A IGREJA DE PÉRGAMO


Sermão pelo Rev. Norbert H. Rogers


“E ao anjo da Igreja que está em Pérgamo escreve: Isto diz Aquele que tem a espada de dois fios: Eu sei as tuas obras, e onde habitas, que é onde está o trono de satanás; e reténs o meu nome, e não negaste a minha fé, ainda nos dias de Antipas, minha fiel testemunha, o qual foi morto entre vós, onde satanás habita. Porém umas poucas coisas tenho contra ti: que tens lá os que retêm a doutrina de Balaão, o qual ensinava Balaque a lançar tropeços diante dos filhos de Israel, para que comessem dos sacrifícios da idolatria e se prostituíssem. Assim tens também os que retêm a doutrina dos nicolaítas, o que eu odeio. Arrepende-te, e, senão, em breve virei a ti, e contra eles batalharei com a espada da minha boca. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas. Ao que vencer darei eu a comer do maná escondido, e dar-lhe-ei um seixo branco, e um novo nome escrito no seixo, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe”.

(Apocalipse 2, 12-17)

A série dos estados pelos quais passa o homem para entrar e progredir na Igreja de modo a tornar-se, finalmente, um homem da Igreja, começa quando a sua memória se enche de conhecimentos do bem e da verdade adquiridos, direta ou indiretamente, da Palavra.
A entrada na Igreja se efetua quando estes conhecimentos, e as doutrinas formuladas de acordo com eles, são aplicados à vida, pois o homem está então, quanto à sua vida, num estado de bem. Em relação à doutrina, porém, ainda permanece na falsidade, não possuindo, por isso, um entendimento da verdade para poder distinguir entre os conhecimentos do bem e da verdade, de um lado, e os da falsidade e do mal, de outro lado. Não está assim em condições de separar uns dos outros, nem de rejeitar o que é mau e falso, e usar o que é bom e verdadeiro. O homem sai desse estado de treva espiritual, esforçando-se, persistentemente, para aperfeiçoar seu entendimento da Palavra, para erradicar as falsidades de sua doutrina, e para retificar a aplicação da verdade à sua conduta, vivendo, ao mesmo tempo, de acordo com o que sabe, ou ao menos acredita ser direito. O homem chegará então a ver e reconhecer sua própria inteligência e fraqueza espirituais compreendendo que, por si mesmo, não pode entender uma simples verdade ou fazer qualquer bem.
Compreenderá também que o Senhor — que é o único Deus — é o tudo de todas as coisas, que somente d’Ele provém todo entendimento e toda sabedoria, todo bem que é realmente bem, e que sem Ele o homem é impotente contra os infernos. Este reconhecimento é o começo de toda riqueza e vida espirituais, pois faz com que o Senhor se aproxime dele e lhe dê a afeição espiritual pela verdade. O desejo de entender a Palavra e agir de acordo com os seus preceitos brotará então desse amor à verdade e ao bem. Isto o conduzirá, finalmente, ao estado de iluminação espiritual, de inteligência e de sabedoria e, daí, à vida do céu, se resistir às múltiplas tentações a que o inferno o sujeitará. A sua regeneração estará completa então; ele será um homem da Igreja e um anjo do céu.
Esta seqüência metódica de estados pelos quais a Igreja se estabelece no homem, é representada pelo que está escrito no Apocalipse sobre as Igrejas de Éfeso e Esmirna.
A Igreja efesiana representa o estado em que se está nos conhecimentos da verdade e do bem antes desses conhecimentos serem aplicados à vida. Portanto, os que estão nesse estado têm o dever de viver de acordo com os ensinamentos doutrinais que conhecem. A Igreja esmirneana representa o estado dos que começaram a viver de acordo com seus conhecimentos doutrinais e que, por isso, entraram na Igreja, mas ainda não compreendem as verdades da Palavra.
Este estado é o dos homens que estão no bem quanto à vida, mas nas falsidades quanto à doutrina. Por isso, os que estão no estado esmirneano são informados a respeito das falsidades que obscurecem a sua mente, e incitados a procurar um entendimento da Palavra, de modo que possam compreender a sua pobreza espiritual e, desse modo, tornar-se ricos. São prevenidos sobre as tentações que terão necessariamente que sofrer no prosseguimento de sua regeneração. São também exortados a permanecer fiéis a seu amor ao bem e à verdade, de modo que, quando a pressão e a luta da tentação passarem, estejam, estejam preparados para receber a coroa da vida espiritual.
Como o estado esmirneano, o de Pérgamo é um estado de bem nos externos e de falsidade quanto à doutrina. Mas a semelhança entre eles não passa daí. No estado esmirneano existe o desejo de compreender as verdades da Palavra, desejo que torna menos grave o estado de suas falsidades. Este desejo é o meio pelo qual essas falsidades são dispersadas — e será o seu entendimento espiritual iluminado. Mas no estado pergamoneano não há tal desejo de compreender a verdade.
