A IGREJA DE FILADÉLFIA


Sermão pelo Rev. Norbert H. Rogers


“E ao anjo da Igreja que está em Filadélfia, escreve: Isto diz o que é santo, o que é verdadeiro, o que tem a chave de David; o que abre, e ninguém cerra; e cerra, e ninguém abre: Eu sei as tuas obras: eis que diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode cerrar; porque tens pouca força, e guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome. Eis o que eu farei à sinagoga de satanás, dos que se dizem judeus, e não são, mas mentem; eis que eu farei que venham, e adorem prostrados a teus pés, e saibam que eu te amo. Porque guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra. Eis que venho logo; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa. A quem vencer, eu o farei coluna do templo do meu Deus, e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e o nome da cidade do meu Deus, o da Nova Jerusalém, que desceu do céu do meu Deus, e o meu novo nome. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.

(Apocalipse 3, 7-13)

Os Escritos nos ensinam que
“há duas coisas que procedem do Senhor e são recebidas pelos anjos: o Divino Bem e a Divina Verdade. Estes dois princípios procedem como um do Senhor, mas são recebidos diversamente pelos anjos. Alguns recebem o Divino bem mais do que a Divina Verdade, e outros recebem a Divina Verdade mais do que o Divino Bem. Os que recebem o Divino Bem mais do que a Divina Verdade constituem o Reino Celestial do Senhor, e se denominam anjos celestiais, sendo chamados na Palavra de “justos”. Aqueles, porém, que recebem a Divina Verdade mais do que o Divino Bem constituem o Reino Espiritual do Senhor, e se denominam anjos espirituais, sendo chamados na Palavra de “santos” (A. E. 204).
Com efeito, todos os estados em que o bem é fator predominante são celestiais; todos os homens cuja preocupação primordial é fazer o bem têm temperamento celestial e, pela regeneração, entram no Reino Celestial do Senhor. Por outro lado, todos os estados em que a verdade prepondera são estados espirituais; todos os homens cujo principal interesse está nos conhecimentos, nas verdades e na fé, são de temperamento espiritual e, depois de regenerados, entram para o Reino Espiritual.
De acordo com esta definição, a Igreja de Filadélfia representa um estado de qualidade espiritual, porque o que é dito dessa Igreja se refere aos que estão nas verdades do bem ou, o que é o mesmo, aos que estão numa verdadeira fé espiritual, que é a fé da caridade. A caridade (ou amor ao próximo) é definida como sendo o amor sincero e justo das verdades, com o desejo de praticá-las. A verdade, ou a fé é, então, claramente, o princípio diretor e ativo nos que estão no estado de Filadélfia.
Todos os homens consideram o Senhor de acordo com a qualidade de seu estado. Os que são celestiais, isto é, os que estão no amor do bem, consideram o serviço como um Deus todo amor, de quem emana o bem. Os que estão no amor do mal, ao contrário, consideram-se a si mesmos como os criadores do bem, e o Senhor como o Deus do ódio e da injustiça, de quem procedem todos os males que afligem a humanidade. E os que amam as falsidades encaram a si mesmos como os únicos autores da verdade, e o Senhor como o Deus da mentira, de cuja boca só provém heresias. Os que estão no amor da verdade, ao contrário, encaram o Senhor como um único Deus Onipotente, de quem todas s verdades e todos os julgamentos procedem.
Ninguém pode considerar o Senhor de um modo que não esteja de acordo com o seu próprio estado. Pode parecer de outra maneira; pode parecer que o mesmo homem tem a faculdade de considerar o Senhor de vários modos — como o Deus da verdade algumas vezes, e como o Deus do amor, outras vezes. Admitindo-se isso, teríamos que admitir também que, às vezes, se pode ver o Senhor, igualmente, como o Deus da injustiça ou como o autor da falsidade. Mas se nós da Nova Igreja examinarmos cuidadosamente os nossos pensamentos mais secretos, descobriremos que há só um tipo de pensamentos concernentes ao Senhor prevalecendo em nós, e esse está constantemente presente, indicando, claramente, o modo pelo qual consideramos o Senhor.
