A ESFERA DIVINA
Sermão pelo Rev. N. H. Reuter


“Derramarei o meu espírito sobre toda carne”

(Joel 2, 18-28).

É bem sabido que de todas as coisas da criação emana uma esfera sutil semelhante ao corpo que a produz. Uma barra de ferro imantada emite em torno de si uma esfera magnética que se pode concretizar com um pouco de limalha de ferro. Uma porção qualquer de radium omite de si mesmo um bombardeamento constante e partículas imponderáveis. E assim acontece com todos os elementos do reino mineral. No reino vegetal um fenômeno semelhante pode ser observado. A rosa espalha suas partículas fragrantes, enchendo com elas a atmosfera que a cerca. Semelhantemente, cada ser do reino vegetal impregna o ambiente com imagens etéreas de si mesmo. Entre os animais também se verifica a mesma lei. Cada um deles tem a sua esfera ou odor peculiar que o identifica — uma espécie de projeção de si mesmo, manifestando suas qualidades características.
No homem, essa lei opera em um duplo plano, pois ele tem não apenas uma esfera física emanada de seu corpo, mas também uma esfera espiritual composta de partículas espirituais, emanadas dos órgãos de seu espírito. A esfera física afeta os sentidos do corpo, enquanto que a esfera espiritual afeta, semelhantemente, os sentidos do espírito. E a Doutrina nos ensina que as afinidades e as aversões são sentidas devido a essas esferas, constituídas, por assim dizer, de multidões de mensageiros que transmitem as nossas qualidades aos outros.
Por essa razão, os homens sentem atração ou antipatia física, não só uns pelos outros, como também por tudo mais da criação, em resultado de uma harmoniosa ou discordante recepção de tais esferas pelo mecanismo corporal preparado para senti-las. Esta recepção ou repulsão física é comum ao homem e aos animais. Mas, além disso, o homem tem, no íntimo de sua natureza, um plano orgânico mais profundo que recebe e emite uma esfera mais sutil, produzida pelos pensamentos e afeições naturais. Este é o plano do seu animus — de suas disposições naturais — e este animus também afeta os que estão perto dele por meio de uma esfera emanada de sua mente natural. Afeta-os agradável ou desagradavelmente, de acordo com a similitude ou discordância de disposições.
Alguns são mais perceptivos de tais esferas do que outros da mesma forma porque alguns são mais sensitivos aos odores do que outros; mas todo homem, a cada momento, está constantemente emitindo, de si mesmo, uma tal esfera, quer seja ou não percebida pelos outros. Que essa esfera seja perceptível, mesmo aqui na terra, independentemente do auxílio da vista ou do ouvido, vê-se pelo fato de que muitas pessoas podem, em certas ocasiões, sentir a presença de outra pessoa em uma sala, embora essa pessoa não tenha sido vista nem ouvida.
Além dessa esfera do animus, o homem pode ter uma outra ainda mais interior — a que procede de sua mente espiritual — se essa mente está aberta e organizada na forma do Céu. E a qualidade dessa esfera está de acordo com a natureza e o grau de abertura da mente espiritual e de acordo também com o caráter de sua organização celeste. Estas esferas espirituais são sempre variadas, porque uma esfera é sempre uma imagem procedente da forma de que se originou, como “uma evaporação espiritual das diversas coisas da vida” (A. C. 6571/e). É de acordo com essas esferas que se fazem todas as consorciações no outro mundo. Por causas delas os habitantes do Céu e do inferno se repelem mutuamente, resultando daí a sua separação. Segundo a maior ou menor similitude das esferas, os anjos ficam mais próximos ou mais afastados uns dos outros; e é por isso que os pares conjugais moram juntos, pois as esferas de suas vidas são conjuntivas e se atraem mutuamente.
De onde decorre essa lei das esferas tão universalmente ativas em toda a Criação? Ou, fazendo a pergunta de outra forma: como podem todas as coisas da Criação emitir esta constante corrente de esferas sem sofrer perdas ou dissipar-se afinal? A resposta a esta pergunta leva-nos à Fonte da Vida, de que todas as coisas tiram o ser e o sustento — sim, de que tiram, em última análise, as próprias substâncias de suas várias formas.
