A IGREJA DE ÉFESO


Sermão pelo Rev. Norbert H. Rogers


“Escreve ao anjo da igreja que está em Éfeso: (...) Eu sei as tuas obras, e o teu trabalho e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; (...) Porém tenho contra ti que deixaste a tua primeira caridade. Lembra-te pois donde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; e, senão, brevemente a ti virei, e tirarei do teu lugar o teu castiçal se te não arrependeres”.

(Apocalipse 2, 1-2,4,5)

No Apocalipse Revelado vê-se que o 2º e o 3º capítulos desse livro da Palavra
“tratam dessas sete igrejas da Ásia, que representam todos aqueles que estavam na Igreja Cristã primitiva, nos quais havia religião e com os quais podia ser formada a Nova Igreja, que é a Nova Jerusalém; e esta Igreja é formada pelos que se dirigem ao Senhor só, e fazem ao mesmo tempo penitência das más obras; todos os outros que não se dirigem ao Senhor só, devido à negação confirmada de que Seu Humano não é Divino, e que não fazem penitência das más obras, estão na Igreja, é verdade, mas não têm em si nada da Igreja”. (A. R. 69).
Estes ensinamentos da Doutrina são extensivos à Nova Igreja, porque pelas sete igrejas são simbolicamente representados todos os membros que podem fazer parte da Nova Igreja, todos os que têm alguma religião e com os quais pode ser formada a Igreja no Céu; quer dizer, as pessoas que podem ser regeneradas, se se aproximarem do Senhor em Sua Palavra e fizerem obra de arrependimento. Todos os outros que (estão na Nova Igreja, mas) não se aproximam do Senhor em Sua Palavra e não praticam atos de arrependimento, são apenas membros do corpo externo da Igreja, mas nada têm em si da Nova Igreja. Estes não podem ser regenerados, e não são, portanto, mencionados nas séries que tratam dos vários estados dos que podem ser regenerados, e em quem a Nova Igreja pode ser estabelecida.
O primeiro desses estados de que trata o Apocalipse, é o estado que a Igreja de Éfeso representa. Os que estão nesse estado consideram primordialmente as verdades da fé, e não o bem da vida. É o estado dos que possuem conhecimentos dobem e da verdade; têm, portanto, conhecimento das coisas do Céu e da Igreja, mas ainda não vivem de acordo com esses conhecimentos. Quando a comunidade de uma Igreja é constituída por pessoas dessa qualidade, a própria Igreja fica caracterizada por essa qualidade, isto é, o estado dos seus membros. Assim quando se fala do estado de uma Igreja, trata-se dos estados daqueles que a constituem.
Toda Igreja no começo é caracterizada pela caridade e pelo amor ao Senhor, porque o início do estabelecimento de uma Igreja só pode ter lugar com o aproveitamento dos restos ou remanescentes da Igreja anterior que têm afeição pelo bem e adoram o Senhor. O primeiro estado de uma Igreja não é de modo algum um estado regenerado, mas deve ser encarado como um prenúncio de que virá a ser regenerado quando a Igreja estiver plenamente estabelecida, o que acontecerá quando os seus membros forem, na totalidade, homens regenerados.
O primeiro estado de uma Igreja pode ser comparado à inocência da infância, que é uma antevisão da inocência da sabedoria que o homem alcançará por meio de uma vida de regeneração. Com isso não se quer dizer que o primeiro estado de uma Igreja seja desprezível e inconveniente. Está longe de ser assim, pois é do primeiro estado que depende o futuro desenvolvimento da Igreja. Esse primeiro estado é como uma semente de que brotará uma árvore frutífera; é como os restos implantados na infância e na meninice, sem os quais homem algum pode se regenerar.
Embora o primeiro estado de uma Igreja seja de caridade e de amor, não o é, entretanto, de ilustração, pois os primeiros membros de uma Igreja são homens simples, desapegados de qualquer estima por sua própria inteligência. São ignorantes da verdade e humildemente conscientes dessa ignorância. Seu único desejo é fazer o bem e obedecer à vontade de Deus. Por esta razão, eles têm afeição à verdade, isto é, estão ansiosos por aprendê-la. Assim, quando uma nova revelação da verdade é dada, para derramar luz sobre as revelações pervertidas pela Igreja anterior, estes homens simples aceitam-na alegremente, percebendo, a despeito de sua ignorância e de seu limitado entendimento, que se trata de uma revelação da verdade. E com esta aceitação eles formam o começo de uma nova Igreja para a qual essa revelação foi dada.
