A IGREJA DE LAODICÉIA


Sermão pelo Rev. Norbert H. Rogers
“E ao anjo da Igreja que está em Laodicéia, escreve: Isto diz o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus: Eu sei as tuas obras, que nem és frio ou quente! Assim pois que és morno, e nem és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca. Porque dizes: Rico sou, eu estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu. Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças; e vestidos brancos, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e unjas os teus olhos com colírio, para que vejas; Eu repreendo e castigo a quantos amo: sê pois zeloso, e arrepende-te. Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo. Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no meu trono. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.

(Apocalipse 3, 14-22)

A Igreja de Laodicéia é a última de nossa série, vindo logo depois da Igreja de Filadélfia, de que é, por assim dizer, a antítese. Pois Filadélfia representa um estado adiantado da Igreja, enquanto que Laodicéia representa um estado retrógrado. O estado filadelfiano é de fé procedente da caridade e a ela unida; o laodiceano, porém, é de fé separada da caridade. O primeiro pertence a uma Igreja viva — aos homens que, tendo descoberto o caminho para o céu e por ele andado, chegaram ao ponto de ser admitidos através das portas que lhes foram abertas pelo estado de regeneração final, atingindo os usos eternos que sustentam o céu e estabelecem a Igreja.
O estado laodiceano, ao contrário, é próprio de uma Igreja morta — é próprio dos homens que se afastaram a uma grande distância da Igreja, e estão, por assim dizer, nos umbrais do inferno. O laodiceano não é, entretanto, um estado gentio, ao contrário, é próprio dos que estão normalmente na Igreja. Porque só podem entrar nesse estado os que possuem a Palavra de que derivam a sua fé. Os que estão neste estado acreditam que a Palavra tem autoridade, mas vivem segundo as suas próprias inclinações em vez de viverem de acordo com o que dizem acreditar. Acreditam e não acreditam nas verdades da Palavra. Pensam
“que há um Deus, que a Palavra é santa, que há uma vida eterna, e muitas outras coisas da Igreja e de suas doutrinas; mas na realidade não acreditam. Acreditam por seu sensual natural e não acreditam por seu racional natural; assim, acreditam quando estão nos externos, portanto quando estão em sociedade e discutem com os outros; mas não acreditam quando estão nos internos, conseqüentemente quando não estão em sociedade com outros, mas discutindo com eles mesmos”. (A. R. 198)
Os que estão neste estado dão a impressão — impressão que eles mesmos julgam verdadeira — de que amam as verdades da Palavra e as coisas da Igreja, e que são zelosos na sustentação das doutrinas. Quando, porém, as verdades da Palavra não concordam com as teorias que arquitetam, então acham que a verdade está com as suas teorias e não com a Palavra, e dessa forma anulam a sua constante afirmação de que consideram a Palavra como sendo a autorizada revelação da Divina Verdade. Quando as exigências da Igreja interferem com o seu modo de vida, continuam em seu caminho, quase sem hesitação e, desse modo, contradizem sua afirmação de que a Igreja é tudo em todas as coisas de sua vida. Quando as doutrinas condenam como más as coisas que amam e fazem, passam sobre essas doutrinas, desrespeitando-as completamente, enquanto sustentam as outras que não os afetam tão diretamente. Em resumo, só acreditam e fazem o que desejam acreditar e fazer, estando interessados em achar na Palavra as confirmações de suas idéias preconcebidas, em lugar da verdade, e a permissão para seus males, em lugar de exortações para se examinarem e evitar os males como pecados contra Deus.
Como os que são de Laodicéia acreditam, ao menos em parte, nas verdades da Palavra, eles podem, até certo ponto, considerar o Senhor como o Deus da verdade, tal como está revelado na Palavra. Por esta razão, dirigindo-se a Laodicéia, o Senhor acentua o fato de que Ele é o Deus da verdade, fazendo o possível para despertar o reconhecimento de que a Divina Verdade procedente d’Ele deve ser acreditada, implicitamente, em sua integridade — acreditada como o meio de confirmação, como o meio de instrução e como o meio de reforma e, portanto, de regeneração.
