A IDÉIA DE DEUS


Sermão pelo Rev. João de Mendonça Lima


“Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim, o Primeiro e o Derradeiro.”

(Apoc. 22,13)

A idéia de Deus tem variado através das idades, de uma dispensação religiosa para outra, e varia em cada época de um indivíduo para outro. As religiões do passado tiveram todas, uma idéia incompleta da Divindade. Antes da era cristã, os homens acreditavam num Deus invisível — Jeová — a cujo respeito muito pouco sabiam e a quem atribuíam paixões e sentimentos humanos como a cólera, a vingança, o arrependimento, o ciúme, etc.
Na era cristã, a idéia de Deus, que havia sido grandemente aperfeiçoada pelos ensinamentos do Evangelho, foi depois inteiramente adulterada; chegando-se ao absurdo “mistério” de uma Trindade Divina de Pessoas, cada uma das quais sendo considerada como um Deus independentemente dos outros dois, havendo, não obstante, um Deus único. A idéia de Deus, sendo a pedra fundamental e a essência mesma de toda religião, quando ela é adulterada, a construção religiosa passa a assentar sobre base falsa perdendo, portanto, a sua solidez e acaba por desmoronar espiritualmente. Foi o que aconteceu com a Primeira Igreja Cristã que é hoje apenas uma imensa ruína sem qualquer vida interior.
Quando essa Igreja chegou ao fim, por ter adulterado inteiramente a idéia de Deus, o Senhor deu aos homens uma nova dispensação religiosa, em que esta idéia não só é purificada de todas as falsificações humanas, mas também é desenvolvida e completada como jamais o fora anteriormente. E compreende-se que assim seja, sabendo-se que essa dispensação religiosa — essa Nova Igreja — será a coroa, a cúpula, de todas as Igrejas do passado e tem por missão reconduzir a humanidade ao estado celestial de que decaiu, restabelecendo plenamente na terra o Reino de Deus, o Reino da Inocência; não mais a inocência da ignorância ou da infância, como na Antiqüíssima Igreja, mas a inocência da sabedoria ou da maturidade, como existe no céu evangélico.
Esta nova dispensação — esta Nova Igreja — vem simbolicamente descrita no livro de Daniel como a pedra que rolou da montanha e que, depois de ter esmiuçado a grande estátua do sonho de Nabucodonosor — símbolo das igrejas do passado —, enchei toda a terra. A Nova Igreja — a Nova Jerusalém — coroará a obra da Redenção da humanidade que o Senhor vem realizando desde a queda da Antiqüíssima Igreja. Por isso mesmo será uma Igreja que não passará mais. Ela terá, como as outras, a sua manhã — ou o seu início, a que estamos assistindo — e o seu esplendor ou o seu meio dia; mas não terá a decadência representada pela tarde, nem a extinção ou morte representada pela noite. Por isso o Senhor revelou a esta Igreja uma idéia de Deus que pode ser progressivamente assimilada e desenvolvida, à medida que os homens forem assimilando e praticando as suas doutrinas.
A idéia de Deus varia, como dissemos acima, de indivíduo para indivíduo e, no mesmo indivíduo, vai variando e se aperfeiçoando com o progresso de sua regeneração. E essa variação se dá não só entre pessoas de religiões diferentes, porém, mesmo entre as da mesma religião, que seguem a mesma doutrina e recebem os mesmos ensinamentos a seu respeito. O fato de existirem inúmeras idéias diferentes sobre o Deus Único, não importa em que só uma seja verdadeira, sendo falsas as demais. Ao contrário, todas elas podem ser verdadeiras. As diferenças que apresentam provêm dos pontos de vista individuais. Deus é um só; a idéia que os homens fazem d’Ele depende, porém, das qualidades pessoais de cada um, as quais constituem o seu ponto de vista.
Uma montanha fotografada de cem pontos diferentes dará lugar a cem fotografias diversas; todas elas verdadeiras, não obstante as suas diferenças. Essas fotografias registrarão apenas cem aspectos diversos da mesma montanha. Assim também acontece com as idéias a respeito de Deus, que nada mais são que aspectos diversos da Divindade Única, encarada de pontos de vista diferentes. Cada um de nós tem o seu modo próprio de considerar o Criador.
