A GRANDE VOZ


Sermão pelo Rev. Norbert H. Rogers


“E ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta, que dizia: O que vês, escreve-o num livro, e envia-o às sete igrejas que estão na Ásia: a Éfeso, e a Esmirna, e a Pérgamo, e a Tiatira, e a Sardo, e a Filadélfia, e a Laodicéia”.

(Apoc. 1, 10-11)

O propósito supremo de toda revelação é dar aos homens os conhecimentos necessários para sua salvação e entrada no céu. E uma vez que a salvação ou entrada no céu é a mesma coisa que a conjunção com Deus, os principais e mais essenciais desses conhecimentos são os que concernem a Deus. Pois a não ser que Deus seja conhecido, nenhum homem pode voltar-se para Ele a fim de ouvir as Suas palavras de vida, nem pode se produzir qualquer conjunção de amor.
Além disso, para que a revelação possa cumprir o seu propósito deve ser dirigida e acomodada a todos os homens, quaisquer que sejam os seus estados e condições; pois eles só podem ser afetados pelas coisas que estão no plano de suas afeições e de seus pensamentos, e só estas podem ser recebidas por eles. Tudo o mais passa como se não existisse. Estes dois fundamentos da revelação estão envolvidos em nosso texto. Ele fala do Senhor, que é a fonte de toda revelação, e da necessidade de escrever e enviar as coisas reveladas às sete igrejas da Ásia, isto é, da revelação acomodada aos vários estados dos homens, para que eles possam recebê-la e ela lhes possa ser útil.
Que Deus existe, não pode ser provado por meio algum nem por qualquer ciência natural. Este fato é chocante para o homem meramente natural, cujo grau racional está fechado. É difícil para ele acreditar em alguma coisa que não pode ser provada, sem qualquer dúvida, por meio de seus sentidos ou por seus raciocínios naturais. Fazer isso seria contra a natureza; seria como aventurar-se, desnecessária e levianamente, num mar tormentoso e desconhecido, sem uma bóia de fatos que o conserve à superfície, ou sem alguma teoria cientificamente estabelecida que lhe sirva de piloto. Hesita em reconhecer Deus com toda sinceridade, porque suas inclinações naturais levantam dúvidas em sua mente — dúvidas que o tentam a negar Deus e tudo o que é d’Ele.
Entretanto, negar a Deus afasta toda possibilidade de se unir a Ele; fecha a mente a tudo o que é celeste. Quem cede à tentação de negar a Deus, se condena à existência no inferno — existência na qual, no mínimo, os seus desejos são reprimidos, senão suprimidos.
Desde que o reconhecimento de Deus é de tão vital importância ao bem-estar espiritual do homem, parece que seria altamente desejável que Deus se fizesse conhecido dos homens de tal modo que não restasse a menor possibilidade de dúvida. Entretanto, isso é contrário a toda ordem e prejudicaria, em vez de auxiliar, espiritualmente, o homem. Pois é devido às duas faculdades interdependentes, da racionalidade e da liberdade, que o homem é homem. Se a existência de Deus fosse um fato estabelecido indubitavelmente, o homem não teria motivo para exercer a sua sabedoria de escolha e, por isso, não teria também oportunidade para exercer a sua racionalidade; seria um autômato.
Sob certos aspectos, a prova de que Deus existe perde todo o valor. Isto é evidente pelo que ocorreu durante a vida do Senhor sobre a terra. A despeito de Seus milagres e ensinamentos, que claramente demonstravam ser Ele um Homem Divino, entretanto, Ele foi rejeitado e depois crucificado pelos homens. A razão disso é que a prova natural força a crer, e uma crença assim é duradoura. Logo que os meios de compulsão deixam de atuar, os homens recaem no estado anterior de dúvida e descrença.
Para que o reconhecimento de Deus seja real e duradouro, o Senhor se faz conhecido de um modo que não interfere com a liberdade e a racionalidade do homem; exigindo, ao contrário, o exercício dessas faculdades. Reconhecendo Deus livremente pela razão, o homem se torna homem no verdadeiro sentido da palavra. Antes disso é homem apenas potencialmente, porque ainda não fez pleno uso de sua racionalidade e de sua sabedoria de escolha e, conseqüentemente, ainda não tornou essas faculdades propriamente suas.
O Senhor se revela aos homens por meio da Divina Verdade. A Divina Verdade é a Palavra de que se diz que “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (João 1,1). Isto significa que a Divina Verdade é Infinita e, portanto, completamente incompreensível, o Senhor a envia, de Si Mesmo, acomodada gradativamente ao entendimento deles. Por outras palavras, a Divina Verdade procede do Senhor como a luz procede do sol e, assim procedendo, ela se reveste de formas finitas que tornam possível a sua recepção e compreensão por mentes finitas. O uso dessas formas finitas é a acomodação ou limitação da Infinidade da Divina Verdade; ou, exprimindo a mesma coisa por outro modo, as formas finitas servem para velar o brilho da Divina Verdade de modo que os homens possam percebê-la. De outra maneira, seria o mesmo que olhar para o sol com os olhos desprotegidos.