Como os que estão no estado laodiceano reconhecem a Palavra do Senhor em parte somente, e como separam a fé da caridade, isto é, a verdade do bem, é indispensável que venham reconhecer a Palavra como verdadeira em todas as suas partes, e que a verdade ou a fé é apenas o primeiro passo, ou o começo, e não o fim da salvação. É por este motivo que se diz em nosso texto: “E ao anjo da Igreja que está em Laodicéia, escreve: Isto diz o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus”.
O estado laodiceano é extremamente infeliz; porque os que estão nele, ora acreditam, ora não acreditam na Palavra.
“Negar e reconhecer alternadamente a santidade da Palavra é não ser frio nem quente, pois esses são contra a Palavra e também pela Palavra (...) estão ora com os que se acham no inferno, e ora com os que estão no céu; esvoaçam, por assim dizer, entre um e outro, para cima e para baixo, e para onde voam, para lá voltam a face. Tais se tornam aqueles que se confirmaram na crença de que há um Deus, de que há um céu e um inferno, e de que há uma vida eterna; e depois arrepiam caminho (...) porque depois pensam só em si e no mundo, ambicionando sem cessar elevar-se acima dos outros, e por isso mergulham no seu próprio (...)”. (A. R. 202)
Os que estão nesse estado porque separam a fé da caridade,
“vivem para si mesmos, para o mundo, e para os desejos, e os que assim vivem estão no amor infernal; ainda que, por lerem a Palavra, por ouvirem prédicas sobre ela, por participarem da Santa Ceia, e por muitas outras coisas da Palavra que conservam na memória, olhem para o céu (...) Assim, dividem a mente em duas partes; a saber, pelas coisas que são da Palavra se voltam para o céu, e pelas coisas que são da vida, voltam-se para o inferno”. (A. E. 231)
Olham para o céu com o entendimento, mas para o inferno com o coração. Por meio do entendimento, portanto, são aquecidos pela vida do céu, mas por seu coração são enregelados pela morte do inferno. E, pela mistura dessas influências, tornam-se mornos, não estando inteiramente nem no calor do céu, nem no frio do inferno.
O estado laodiceano é, pois, um estado de profanação. O ensinamento seguinte deixa isso bem claro: “profanar é crer em Deus, na Palavra, na vida eterna, e em muitas coisas ensinadas na Letra da Palavra e, contudo, viver contrariamente a isso”. E o fato do estado laodiceano ser profano nunca será demasiadamente repetido. As advertências contra a nossa entrada nele devem ser incisiva e inconfundivelmente claras; pois a sorte dos profanadores confirmados é terrível. Por suas profanações, eles separam-se completamente do Senhor; tão completamente que não podem ficar nem no céu, nem no inferno, mas permanecem num lugar aparte onde levam uma existência semi-inconsciente.
Não conseguem um lugar no inferno, cujos habitantes podem, pelo menos, preencher determinados usos, e cujas cobiças podem ser mantidas dentro de certos limites, tendo ainda a possibilidade de gozar alguns prazeres em sua vida. Os profanadores, porém, não podem preencher usos, nem mesmo os negativos; de seu estado de bem e mal misturados, só destruição pode provir. Desse modo não é possível levá-los nem ao menos a um simulacro de ordem, sendo assim possível dar-lhes qualquer prazer.
A razão pela qual os profanadores estão tão separados do Senhor que chegam a ficar privados de toda vida humana — vivendo pela eternidade afora sem poder experimentar nem mesmo o menor dos prazeres do inferno — assenta no fato de terem a mente dividida. A parte que olha para os céus leva-os nessa direção, enquanto que a parte que olha para o inferno arrasta-os na direção oposta; de tal modo que eles são como que dilacerados entre as duas. Normalmente, um homem que escolhe o mal é privado de qualquer bem e verdade que possa ter; e o que escolhe o bem é purgado de seus males e falsidades. Mas o profanador confirma tanto o bem como o mal, tanto a verdade como a falsidade, de modo que nem uns nem outros lhe podem ser tirados. São partes de seu próprio ser. O resultado é que o profanador está num estado de constante conflito e tormento, de angustia e de perturbação, produzidas pela inflexível oposição e luta entre as coisas de seu entendimento e as de sua vontade; nem poderá ter qualquer alívio enquanto estiver vivo e consciente.