É a lei desta constante sustentação e rejuvenescimento de toda a Criação pelo Divino que está contida no sentido interno de nosso texto: “Derramarei meu espírito sobre toda carne”. Só o Divino é em si mesmo e por si mesmo; tudo mais é criado, sustentado e perpetuado por Ele. Encontramos, por conseguinte, no Senhor, a mais alta manifestação da lei nas esferas emanantes; pois a primeira emanação de Seu Divino Procedente — o Divino saindo do Seu Espírito — não repousou enquanto a Criação, descendo até ao natural, não ficou completa. E agora Ele continua a derramar o Seu Espírito para sustentar e perpetuar a obra de Suas mãos. Para esse fim emana d’Ele Infinita Esfera Divina que, em suas formas indefinidamente acomodadas, é a Nutridora do universo e de tudo o que está nele.
Como dito acima, “a Esfera Divina em suas formas indefinidamente acomodadas” porque, em si mesma, a Esfera Divina é única, contendo, entretanto, uma infinita variedade em sua Divina Unidade. À medida que desce, porém, através dos graus sucessivos da Criação e se manifesta em suas inúmeras formas, aparece como sendo variada, embora a variedade e diversidade seja uma aparência proveniente do grau, da forma e da capacidade de recepção dos entes que a recebem. Todas as coisas são um no Divino, mas aparecem como muitas na Criação; por isso se diz que a Criação é um teatro representativo de Deus.
Isso pode ser ilustrado pela luz e pelo calor procedentes do sol. Emanam como um, entretanto, os seus efeitos na Criação se manifestam com uma variedade sem fim. Nos minerais são absorvidas e transformadas em radiações, efeitos químicos, afinidades e forças. Alguns minerais tiram da luz uma certa cor, outros uma outra. Alguma coisa mais elevada é tirada dos raios do sol pelo reino vegetal, produzindo as mais variadas formas vegetativas, com reações químicas mais elevadas, com afinidades mais complexas, e podendo liberar forças mais sublimadas, como se vê nos princípios nutritivos da vegetação e também nas qualidades medicinais que possuem.
No reino animal, que inclui o corpo do homem, coisas ainda mais puras são tiradas da luz e do calor do sol, quer imediatamente, quer mediatamente por intermédio dos reinos inferiores, e são manifestados em ações físicas, em impulsos nervosos, e nas próprias qualidades animais. No calor e na luz do sol todas estas forças animais, vegetais e minerais estão presentes como um, isto é, formando uma unidade única; sendo, entretanto, vistas e manifestadas na Criação com imensa variedade, de acordo com a natureza das formas receptoras.
Podemos ter uma idéia desta esfera Divina de que foram tiradas todas as coisas criadas, e pela qual todas essas coisas são sustentadas e conservadas, lendo as seguintes passagens da Doutrina Celeste:
“A Esfera do Senhor, que é a Verdade Mesma e o Bem Mesmo, estende-se a todo o Universo, abraçando, amando, vivificando e assim arranjando tudo e cada coisa no singular” (S. D. 1847).
“Esferas universais do Senhor existem em torno d’Ele, e procedem do Sol do Mundo Espiritual no meio do qual Ele está; do Senhor por este Sol, procede uma Esfera de calor e de luz, ou, o que é a mesma coisa, uma Esfera de amor e de sabedoria para operar os fins que são os usos; mas esta Esfera, segundo os usos, tem diferentes nomes” (C. L. 386).