A verdade revelada é finita na forma somente. Na essência é Divina e Infinita. É essa Essência Divina e Infinita, contida nas formas finitas da verdade revelada na Palavra, que as faz Divinas, mesmo em suas formas finais. Isso é assim porque o externo é sempre qualificado pelo interno ou, em outras palavras, o continente vale pela qualidade do conteúdo. É somente quando separamos a letra da Palavra de seu espírito, isto é, quando encaramos a forma da verdade revelada em si mesma, separada de sua essência Divina, que a letra da Palavra se torna morta, tornando-se assim meramente finita.
Aí entra em exercício a racionalidade e a liberdade de escolha do homem, visto como ele pode encarar as formas da verdade revelada na Palavra, quer em conjunto com a essência contida em seu interior, quer separadas dessa essência. Neste último caso, isto é, quando o homem encara a letra da Palavra separada de sua essência, ela deixa de lhe revelar Deus; na realidade, a Palavra deixa de ser uma revelação da Divina Verdade em relação ao homem. Quer admita isso ou não, a Palavra torna-se para ele uma simples coletânea de mitos, uma descuidada narração de lendas históricas e de códigos da vida civil e moral. Tendo separado as formas da verdade de sua essência, o homem pode usá-las para confirmar qualquer crença preconcebida, por mais falsa que seja, e justificar os seus próprios males. Isto ocorre muitas vezes e com grande facilidade, como se verifica pelo grande número de crenças e religiosidades existentes no mundo. Em resumo: as formas finitas da verdade por si mesmas têm tanto valor como um corpo sem alma.
Por outro lado, o homem pode ver, por sua razão, que as formas da verdade não devem ser separadas de sua essência; que a Palavra é uma revelação de Deus, sendo Divina e verdadeira por causa do espírito que está dentro de sua letra. Em virtude desse reconhecimento, ele pode preferir crer e, portanto, aceitar as coisas reveladas na Palavra, esforçando-se por alcançar um entendimento de sua verdadeira significação. Neste caso, a Palavra revela Deus ao homem e, conseqüentemente, o caminho para o céu. Ela será então a fonte da sabedoria de que a sua fé será tirada, e não simplesmente o meio de confirmar suas próprias opiniões. Pois embora o homem receba em sua memória as formas finitas da verdade, na realidade não recebe apenas essas formas finitas, visto como as recebe qualificadas pelas verdades Divinas que elas contêm.
Quando, portanto, os conhecimentos da memória são transferidos para o entendimento devido ao esforço que o homem faz para aprender a sua significação, então a Divina Verdade, que está no interior das formas, torna-se ativa e opera a sua reforma e a sua regeneração. É por meio da atividade da Divina Verdade na mente do homem que seu grau racional é aberto, e ele alcança um entendimento cada vez mais claro da significação e relação das verdades da Palavra, e assim obtém uma convicção racional, que não admite dúvidas de que Deus existe. O homem nunca tem consciência da Divina Verdade ou de sua operação nele; pois, sendo finito, só pode ter consciência das coisas finitas; só pode ver e perceber a Divina Verdade quando contida em formas finitas. Assim, o homem nunca tem consciência de estar sendo reformado ou de estar se tornando racional, nem é necessário que tenha consciência disso.
Consideramos que o externo é sempre qualificado por sua essência interna, e que a essência interna da Palavra é a Divina Verdade, que é o Senhor, segue-se que a Palavra é uma revelação Divina; quer dizer, que a Palavra, do começo ao fim, manifesta sua qualidade Divina, revelando o Senhor ao homem. Por esta razão é freqüentemente afirmado na Doutrina Celeste que o Senhor é o assunto de toda a Palavra, e também que, no sentido interno ou supremo, a Palavra se refere somente ao Senhor e ao que Lhe diz respeito.
O homem, portanto, que se aproxima da Palavra com a mente aberta, procurando instruir-se, não pode deixar de adquirir conhecimento do Senhor, conhecimento que irá sendo aperfeiçoado se ele persistir no estudo da Palavra. Não pode deixar de ver o Senhor como um e único Deus, o Criador e Sustentador do mundo, o Redentor e Salvador dos homens, a Fonte da Vida, o Autor da Verdade, e a origem do Bem, cuja Infinidade, Onipresença, Onisciência e Onipotência fazem com que Ele seja o Alfa e o Ômega, o Começo e o Fim, o Primeiro e o Último de todas as coisas. Este conhecimento, e a compreensão do que ele envolve, não pode deixar de fazer surgir no homem um espírito de humildade, despertando nele o desejo de conformar a sua vida com a Divina Vontade, e fortalecendo a sua determinação de subjugar o seu proprium por si mesmo.