A posse da nova revelação estimula a sede pela verdade nos que formam a Igreja. E à medida que vão aprendendo mais verdades, o estado da Igreja vai-se modificando, pois, quando novas verdades são aprendidas, o anseio de conhecer a verdade aumenta, resultando daí que o desejo de aprender a verdade para fazer o bem vai mudando imperceptivelmente. Os homens podem se tornar de tal forma absorvidos pela ânsia de procurar e adquirir conhecimentos sobre a nova doutrina do bem e da verdade e conhecimentos concernente ao Senhor, ao céu e à Igreja, e à doutrina formulada segundo esses conhecimentos, que chegam afinal a encarar a verdade e a doutrina como sendo de primordial importância. É isso então o que lhes interessa especialmente. A isso devotam o seu tempo e energia. Como se esquecem de que a caridade e o amor são as coisas essenciais da religião, vão gradualmente relegando-os para um plano secundário. É verdade que isso pode ser feito sem intenção e até contrariando o que desejam fazer. Isso, porém, não importa, pois sempre que a verdade e a doutrina assumem importância primordial, o homem entra num estado em que procura a verdade pela própria verdade, e não por causa do bem que ele ensina. Nesse estado, os homens, interessados em conhecer a verdade não têm, entretanto, a preocupação de viver de acordo com ela. é este o estado representado por Éfeso.
Mas este estado efesiano pode ser precursor de um sadio desenvolvimento da Igreja; pode ser o começo de seu verdadeiro estabelecimento. Pois tendo um abundante conhecimento da verdade, e tendo formulado a doutrina suficiente para guiá-los, os membros da Igreja podem então progredir, fazendo aplicação desses conhecimentos às suas vidas. A caridade e o amor, que tinham sido temporariamente negligenciados, tornam-se novamente importantes. Há, por assim dizer, um retorno ao estado em que se consideravam as coisas essenciais da Igreja como sendo realmente essenciais. De fato, não há retorno a um estado anterior, mas uma progressão para um novo estado que o anterior apenas prenunciava.
O novo estado é um estado interior, ao passo que o estado antecedente era mais ou menos externo. O novo estado é de qualidade espiritual e celestial, enquanto que o anterior era meramente natural. O novo estado é um estado de verdadeira caridade e de amor genuíno, donde decorre inteligência, sabedoria e iluminação; enquanto que o anterior era um estado de caridade externa e de amor simples, caracterizado por profunda ignorância.
Por outro lado, o estado (de fé sem caridade) efesiano, pode marcar o primeiro passo no declínio da Igreja — o começo do fim. Pois, se os membros da Igreja continuam a interessar-se primordialmente pela aquisição de conhecimentos e pela formulação de doutrinas, sem ter qualquer consideração pela caridade e o bem da vida, cada vez menos se interessarão pela aplicação da verdade e da doutrina. Com o tempo deixarão de ter qualquer hábito de fazer o bem e empregarão todo o seu empenho em conhecer a verdade. A Igreja fica então em estado de fé separada da caridade.
Este estado precede imediatamente o estado final de treva total, pois o homem vê a verdade somente quando a luz do céu ilumina a sua mente, o que só tem lugar quando ele está no bem e na afeição do bem. Quando o homem deixa de viver no bem, ou deixa de querer viver no bem, a sua mente é fechada ao influxo da luz celeste. E quando os membros da Igreja, em conjunto, entram nesse estado de trevas, então a utilidade da Igreja chega ao fim — “o seu castiçal é tirado do lugar”.
Como existe o perigo da Igreja declinar e, finalmente, desaparecer, se permanecer demasiado tempo no estado “fé sem caridade” efesiano, o Senhor adverte-a, em nosso texto e em Sua Palavra, exortando-a a abandonar o seu desprezo pela caridade, a fim de que possa progredir. O bem deve ser colocado em primeiro lugar para que a Igreja seja iluminada e haja um céu na terra entre os homens. Por esta razão se faz à Igreja de Éfeso esta acusação: “Tenho contra ti que deixaste a tua primeira caridade. Lembra-te pois de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; e, senão, brevemente a ti virei, e tirarei de seu lugar o teu castiçal, se te não arrependeres. (...) Àquele que vencer, dar-lhe-ei de comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus” (Apoc. 2,4-5 e 7).
