano, mesmo que deseje fazer o bem e entrar no céu. Perigos de toda espécie atravancam o seu caminho, ameaçando impedir a realização de seus desejos. O principal perigo entre esses é que a fé venha a ficar de tal modo separada da caridade que a conjunção entre as duas se torne impossível. Isso acontece quando a fé é encarada como o único meio de salvação. A caridade é então destruída e, conseqüentemente, a fé também o é, pois a fé não pode existir sem a caridade. O resultado é que o homem fica sem caridade e sem fé, e assim não pode ser mais um recipiente da vida do céu.
A tendência para separar a fé da caridade, como toda tendência má, provém dos amores de si e do mundo, que atuam na mente natural de todo homem. Os amores de si e do mundo, se não forem postos sob o domínio dos amores celestes, se esforçarão constantemente para perverter e adulterar tudo o que se relaciona com a fé e a caridade. E são bem sucedidos em seus esforços sempre que o homem permite que eles prevaleçam sobre os amores celestes. É preciso, pois, reprimi-los e, por fim, subjugá-los. Isso não uma tarefa fácil, porque os maus amores têm como aliados os prazeres que a sua satisfação produz.
Estes prazeres exercem uma influência poderosa e extremamente sutil, afastando a racionalidade, exatamente como Jezabel fez com seu marido Ahcab, rei de Israel, e que o Senhor recorda na carta. Isso leva o homem a perverter as verdades e a dar crédito às falsidades para poder continuar a condescender com seus males, o que o leva a adulterar seus bens, misturando-os com o mal. Sem o perceber, o homem, então, adora outros deuses, e segue pelo caminho de gente estranha. A importância da caridade é posta em dúvida e isto, principalmente, porque essa doutrina claramente estatui que se deve renunciar aos males e praticar os bens.
Nessas condições, parece que a fé é suficiente, isto é, que aquilo em que se crê constitui toda a religião. E quando este ponto é atingido, resta muito pouca esperança para o homem. O Senhor lhe dá todas as oportunidades para arrepender-se e voltar de seu mau caminho. Mas aquele que se deixou cair num estado confirmado de fé só está tão profundamente ligado ao mal que não desejará mais arrepender-se. Está demasiado cego para ver que a Palavra ensina claramente que o homem é julgado de acordo com as suas obras e não de acordo com a sua fé.
A fim de que o homem seja prevenido dos perigos que o ameaçam, para que escape à tendência de separar a fé da caridade, para que possa repelir as sedutoras influências dos amores de si e do mundo, para que as verdades e os bens permaneçam puros e imaculados — por todas essas razões — foi escrito a respeito do estado tiatirano: “Mas tenho contra ti que toleras Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, para que se prostituam e comam dos sacrifícios da idolatria. E dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua prostituição; e não se arrependeu”.
Há muitas pessoas que estão no estado de fé só, tanto no interior como no exterior da Igreja. Alguns destes podem ser salvos, porque ainda não se confirmaram nesse estado. Estes são os simples e ignorantes que, sem nenhuma culpa propriamente sua, foram levados ao estado de fé só devido ao ensino impróprio que lhes deram, e por não terem tido facilidades de acesso à Palavra, levando, não obstante, uma vida essencialmente boa.
Embora estejam nas falsidades quanto à doutrina, têm afeição ao bem, o que lhes dá alguma percepção da verdade. E devido a isso estão num estado de inocência. Enquanto conservam os bens e as verdades que possuem — muito embora sejam poucos em número e inferiores em qualidade —, enquanto permanecem na inocência, enquanto não se confirmam em doutrinas heréticas e em más afeições, nada mais se exige deles. Poderão regenerar-se mais tarde, porque o Senhor, em tempo, os proverá com os meios para adquirirem as verdades; dar-lhes-á possibilidades para se regenerarem de acordo com os ensinamentos da Palavra; e, se fizerem a sua parte, o Senhor levá-lo-á ao estado tiatirano da fé da caridade; dar-lhes-á a sabedoria e a inteligência, a paz e a alegria que propriamente pertencem a esse estado:
“E darei a cada um de vós segundo as vossas obras. Mas eu vos digo a vós, e aos demais que estão em Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina, e não conhecem, como dizem, as profundezas de satanás, que outra carga não vos porei. Porém, o que tendes retende-o até que eu venha. E ao que vencer, e guardar até ao fim de minhas obras, eu lhe darei poder sobre as nações, e com vara de ferro as regerá; serão quebrados como vasos de oleiro, como também recebi de meu Pai. E dar-lhe-ei a estrela da manhã. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.
Amém.

•   1ª Lição:     I Reis 21, 1-11; 14-19; 23-26
•   2ª Lição:     A. E. 159