Aquele que está nesse estado não compreende a necessidade do entendimento verdadeiro. É indiferente às verdades, encarando-as como mais ou menos supérfluas. Considera as boas obras como o único meio de atingir a felicidade do céu. Contenta-se com abster-se de violar os mandamentos em sua conduta. Não compreende que as boas ações, se não forem orientadas pelas verdades, serão boas apenas na aparência. Não leva em conta o fato de que não pode ter caridade genuína enquanto não compreende as verdades, e não regula a sua vida pelo entendimento da verdade. Daí resulta um estado de treva espiritual quase impenetrável. E como não faz qualquer esforço para reconhecer suas falsidades, elas se multiplicam sem obstáculos, cegando-o de tal forma que pouco mais pode perceber além do que lhe vem do inferno. As falsidades estão como que entronizadas em sua mente, resultando daí a sua sujeição ao inferno. Para que ele possa compreender o seu estado, habilitando-o assim a sair dele, nosso texto simbolicamente acentua, pela repetição, o fato de que ele está nas falsidades: “Eu sei as tuas obras e onde habitas, que é onde está o trono de satanás (...) Antipas, minha fiel testemunha, o qual foi morto entre vós, onde satanás habita”.
O estado pergamoniano pode ser subdividido em três estados gerais ou, o que é o mesmo, há três espécies de homens que estão somente nas boas obras:
1ª) os que têm o desejo real de regenerar-se;
2ª) os que praticam boas obras, hipócritas; e
3ª) os que praticam obras cujo mérito se atribuem.
Na primeira espécie, há alguns homens que, embora exagerem a importância do bem muito além do razoável — e não a necessidade de entender as verdades da Palavra — têm, não obstante, um desejo real de regenerar-se. Estes estão num estado gentio. Reconhecem o Senhor como Deus do céu e da terra, mas não têm qualquer conhecimento do que está implícito nesse reconhecimento. Por essa razão o seu reconhecimento não é interno e vital, mas meramente externo e superficial.
Não se aproximam do Senhor e, por isso, não podem ser elevados a Ele, visto que para eles o Senhor não é vivo nem real. Reconhecem também a Palavra como Divina Verdade, mas não compreendem os seus ensinamentos. Não procuram as verdades na Palavra, contentando-se com a sua simples leitura, ou satisfazendo-se em ouvir lê-la, de tempos em tempos, regularmente; pois a maior parte das verdades são para eles apenas palavras sem significação. As verdades que venham a colher em sua leitura, ou que lhes sejam ensinadas, eles as torcem, talvez inconscientemente, para acomodá-las a si mesmos. É como se o testemunho da Palavra fosse neutralizado e, finalmente, abafado por completo, pela porção de falsidades que ainda conservam. Contudo, a despeito dessas falsidades, reconhecem o Senhor e não negam a autoridade de Sua Palavra. “A estes são dirigidas as palavras: reténs o meu nome, e não negaste a minha fé, ainda nos dias de Antipas, minha fiel testemunha, o qual foi morto entre vós, onde satanás habita”.
Entretanto, o fato de reconhecerem, ainda que só externamente, a Divindade do Senhor e a autoridade da Palavra, dá-lhes a possibilidade de salvação. Pois este reconhecimento como que impede o completo fechamento da mente. Um vislumbre da verdade pode ainda penetrar através da estreita fenda que está aberta. Se puderem ser levados a ver, tão somente, que as verdades são indispensáveis para justificar o seu bem e, desse modo, chegarem a reconhecer seu erro, poderão alcançar, finalmente, um verdadeiro reconhecimento do Senhor e um genuíno entendimento da Palavra. Disto depende a sua vida espiritual. Seu avanço do estado de Pérgamo para um estado de iluminação e de sabedoria celeste não será rápido, nem será fácil, mas não está acima de suas forças. Se eles se esforçarem no conhecimento da verdade pela Palavra, serão salvos.
Para que não se pense que, enquanto se reconhece o Senhor e a Palavra externamente, haverá sempre esperança de salvação, e para que não se seja tentado a protelar o trabalho da regeneração, deve-se ter em mente que esse reconhecimento externo conserva a mente aberta apenas por um período de tempo relativamente curto — apenas enquanto o homem não se confirma nos males. Não se deve também esquecer que é extremamente fácil o homem confirmar-se nos males, mesmo quando está convencido de que reconhece Deus e acredita na Palavra. Daí é evidente que, se o homem quiser guardar-se contra a confirmação nos males, precisa adquirir um verdadeiro entendimento da verdade; deve esforçar-se constantemente para progredir através de novos e melhores estados.
A segunda espécie é constituída por aqueles que praticam boas obras; contudo, tais obras são hipócritas. Estes são os que se satisfazem em permanecer no reconhecimento externo do Senhor e da Palavra, e por isso degeneram para um estado em que a afirmação desse reconhecimento se reduz a palavras vazias. Começam praticando boas obras por causa da religião, mas depois as praticam para satisfazer amores egoísticos e mundanos. Seu prazer consiste então em fazer com que as pessoas da Igreja — em quem podem influir devido à sua vida aparentemente boa e a suas palavras piedosas — pratiquem em seu culto e em sua vida, os falsos princípios e os maus intuitos que eles mesmos praticam. Deste modo, eles são levados, e levam os outros a profanar as coisas santas da Igreja, e a adulterar o seu culto, exatamente como o conselho de Balaão, visando corromper os israelitas. A esses são dirigidas as palavras: “Porém umas poucas coisas tenho contra ti: que tens lá os que retêm a doutrina de Balaão, o qual ensinava Balaque a lançar tropeços diante dos filhos de Israel, para que comessem dos sacrifícios da idolatria e se prostituíssem”. Esses não têm possibilidade de salvação.