Veremos em todas as coisas que temos diante de nós manifestações da justiça, da misericórdia e do amor do Senhor, que encaramos com humilde e tranqüila alegria; ou veremos em todas essas coisas, primordialmente, confirmações da verdade — demonstrações da inexorável aplicação das leis da Ordem Divina, que nos enchem de amor e alegria, porque nos fazem compreender, de modo cada vez mais claro, a constância e o poder da verdade em seus esforços para unir coisas aparentemente sem relação entre si (e até contraditórias), numa unidade coesa e bem definida; ou, ao contrário, nosso pensamento dominante e contínuo considerará a Palavra como obscura e contraditória, e como inúteis para a vida espiritual os seus preceitos, e que a Palavra está freqüentemente errada, o que fará com que sintamos uma sensação de desprezo e de ódio por aqueles que acreditam que a verdade só pode ser achada na Palavra, que falam a seu respeito e que procuram viver fielmente de acordo com ela; ou, ainda, os nossos pensamentos se fixarão de preferência naquilo que nos parece exemplos de injustiça e da vingança do Senhor, o que fará acender em nossos corações os fogos latentes do ressentimento e da raiva impotentes.
Pelo fato do homem encarar o Senhor de acordo com a qualidade do seu estado e não poder considerá-lo de outro modo, em desacordo com essa qualidade, o Senhor se revela na Palavra de vários modos, acomodando-se, assim, a cada homem, qualquer que seja o seu estado, para que todos possam vê-l’O e reconhecê-l’O como Deus. O Senhor se revela aos homens de acordo com a possibilidade de cada um de compreendê-l’O. Assim, ao homem celestial Ele se revela como Deus de justiça, de misericórdia e de amor; e ao homem espiritual — ao que está no estado de Filadélfia — Ele Se mostra como o Deus da verdade — como um Rei a quem todo poder, toda autoridade e todo julgamento pertencem. É por esta razão que o Senhor, dirigindo-se à Igreja de Filadélfia, identifica-se como “O que é santo, o que é verdadeiro, o que tem a chave de Davi, o que abre e ninguém cerra, e cerra e ninguém abre”.
À luz dos Escritos se vê claramente que estas palavras se referem ao Senhor como o onipotente Deus da verdade; pois os Escritos nos ensinam que a santidade é um atributo da Divina Verdade; assim, a Palavra é santa porque contém a Divina Verdade; o Espírito da Verdade; a Nova Jerusalém é santa porque é a cidade da verdade. O Senhor, sendo a Divina Verdade mesma, é “o que é santo”. Os Escritos também nos ensinam que a Divina Verdade, sendo a Lei Divina, é o instrumento pelo qual o Senhor governa o Seu Reino, e os que estão nele; pois todo governo é feito pela lei. Portanto os reis e todos os que governam representam o Senhor quanto à Divina Verdade pela qual Ele governa. Os Escritos nos ensinam mais: que é pela Divina Verdade que o Senhor exerce o julgamento; que o Senhor como Divina Verdade é a chave da porta do céu e que só Ele tem o poder de abrir e de fechar essa porta. “Isto diz o que é santo, o que é verdadeiro, o que tem a chave de Davi, o que abre o ninguém cerra, e cerra e ninguém abre”.
Filadélfia representa um estado adiantado da Igreja. Os que estão nele não estão simplesmente se esforçando para adquirir fé e a caridade; eles estão já na fé e na caridade. Não estão mais em dúvida se se regenerarão ou não; fizeram já a sua escola e estão confirmando-a. não estão mais cercados pelos problemas e tentações que afligem os que apenas começam a regeneração. Já deixaram isso para trás, e estão livres para continuar ao longo da estrada que escolheram, e para devotar suas energias à tarefa de completar e desenvolver o seu estado, aperfeiçoando-o com a aquisição de novas verdades da fé e novos bens da caridade. Não têm mais que sufocar dúvidas e que agir pela cega obediência de mandamentos obscuramente percebidos.