“É preciso ter como certo que do Senhor procede continuamente uma Esfera Divino-celeste de amor para todos os que abraçam a doutrina de Sua Igreja, e que, do mesmo modo que as crianças no mundo em relação a seu pai e a sua mãe, O obedecem, se ligam a Ele, e querem ser alimentados, isto é, ser instruídos por Ele: desta Esfera celeste nasce uma Esfera natural que é a do amor para com as criancinhas e as crianças, a qual é muito universal, e afeta não somente os homens, mas também os pássaros e os animais, até as serpentes; e não somente os seres animados, mas mesmo as coisas inanimadas; mas para que o Senhor operasse nestas, como opera nas coisas espirituais, Ele criou o Sol, para que, no Mundo Natural, ele fosse como um Pai, e a Terra como uma mãe; pois o Sol é como o Pai comum, e a Terra como a Mãe comum, pelo casamento dos quais existem todas as germinações que embelezam a superfície do globo; pelo influxo desta Esfera celeste no Mundo Natural existem estas admiráveis progressões das vegetações pela semente até aos frutos e a novas sementes: daí vem também que há vários gêneros de arbustos que durante o dia voltam, por assim dizer, suas faces para o sol, e se desviram logo que o sol se deita: daí vem ainda que haja flores que se abrem ao levantar do sol, e que se fecham ao pôr do sol: é também por isso que os pássaros cantam deliciosamente à primeira aurora, e semelhantemente depois de terem recebido o alimento da Terra, sua Mãe; assim uns e outros honram seu pai e sua mãe; estão aí outros tantos testemunhos de que o Senhor, pelo Sol e pela Terra, provê no Mundo Natural a todas as necessidades dos seres vivos e não-vivos; é por isso que se diz em Davi ‘Louvai Jeová dos Céus; louvai-O, Sol e Lua; louvai-O da terra, baleias e abismos; louvai-O, árvore frutífera e todos os cedros; animal e toda besta, réptil e pássaro alado; Reis da terra, e todos os povos, moços e moças’ (Salmo 148,2-12). E em Jó: ‘Interroga, eu te peço, as bestas, e elas te ensinarão, ou os pássaros do céu, e eles t’o anunciarão, ou o arbusto da terra, e ele te instruirá, e os peixes do mar t’o contarão; quem não conhece por todos eles, que a mão de Jeová fez isso?’ (Jó 12,7-9); interroga e eles te ensinarão, significa encarar, prestar atenção, e julgar segundo essas coisas, que foi o Senhor Jeová que as criou” (T. R. C. 308).
O Senhor, realmente, é o Centro de onde emanam todas as bênçãos. A essência do Seu amor é amar outros fora de Si Mesmo, desejar ser um com eles, e torná-los felizes por toda a eternidade. Para esse fim, Ele criou os homens e todo o universo onde pode instruí-los e guiá-los para Ele. Pois a Esfera Divina é semelhante a uma grande corrente que flui do Senhor e volta para Ele, elevando os homens em seu seio para o reino da paz e da alegria eterna. Como o ímã dispõe as partículas de ferro na corrente de sua esfera, de pólo a pólo, assim também o Senhor dispõe o universo, criando um caminho d’Ele para Ele. Em um extremo do pólo da existência nós O vemos como Criador e Sustentador, de quem procedemos; no outro extremo nós O vemos como Redentor e Salvador a quem nos podemos dirigir. No círculo de Seu amor, que tudo abraça, Ele é o Doador da vida e também o receptor das almas humanas. Pois a Doutrina nos ensina que
“Há na verdade uma Esfera pela qual todos são elevados para o Céu; ela procede continuamente do Senhor, e enche todo o Mundo Espiritual e todo o Mundo Natural; é como forte corrente no oceano que, sem que o saibamos, arrasta o navio; todos os que crêem no Senhor, e vivem segundo os Seus preceitos, entram nesta esfera ou corrente, e são elevados a Ele” (T. R. C. 652/2).
Aqueles que sabem isso, aqueles que vêem isso com suas mentes e corações, não têm necessidade de procurar razões externas para serem agradecidos ao Senhor. Eles percebem que tudo provém do Senhor; que Ele nos apanha como pó da terra na corrente do Seu amor e nos dá a faculdade de sentir a vida como se fosse propriamente nossa. Por isso homem algum pode jamais ser suficientemente agradecido ao Senhor. A percepção interna desta verdade torna sincero o nosso louvor e nos enche de gratidão, fazendo cantar, então:
“Oh Senhor, Teu amor descendo através das esferas celestes,
Com bênçãos que enchem toda vida criada;
Derramando, incessantemente, em imensurável plenitude,
Seus perfeitos dons proclamam Tua santa vontade.
Teus anjos voltam-se para Ti, como as flores para o sol,
E todo seu ser de Teu amor recebem;
E seus corações vivificados estremecem ao seu influxo
Com novas sensações do que Teu amor realiza.
Ele molda a disforme argila em formas de beleza;
Como o Céu, sentem a glória dourar o firmamento à tarde;
As miríades de vozes da Criação Te reconhecem
Como a única Fonte do amor, oh! Tu, o Altíssimo”.
Amém.

Lições:   • Isaías 44, 1-17
• Apocalipse 19
• V. R. C. 308