Há uma analogia entre os estados da Igreja e os do homem da Igreja. Quando um indivíduo entra na Igreja pela primeira vez, quer por ter sido conduzido a ela, quer por ter se desgostado da Igreja a que pertencia anteriormente, enche-se de entusiasmo por ela. interessa-se vivamente pelas coisas que lhe dizem respeito. O amor da verdade e do bem inflamam-se nele. Mas, por lhe faltarem conhecimentos suficientes da doutrina e um verdadeiro entendimento do que é ensinado na Palavra, seus pensamentos são ainda um tanto confusos e lhe falta o julgamento suficiente para dirigir suas ações que não são, por isso, atos de caridade. Este primeiro estado de entusiasmo é sucedido, depois de algum tempo, por outros estados em que o homem vai percebendo a sua ignorância e começa a procurar os conhecimentos que lhe faltam. Entra então no estado efesiano, isto é, no estado em que se consideram primordialmente as verdades da doutrina, deixando-se num plano secundário a vida de acordo com eles.
O estado efesiano, em si mesmo, não é bom nem mau; ele tangencia, por um lado, com os estados bons, e pelo outro lado, com os estados maus. Ele não é, em si mesmo, um estado bom, porque se limita simplesmente aos conhecimentos. E os conhecimentos só são úteis quando aplicados à vida, isto é, quando o homem vive de acordo com a doutrina que eles ensinam. A Doutrina nos diz que:
“Os conhecimentos, enquanto não há vida de acordo com eles, residem na memória apenas; e enquanto residem aí somente, não afetam a vida interior do homem; pois a memória lhe é dada para ser um receptáculo, do qual pode ser tirado o que for útil à vida; e as coisas são úteis à vida quando o homem as quer e as faz. (...) Os conhecimentos do bem e da verdade, antes de entrarem na vontade ou amor, não contribuem em coisa alguma para a salvação, porque não estão dentro do homem, mas fora dele”. (A. E. 105)
O estado efesiano também não é um estado mau em si mesmo, porque o homem precisa ter conhecimentos para poder distinguir entre o bem e o mal, entre a verdade e a falsidade; tem que conhecer os bens e as verdades para poder pensar neles, amá-los e praticá-los, e assim viver a vida da regeneração; tem que conhecer o que é a vida espiritual para que se torne espiritual.
Devido aos conhecimentos que possui o homem que está no estado representado por Éfeso é impelido a investigar tudo o que atrai a sua atenção. E depois desse exame, é capaz de discernir, ao menos externamente, se essas coisas são boas ou más, verdadeiras ou falsas. Rejeita o que é mau e falso, na medida de suas possibilidades — porque é contrário às verdades da Doutrina que aprendeu — e retém o que é bom e verdadeiro. Para fazer isso, porém, tem que lutar com muita perseverança. Por esta razão se diz da Igreja de Éfeso: “Eu sei as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes suportar os maus; e provaste os que dizem ser apóstolos, e o não são, e tu os achaste mentirosos. E sustentaste e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome, e não te cansaste” (Apoc. 2, 2-3).
O estado efesiano deve ser encarado como transitório, apenas. Se assim não o for — se o homem se contentar em permanecer nesse estado — cairá inconscientemente, mas seguramente, nos males e falsidades cuja qualidade interior os meros conhecimentos não são capazes de revelar. A fim de que o homem possa reconhecer esses males e essas falsidades, é indispensável que progrida para um estado de iluminação. Isso se faz, como foi dito, quando o homem (como que) se recorda de que uma vida de acordo com a doutrina é a coisa primordial da religião, e se arrepende de ter anteriormente negligenciado a aplicação de seus conhecimentos à vida. “Lembra-te, pois, donde caístes, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; e, senão brevemente a ti virei, e tirarei de seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres”.
Todo arrependimento acarreta tentação. Implica o exercício da faculdade de escolha e a luta contra a inclinação para escolher o que é mau e falso. Obriga o homem a libertar-se de sua letargia, e a despender energia no afã de erguer-se de um estado inferior para outro mais elevado e melhor. Aquele que aprende pela Palavra que se exige dele mais do que meros conhecimentos e, como conseqüência, se esforça por obedecer aos ensinamentos da Palavra, entra nesse estado de tentação. Se perseverar, porém, no esforço de viver de acordo com a doutrina, o que é fazer as obras de caridade, receberá em seu coração os bens e as verdades que pertencem à vida espiritual, o que lhe faltava quando estava no estado efesiano. Então, ele apropriará o bem do amor e a caridade do Senhor, e entrará num estado de felicidade e de sabedoria celestes. “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas: ao que vencer, dar-lhe-ei de comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus”.
Amém.

•   1ª Lição:     Apocalipse 1,12 e 2,7
•   2ª Lição:     A. E. 105-107