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A Doutrina Celeste da Nova Igreja que nos foi revelada por intermédio de Emanuel Swedenborg, nos dá todos os elementos necessários para formarmos uma verdadeira idéia de Deus. Os três primeiros capítulos do livro intitulado “A Verdadeira Religião Cristã”, que contém toda a teologia da Nova Igreja, tratam exclusivamente da idéia de Deus, dando-nos os mais completos e desenvolvidos ensinamentos a respeito. Estudando com atenção esses capítulos, ficaremos habilitados a formar a nossa própria idéia de Deus, erigida sobre uma sólida base. Esses ensinamentos sobre Deus são os mais perfeitos e detalhados jamais revelados sobre a terra. Os membros da Nova Igreja podem assim ter uma idéia de Deus muito mais perfeita, muito mais completa e muito mais desenvolvida do que os adeptos de todas as religiões anteriores. Isso, entretanto, não impedirá que essa idéia continue variando de indivíduo para indivíduo, e que na mesma pessoa ela vá evoluindo e se aperfeiçoando com o seu progresso espiritual.
Os ensinamentos que a Doutrina Celeste nos fornece sobre Deus, são como poderosos óculos de alcance que nos permite ver a montanha — que representa a Divindade — de muito mais perto do que a podiam ver os homens das religiões anteriores sem esse maravilhoso auxílio. Eles encaravam a montanha distante com olhos desarmados e por isso não podiam ter senão uma idéia imperfeita de sua forma e de seus detalhes.
Nós a encaramos com os olhos armados de lentes possantes que nos aproximam da montanha, facultando-nos vê-la com muito mais nitidez e com detalhes que de outra forma passariam despercebidos. Passemos agora ao estudo da idéia de Deus à luz dos ensinamentos da Doutrina da Nova Igreja.
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Em Deus há o Divino Ser e o Divino Existir que estão absolutamente fora do alcance da compreensão dos homens e mesmo dos anjos mais elevados. O Divino Ser é a Substância Mesma de Deus, e o Divino Existir é a Sua Forma. O Divino Ser tem como atributos a Infinidade, a Imensidade e a Eternidade. É da Imensidade de Deus que decorre o espaço, embora nessa Imensidade não exista espaço algum. É é da Eternidade de Deus que decorre o tempo, embora nessa Eternidade não exista tempo algum. Do Divino Ser emana a Divina Essência, e do Divino Existir a Divina Existência. A Divina Essência e a Divina Existência são constituídas pelo Divino Amor e pela Divina Sabedoria, de que decorrem o Bem e a Verdade. A Divina sabedoria é a forma e a manifestação do Divino Amor.
Comparando Deus com o homem, que foi criado à sua imagem e semelhança, parece-me que poderíamos dizer que o Divino Ser e o Divino Existir são como o cérebro do Homem Divino; a Divina Essência e a Divina Existência são como o seu coração e os seus pulmões, e que os Divinos Bens e as Divinas Verdades que decorrem do Divino Amor e da Divina Sabedoria, que constituem a Divina Essência, são como os demais órgãos do Corpo Divino. Sabemos que o cérebro e o cerebelo estão, por assim dizer, presentes em todo o corpo pelos sistemas nervosos que deles partem e vão se ramificando e estendendo de tal modo que não há ponto algum do organismo em que a sua influência não se faça sentir. Podemos dizer o mesmo em relação ao coração e aos pulmões. Eles também estão presentes em todo o organismo por meio dos sistemas sangüíneos e linfáticos, cujas ramificações capilares se estendem a todas as regiões do corpo, não havendo ponto algum que não seja irrigado por eles. Assim também o Ser e o Existir, a essência e a Existência de Deus estão presentes em todo o Corpo Divino.