Sempre que se trata de agir sobre a consciência humana, o Senhor opera por meio de agentes humanos. Esta lei se aplica especialmente no caso da Revelação. Efetivamente, a Palavra é uma obra inteiramente Divina, pois ninguém, a não ser o Senhor, pode revelá-l’O, ou enviar a Divina Verdade de Si Mesmo. Não obstante, ao fazer isso, o Senhor usa sempre instrumentos humanos, chamados profetas e videntes, que Ele preparou para servirem de instrumento da revelação.
Na aparência, a Palavra foi escrita por homens, podendo assim ser rejeitada; na realidade, porém, nada há nela que provenha do homem. A razão disso é que aqueles por quem a Palavra foi escrita estavam, no momento, inspirados com o Espírito do Senhor. Tudo o que era propriamente deles estava reduzido a um estado de completo repouso, de modo que não podiam insinuar coisa alguma de seu proprium naquilo que estavam escrevendo inspirados pelo Senhor. Até as mínimas particularidades da Palavra, os termos usados e a forma das letras, foram determinados por Divina inspiração. Com efeito, pode-se dizer que os profetas não eram mais do que instrumentos de escrita nas mãos do Senhor.
De todos os profetas, somente Swedenborg entendia o que estava escrevendo. E isso porque a revelação feita por seu intermédio era de caráter racional. Todos os outros profetas não tinham, no momento de escrever, consciência de que eram meros instrumentos. A inspiração manifestava-se neles simplesmente como uma ânsia de escrever ou, como no caso do apóstolo João, como uma visão do espírito. “E ouvi atrás de mim uma grande voz, como de trombeta, que dizia: O que vês, escreve-o num livro, e envia-o às sete igrejas que estão na Ásia”.
A Ásia significa a Igreja, por ser o berço da raça humana e, portanto, da Igreja sobre a terra. E o número sete significa o que é pleno e completo, portanto, todas as coisas pertencentes ao que o número qualifica. Que João devia mandar o que era revelado às sete Igrejas da Ásia significa, portanto, que a Revelação da Divina Verdade é dirigida e acomodada a todos os estados da Igreja. O Senhor provê constantemente, por meio de Sua Palavra, que nunca falte o que é necessário ao bem-estar espiritual dos que pertencem à Igreja, qualquer que seja o seu estado, e que tenham com abundância tudo o que é exatamente apropriado do Senhor e à conjunção com Ele.
A Palavra leva o homem que se interessa pelas verdades da Doutrina ao bem da vida, e dá aos que estão no bem da vida a apreciação e o entendimento da verdade. A Palavra traz consolação e paz aos que estão em tentação. Faz o homem compreender que os atos externos de caridade nada são separados da fé e do genuíno amor para com o próximo. A Palavra vivifica o culto morto dos que estão sem os bens da caridade e as verdades da fé, instruindo-os nas coisas espirituais e despertando neles o desejo pelo que é bom e verdadeiro. A Palavra afasta o homem da heresia egoística da fé só, advertindo-o sobre a sua natureza destrutiva e insistindo sobre a importância da caridade e do amor. E para aqueles que são inteligentes e sábios, por terem alcançado um estado regenerado de fé e de amor, a Palavra é sempre a fonte de maior inteligência e de maior sabedoria.
Estes vários estados da Igreja, significados pelas sete igrejas da Ásia, estão presentes não apenas na Igreja em geral, mas também em cada indivíduo da Igreja que é caracterizado por eles em maior ou menor grau. Assim a Palavra não é diversamente acomodada somente para alcançar os diversos estados da Igreja, mas também para alcançar os diferentes estados do indivíduo em quem a Igreja deve ser estabelecida.
Não há parte alguma da Palavra que não seja dirigida ao homem individualmente. Na realidade, cada indivíduo necessita de toda a Palavra para que possa tornar-se um ser humano à imagem e semelhança de Deus. Quando o indivíduo compreende isso, quando compreende que cada verdade da Palavra se aplica a ele pessoalmente, e quando se esforça por entender como isso se faz, então cada verdade virá a ser para ele como o som de comando de uma trombeta, chamando-o para que saia de seus próprios males, chamando-o para a verdadeira vida, que é a vida do céu.
Amém.

•   1ª Lição:     Apocalipse 1
•   2ª Lição:     A. C. 6044