Seu entendimento foi aberto pelas verdades da fé; suas dúvidas foram substituídas por uma convicção racional interna, de modo que conhecem o que é verdadeiro e o que não o é; a sua obediência cega anterior foi substituída por um iluminado e intenso desejo de agir de acordo com as verdades que vêem e compreendem. Não consideram mais o Senhor como um Rei autocrata e terrível que, possuindo a chave da Divina Verdade, tem o poder de abrir e fechar as portas do céu arbitrariamente. Vêem o Senhor como Ele é; não simplesmente como tendo a chave do céu, mas como sendo a Porta mesma, através da qual se efetua a entrada no céu. Esta porta está aberta a todos que se aproximam dela diretamente, a todos que procuram o Senhor em Sua Palavra, e que, sem acrescentar ou tirar dela nem um jota e nem um til, recebem em suas mentes e em suas vidas as verdades que encontram na Palavra.
Aqueles que estão no estado filadelfiano, de fé e caridade, entraram nele porque não se deixaram cegar pelas falsidades ou pelas verdades aparentes, mas cultivaram o hábito de procurar ilustrar-se na Palavra mesma. Por isso puderam ir além das aparências, puderam ver e adquirir verdades e aplicá-las à sua vida, sendo assim iluminados pelo Senhor. Por esta ilustração eles sabem que “não têm poder algum contra os males e as falsidades, assim como contra os infernos, por si mesmos; e sabem que não podem, por qualquer poder próprio, fazer o bem e introduzir-se no céu, mas que todo o poder é do Senhor, e assim está neles provindo do Senhor” (A. R. 178).
Sabem que, embora não tenham poder algum em si mesmos, entretanto, quando se esforçam por viver de acordo com as verdades da Palavra, o Senhor lhes dá forças para que esses esforços sejam coroados de êxito. Reconhecendo que todo poder vem do Senhor, voltam-se para Ele; e, no empenho de guardar Seus mandamentos, procuram a Palavra em busca de ilustração e da força do Senhor. Desta maneira, os que estão em Filadélfia, ao chegarem à porta do céu, acham-na aberta para recebê-los. As suas mentes, estando iluminadas pelas verdades, adquiriram a convicção de que a verdade, sendo racional, não pode ser abalada por qualquer argumento natural, nem pelas chamadas provas científicas. É por esta razão que a Porta do Céu, que lhes foi aberta, pela aceitação da verdade, nunca pode ser fechada contra eles. “Eis que diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode cerrar; tendo pouca força, guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome”.
Acontece exatamente o contrário com os que não aceitam as verdades da Palavra, que não vêem necessidade de ir diretamente ao Senhor em Sua Palavra, mas que procuram entrar no céu por algum outro caminho. Estes foram cegados pelas falsidades e estão atormentados pelas dúvidas. Para eles a Porta está sempre fechada. Nem mesmo chegam a encontrar o caminho que conduz à Porta, enquanto permanecem nesse estado; pois, rejeitando as verdades, a si mesmos se julgam, condenando-se a permanecer para sempre fora da liberdade e da luz do céu.
Estão, por forma, excluídos do céu os que amam essencialmente o mal, e estão, conseqüentemente, nas falsidades. Há outros que também estavam cegos pelas falsidades, mas que ainda retêm qualidades que lhes permitem ver e reconhecer as verdades. São aqueles que, devido a falhas de que não têm propriamente a culpa, ou devido à ignorância, ou ainda a uma educação inconveniente, foram levados a aceitar doutrinas falsas que acreditam ser verdadeiras. A despeito dessas falsidades, contudo, têm amor ao bem. Acreditam simplesmente e sinceramente que são da Igreja quando, de fato, não o são. É a estes, e não aos que amam os males, que o nosso texto se refere, quando diz: “(...) da sinagoga de satanás, dos que se dizem judeus, e não o são, mas mentem”.