No Mundo Espiritual o Divino Amor e a Divina Sabedoria, em sua origem, apresentam-se sob a forma de um grande sol em cujo interior se encontra o Divino Ser e o Divino Existir, assim como a Divina Essência e a Divina Existência.
Comparando Deus com o sol, cujo aspecto Ele toma aos olhos dos anjos dos céus superiores, podemos talvez dizer que o Divino Ser e o Divino Existir são como o núcleo central; a Divina Essência e a Divina Existência são como a cromosfera e fotosfera. O Divino Amor é a causticidade do fogo do Sol Espiritual, e a Divina Sabedoria é o esplendor desse fogo. Os Bens e as Verdades são, respectivamente, os raios de calor e de luz que emanam desse Sol, aquecendo e animando a vontade dos anjos e dos homens, e iluminando o seu entendimento. O Divino Amor e a Divina Sabedoria emanando do Sol Espiritual constituem a Vida que animam todos os seres da criação. O Divino Amor e a Divina Sabedoria têm como atributos a Onipotência, a Onisciência e a Onipresença.
As qualidades essenciais do Divino Amor são: a) amar outros seres fora de si mesmo; b) querer fazer esses seres felizes; e c) desejar que esses seres retribuam o seu amor. Essas qualidades deram causa à criação do universo e, especialmente, do homem.
O universo material foi criado para servir de habitação do homem na fase de sua preparação para a vida do céu. O universo espiritual foi criado para servir de morada eterna do homem depois de sua saída do universo material. Está organizado de modo a proporcionar a seus habitantes todos os prazeres do bem e da verdade e a bem-aventurança eterna.
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O homem é o único ser da criação que pode dar plena satisfação ao Divino Amor. Pela sua racionalidade ele pode conhecer e compreender a Divina Verdade, que o guia ao Divino Amor; e pelo seu livre-arbítrio pode decidir, livremente, seguir os ensinamentos da Divina Verdade e retribuir o Divino Amor.
O livre-arbítrio dá-lhe a faculdade de agir como um ser, por assim dizer, fora de Deus, como uma entidade independentemente do Criador; de modo que o Divino Amor, amando os homens, ama seres fora de si mesmo, satisfazendo desse modo a primeira de suas qualidades essenciais. Para fazer os homens felizes e satisfazer assim a sua segunda qualidade essencial, o Divino Amor, pela Divina Sabedoria, criou o Céu Angélico onde as criaturas humanas encontram tudo o que é necessário para serem eternamente felizes.
A terceira qualidade essencial do Divino Amor é satisfeita sempre que o homem, fazendo bom uso de seu livre-arbítrio, retribui esse Amor, seguindo os ensinamentos da Divina Sabedoria racionalmente compreendidos. Esses ensinamentos estão consubstanciados na Palavra do Antigo Testamento que o Senhor nos deu por intermédio de Moisés e dos profetas, na Palavra do Novo Testamento que nos foi dada por meio dos Evangelistas e, finalmente, na Palavra do Novíssimo Testamento constituída pelas obras da Doutrina Celeste da Nova Igreja que o Senhor revelou por intermédio de Emanuel Swedenborg.
Em resumo, podemos dizer que, segundo os ensinamentos da Doutrina, Deus é a Vida que anima todas as criaturas dos dois universos. E a Vida é constituída pelo Divino Amor e a Divina Sabedoria, os quais dão origem respectivamente ao Bem e à Verdade. O Bem e a Verdade são emanações de Deus que constituem a essência mesma de todos os seres da criação. Amar o Bem e a Verdade é, portanto, amar a Deus. Vê-se assim que não é tão difícil, como pode parecer à primeira vista, amar a Deus sobre todas as coisas; porque para isso basta amar o bem e a verdade acima de tudo. Ora, todos compreendem facilmente que não há nada mais digno de nosso amor e de nossa admiração do que o bem e a verdade.