A terceira espécie, no estado de Pérgamo, é constituída por aqueles que atribuem a si mesmos o mérito das boas obras que praticam. Estes encaram as boas obras meramente como meios para alcançar felicidade, o que é contrário à ordem. Em outras palavras, o fim que têm em vista nas obras que fazem é egoístico. Como acontece com todos aqueles que visam em tudo o próprio eu, eles se afastam do Senhor, atribuindo todo o poder a si mesmos. Deste modo roubam, por assim dizer, o que é propriamente do Senhor, a quem nem externamente reconhecem. Colocam-se assim completamente dentro da esfera do inferno e, portanto, fora de toda possibilidade de salvação. Por este motivo parece-lhes que a misericórdia e o amor do Senhor nada mais são que ódio e vingança. E por causa dessa aparência, a Palavra diz: “Assim tens também os que retêm a doutrina dos nicolaítas, o que eu odeio”.
Aos que estão no estado de Pérgamo, as palavras do Senhor chegam como agudas espadas de dois fios. Para a primeira espécie — aqueles que estão no estado gentio das boas obras, embora não compreendam a necessidade do entendimento da verdade — as palavras do Senhor ferem profundamente a sua cômoda doutrina de que o bem externo é tudo o que é necessário para a salvação. Para a segunda e a terceira espécies — aqueles cujas obras são hipócritas e meritórias — as palavras do Senhor são como espadas de carrasco, privando-os de toda vida por causa dos males que praticaram. Na realidade, a verdade não condena nem destrói. Mas os que estão internamente no mal — mesmo que estejam externamente no bem — rejeitam a verdade e, assim fazendo, eles se condenam.
Quando chegam ao mundo dos espíritos e (por ocasião do julgamento) são confrontados com as verdades que odeiam, eles se lançam no inferno, parecendo-lhes, porém, como se o Senhor viesse contra eles para destruí-los. E por causa dessa aparência, está escrito: “(...) em breve virei a ti, e contra eles batalharei com a espada da minha boca”. Para aqueles, porém, que verdadeiramente desejam fazer o bem e que, a despeito de sua ignorância, reconhecem o Senhor e a Sua Palavra, as verdades são como espadas protetoras que atravessam de lado a lado os véus da falsidade que obscurecem o entendimento e cortam os laços do mal que lhes constrangem a vida.
Como acontece com todos os outros estados, o de Pérgamo não pode ser mudado a não ser por meio da Palavra. Quem está neste estado e deseja tornar-se um homem da Nova Igreja, precisa procurar a Palavra. Mesmo que não tenha inclinação alguma para socorrer-se da Palavra, deve, não obstante, compelir-se a procurar aí as verdades continuamente. E quando o seu conhecimento e entendimento da verdade forem desanimadoramente pequenos por causa de todas as suas falsidades, deve ao menos fazer uso daquilo que conhece e compreende. Pois ainda que a luz da verdade apenas brilhe fracamente, sempre dá claridade suficiente para que possa achar o caminho para sair da treva e marchar em direção à luz, evitando as armadilhas que sua vida anterior preparou para ele. Precisa, porém, elevar os olhos para achar a luz e, quando achá-la, seguir na sua direção.
Aqueles que têm procurado a Palavra pela verdade e lhe têm obedecido, podendo assim resistir à poderosa e sedutora tentação de seguir as doutrinas de Balaão e dos nicolaítas, isto é, que têm podido defender-se contra a tendência para fazer obras hipócritas ou meritórias; aquele que, por sua obediência à verdade da Palavra, têm reconhecido o Senhor e têm-se esforçado para fazer com que as suas obras sejam realmente boas, ligando-as às verdades que aprenderam — esses serão conduzidos para fora de seu estado de treva espiritual e se regenerarão. Esses entrarão num estado celestial, porque o seu amor dominante era bom e porque venceram as tentações que os afligiram.
Este estado é de grande sabedoria e prazer porque os que estão nele recebem as verdades do Senhor diretamente em suas vidas. Com efeito, o estado de sabedoria celeste e o conseqüente prazer são tão grandes e elevados, que escapam à percepção e compreensão de todos os que não estão num estado semelhante. A eles são dirigidas as seguintes palavras do texto, que diz:
“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas: Ao que vencer darei eu a comer do maná escondido, e dar-lhe-ei um seixo branco, e um novo nome escrito no seixo, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe”. Dar a comer do maná escondido significa fazer assimilar a sabedoria e o bem do amor celeste naqueles que estão operando. Dar uma pedra branca significa confirmar as verdades favoráveis às boas obras genuínas.
Amém.

•   1ª Lição:     Números 31, 1-24
•   2ª Lição:     A. R. 120-123