Como amam o bem e estão, portanto, na inocência, o Senhor pode, por meios indiretos, levá-los às verdades da Igreja, que poderão receber e reconhecer, em virtude da percepção que possuem resultante do seu amor ao bem. A princípio não serão capazes de ver as verdades claramente, por si mesmos; mas dependerão dos outros e terão de procurar, para sua educação, os que possuem maiores conhecimentos e melhor entendimento das doutrinas da Igreja. Essa dependência é, a princípio, tão grande, e é tão singela a sua aceitação dos ensinamentos que lhes são dados pelos outros, que dão a impressão de que adoram seus mestres. De coração, porém, adoram só o Senhor, reconhecendo-O como o Doador de toda a verdade, e humildemente se prostram a Seus pés, gratos pela instrução que lhes é dada, e por terem sido conduzidos à Igreja.
Chegarão, por fim, a ver que nem a fé só, nem a caridade só, faz com que o homem seja da Igreja, mas que esta, e portanto o Senhor, está com aqueles que estão na fé conjunta à caridade; verão que somente aqueles, cujas enfermidades espirituais foram curadas pelo amor ao Senhor, constituem a Igreja. “Eis o que eu farei à sinagoga de satanás, dos que se dizem judeus, e não são, mas mentem; eis que Eu farei que venham e adorem prostrados a teus pés, e saibam que eu te amo”.
Embora os de Filadélfia sejam homens regenerados — que receberam a fé da caridade, aderindo firmemente à verdade a despeito de todas as dificuldades e provações, o que lhes permitiu vencer nas tentações que suportaram —, essa regeneração ainda não está plenamente segura. Enquanto continuarem no caminho que escolheram, resistindo a todo incitamento para descurar o que sabem que lhes cumpre fazer, não terão motivo para temer a última tentação ou julgamento pelo qual tem de passar todo homem para determinação do seu estado final.
Se hesitarem, porém, em sua determinação de prosseguir no curso da regeneração até o fim, correrão o perigo de ter que enfrentar a sua tentação final sem que estejam completamente preparados. E se caírem, o seu progresso anterior será anulado. Serão privados de sua iluminação e do direito à sabedoria que devia coroar os seus esforços. Isto está contido nas palavras: “Porque guardaste a Palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação, que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra. Eis que venho logo; guarda o que tens, para que ninguém toma a tua coroa”.
Os de Filadélfia, quando a sua regeneração está completa e o seu estado de fé da caridade plenamente confirmado e assimilado, tornam-se inteiramente homens da Igreja, e aí permanecerão para toda a eternidade. Nestes, a Igreja está realmente estabelecida sobre a terra, pois é a sua fé que estabelece e sustenta a Igreja, preservando-a do mal e estendendo seus usos; as verdades de que fizeram preceitos de vida e que constituem a sua fé são o que constrói a Igreja, tornando-a firme e duradoura.
Por sua obediência aos ensinamentos da Palavra — conforme o que o Espírito diz às Igrejas — o nome de Deus, e o nome da cidade de Deus a Nova Jerusalém, serão profundamente inscritos em seus corações, pelo que é significado que a Divina Verdade e a Doutrina da Nova Igreja serão inscritas em suas vidas. Seu culto será então um verdadeiro culto ao Senhor, pois eles O verão em Seu Humano, como Ele está plenamente revelado nas doutrinas dadas à Nova Igreja.
“A quem vencer, Eu o farei coluna no templo de meu Deus, e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome de meu Deus, e o nome da cidade de meu Deus, o da Nova Jerusalém, que desce do céu do meu Deus, e o meu novo nome. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.
Amém.

•   1ª Lição:     Isaías 60
•   2ª Lição:     João 10, 1-18
•   3ª Lição:     A. E. 208, 2-3