Por esta razão o Senhor, em sua Infinita Misericórdia, permite que a vida racional e consciente lhes seja tirada, e que permaneçam por toda eternidade num estado comatoso e passivo. Mesmo isto, porém, é uma coisa tão tremenda que é preferível para o homem abster-se completamente de se confirmar nos bens e verdades, se ao mesmo tempo está caminhando para se confirmar nos males e falsidades.
Convém, portanto, salientar-se que não se deve ver nisso uma permissão para negligenciar ou interromper a parte que nos toca no trabalho da regeneração, pois isso importaria em cometer uma profanação. Procedendo assim, estaríamos — usando um ensinamento Divino que reconhecemos como verdadeiro, para desculpar a nossa má vontade em viver bem e se pervertendo assim uma verdade — renunciando à obra da regeneração, e nos tornaríamos o pior tipo de profanador. Pois então nos voltaríamos para uma vida de desenfreadas cobiças, depois de termos reconhecido algumas verdades e de nos termos confirmado em alguns bens. E isto também é misturar o bem com o mal, e a verdade com a falsidade. Com efeito, a Doutrina nos ensina que renunciar à obra da regeneração produz o pior tipo de profanação. São estes, especialmente, os que representam os “mornos”. “Eu sei as tuas obras que nem és frio nem quente: oxalá foras frio ou quente! Assim, pois que és morno, e nem és frio nem quente, vomitar-te-ei de minha boca”.
É característico dos que estão no estado profano de Laodicéia sentir-se satisfeitos com a sua situação, porque estão na persuasão de que nada lhes falta espiritualmente. Pelo fato de conhecerem, em parte, a Palavra, estando familiarizados com alguns de seus ensinamentos, e podendo citar de cor muitas de suas passagens, acreditam que seus conhecimentos são completos, e que sabem da Palavra tudo o que é necessário saber-se.
Pelo fato de terem trabalhado durante mui tempo para falsificar a doutrina, confirmado seus erros com citações da Palavra, e de terem conseguido ligar as verdades com as falsidades de uma maneira engenhosa, acreditam que conhecem as verdades da doutrina, e que são, por isso, inteligentes e sábios. Pelo fato de terem vivido, externamente, pelo menos, de acordo com certas doutrinas da Igreja, e feito alguns atos de caridade, acreditam que vivem a vida da Igreja e que são ricos em bens da caridade. E, por estarem em tal persuasão, ignoram o seu verdadeiro estado.
Mas se examinassem seus pensamentos e intenções, colocando de lado opiniões preconcebidas, veriam que seu estado é miseravelmente incoerente, que seu reconhecimento da Palavra é apenas parcial, que procuram tanto o Senhor como o demônio, que estão tanto na afirmação como na negação quanto à Igreja, e que seus conhecimentos se contradizem uns aos outros. Veriam que, longe de possuírem bens e verdades e de serem ricos em conhecimentos são, ao contrário, lamentavelmente falhos em tudo isso, sendo espiritualmente desgraçados e pobres. Veriam também que, longe de entenderem a verdade são, ao contrário, cegos pelas falsidades, e que, longe de terem qualquer desejo pelo bem, somente o amor do mal se apresenta a seus olhos ansiosos, quando se gabam de sua vergonhosa nudez. “Porque dizes: Rico sou, eu estou enriquecido, e de nada tenho falta, e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre e cego, e nu”.
O laodiceano confirmado está demasiado satisfeito consigo mesmo — demasiado seguro do seu mérito — de modo que não pode examinar-se suficientemente para chegar a ver sua condição infeliz. A revelação da qualidade do estado laodiceano não é, portanto, dirigida propriamente a ele, mas aos que ainda podem ser auxiliados para que não venham a confirmar-se nesse estado. E há muitas pessoas que caíram no estado laodiceano, mas que ainda não se confirmaram nele e, por isso, ainda têm o desejo de conhecer e entender a verdade; que ainda estão num estado de suficiente inocência para preferir os conselhos do Senhor em vez de se guiar por si.