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Até aqui temos falado de Deus como Criador do universo e do homem, especialmente. Mas além do papel de Criador, Deus desempenhou, em relação à humanidade, um outro não menos importante que esse: o de Redentor do homem decaído. O homem, fazendo mau uso de seu livre-arbítrio espiritual e de sua racionalidade, acabou por se afastar de seu Criador, decaindo, por isso, do estado de integridade espiritual em que havia sido criado. Esse afastamento, uma vez iniciado, foi se acentuando gradativamente até atingir a um tal grau de corrupção, que levaria a humanidade a destruir-se inteiramente se a Divindade não interviesse para impedir essa catástrofe iminente.
Essa intervenção foi feita pelo Divino Amor por intermédio da Divina Sabedoria que baixou ao mundo, tomando sobre si um corpo humano. O Senhor Jesus Cristo era, assim, primordialmente uma manifestação visível da Divina Sabedoria em cujo íntimo estava o Divino Amor. O corpo humano, tomado pelo Senhor em Maria, foi glorificado durante o processo da Redenção, que consistiu na subjugação do mal que ameaçava destruir a humanidade, na sua conseqüente libertação de poder desse mal e na doação de uma nova dispensação religiosa de que se originou a Primeira Igreja Cristã. O Senhor realizou a glorificação de seu Humano, substituindo, progressivamente, durante os 33 anos que passou entre os homens, o humano enfermo recebido em Maria, pelo Humano Divino emanado do Pai, isto é, do Divino Amor que era a Alma daquele corpo.
A glorificação do Humano, a subjugação dos infernos e a criação de uma nova Igreja são as três obras simultâneas que constituem o processo da Redenção, realizada pelo Senhor Jesus Cristo — o Filho — em que habitava corporalmente toda a plenitude da Divindade, na feliz expressão de Paulo em sua epístola aos colossenses. Jesus Cristo era chamado o Filho de Deus porque o Seu Humano Glorificado, apresentado aos olhos dos homens, era uma emanação — era o Filho — de Sua Alma Infinita que Ele, por isso, chamava de Pai.
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Além dos papéis já mencionados, de Criador e de Redentor, Deus desempenhou ainda, em relação aos homens, um outro da mais alta importância para eles: o de Salvador. Esse papel de Salvador o Senhor executa constantemente, influindo sobre os homens com o poder de Sua Divina Verdade para sustentá-los na obra de sua regeneração. Neste papel o Senhor toma o nome de Espírito Santo.
Pai, Filho e Espírito Santo, são assim três nomes diferentes com que se denominam os três papéis distintos desempenhados por Deus — pelo Único Deus — em relação a Suas criaturas: os papéis de Criador, Redentor e Salvador da humanidade. A Trindade Divina é, pois, uma trindade de funções e de aspectos do Deus Único e não, como ensina a velha teologia, uma trindade de pessoas Divinas; a não ser que se considere a palavra “pessoas” com a sua significação jurídica de papéis ou funções diferentes desempenhadas pelo mesmo indivíduo.
A Trindade Divina tem ainda uma outra significação que se harmoniza inteiramente com a anterior. O Pai é o Divino Amor que deu causa à Criação, e por isso, é o Criador. O Filho é a Divina Sabedoria por cujo intermédio foi feita a Redenção e, por isso, é o Redentor. O Espírito Santo é o Divino Poder ou a Divina Operação pela qual se realiza a salvação individual dos homens e, por isso, é o Salvador.
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As palavras de nosso texto, no seu sentido espiritual, sintetizam a Trindade Divina: “O Alfa e o Ômega” simbolizam o Divino Amor, criando todas as coisas desde as maiores até as menores. “O Princípio e o Fim” simbolizam a Divina Sabedoria, dando forma às coisas criadas desde o princípio até ao fim dos tempos. “O Primeiro e o Derradeiro” simbolizam o Divino Poder, atuando na salvação dos homens desde o primeiro momento de seu início até o derradeiro momento de sua ultimação.
De tudo que precede, podemos concluir: Deus é o Senhor Jesus Cristo, Criador, Redentor e Salvador da humanidade, em quem está a Trindade Divina do Pai, Filho e Espírito Santo.
Amém.

•   1ª Lição:     Salmo 103
•   2ª Lição:     João 1, 1-4
•   3ª Lição:     V. R. C. 5