A despeito de sua crença em falsas doutrinas, essas pessoas ainda se interessam por um reto modo de viver e têm, portanto, alguma caridade. Por isso o seu estado infeliz pode ser melhorado, sua miséria e pobreza podem ser atenuadas, sua cegueira pode ser curada e sua nudez pode ser coberta. Por esta razão o Senhor as adverte em Sua Palavra e lhes indica os meios para alcançar novos e melhores estados. “Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças; e vestidos brancos para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e unjas os teus olhos com colírio, para que vejas”.
O “ouro” significa o bem genuíno do Senhor que, procedendo d’Ele, traz consigo o calor do Seu Divino Amor, e a animação de Sua vida. Estes bens, quando recebidos, enriquecem a mente do homem com sabedoria, sendo como que comprados do Senhor, quando o amor próprio é subjugado e os males evitados.
Os “vestidos” brancos são verdades puras, tiradas da Palavra e pelas quais o homem adquire fé e inteligência. Estas verdades como que vestem os atos da vida do homem com formas apropriadas e definidas, tornando-os bons, o que impede que os indignos amores do eu e do mundo se exteriorizem e apareçam em suas vidas. Estas roupas também podem ser compradas do Senhor pelo homem, o que acontece quando ele volta seus pensamentos para fora das falsidades e procura as verdades tanto quanto lhe é possível. Os bens e as verdades que o homem adquiriu do Senhor, efetuam, juntos, a abertura do seu entendimento, dando-lhe a faculdade da vista espiritual. Pois o “colírio” a que se refere o texto era um ungüento feito de farinha misturada com azeite; e “a farinha significa a verdade da fé, e o azeite o bem do amor (...) O entendimento nada vê da verdade a não ser que a vontade esteja no bem, pois a verdade no entendimento nada mais é que a forma do bem que está na vontade” (A. E. 245).
O laodiceano que pode e deseja se tornar espiritualmente rico com os bens do amor, que deseja vestir-se com as verdades da fé, e ser dotado com a vista do entendimento, tem necessariamente que passar pelas tentações. Só os que são inteiramente maus escapam às provações da tentação. As tentações, quando o homem as vence, constituem o meio pelo qual se processa — o meio pelo qual os bens e as verdades são confirmados e apropriados ao homem. Encaradas deste modo, as tentações são vistas como misericordiosas provisões do Senhor. Os que são tentados devem considerá-las desse modo para que não percam a esperança. Por isso o Senhor encoraja os laodiceanos, exortando-os a permanecer firmes em seu desejo de salvação, e constantes em seus esforços para afastar os males e falsidades que os afligem. “Eu repreendo e castigo a todos quantos amo: Sê pois zeloso, e arrepende-te”.
As palavras que se seguem a estas, falam em termos claros da regeneração que se produz depois que o homem se arrepende de seus males. Falam da contínua presença do Senhor no homem. Referem-se ao fato do homem abrir sua mente para receber os bens que provêm d’Ele, quando faz uso das possibilidades que Deus lhe deu para ouvir a Sua voz, que lhe fala em Sua Palavra, e para obedecer Suas Divinas instruções para abandonar os males e fazer o bem.
As palavras finais de nosso texto também nos trazem à mente a Santa Ceia simbólica da conjunção entre Deus e o homem, que o Senhor realiza quando o homem retribui o Seu amor. Reafirmam o ensinamento de que a regeneração se efetua através da tentação — de modo que quando o homem vence todas as tentações, a sua regeneração está concluída e a sua conjunção com o Senhor completada —, ficando unido a Ele no céu que é o trono do Senhor, como a terra é o seu escabelo.
E, finalmente, elas nos dizem que a regeneração do homem é semelhante à glorificação do Senhor; ensina-nos, ainda, que assim como o Senhor conjunta o homem a Si, da mesma forma, Ele uniu Seu Humano a Seu Divino, tornando-se um com o pai no céu. “Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo. Ao que vencer lhe concederei que se assente com meu Pai no Seu trono. Quem tem ouvido, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.
Amém.

•   1ª Lição:     Mateus 12, 31-45
•   2ª Lição:     D. P. 231, 7-9