A DESPREOCUPAÇÃO HUMANA


Sermão pelo Rev. João de Mendonça Lima


“E quanto ao homem, os seus dias são como a erva, como a flor do campo assim floresce. Passando por ela o vento, logo se vai, e o seu lugar não será mais conhecido.”

(Salmo 103, 15-16)


Vivemos neste mundo como se aqui tivéssemos que permanecer para sempre, preocupados unicamente com as coisas terrenas. Só estas têm valor para nós. A constante preocupação que temos pelo futuro, restringe-se ao limitado futuro de nossa existência atual, como se não existisse o ilimitado porvir da vida que começa logo depois da morte.
Os pais, cuidando da educação dos filhos têm em mente a sua preparação para alcançar posições que lhes garantam uma vida isenta de privações; mas a vida em que pensam é apenas a vida transitória que termina com o perecimento do corpo físico. Quando chega o momento de cuidar do casamento de uma filha, empenham-se para conseguir o que chamam um partido vantajoso, isto é, um marido cuja situação lhe assegure um futuro livre de cuidados materiais e, se possível, a abastança e as elevadas posições sociais, não importando quais sejam as condições espirituais desse “bom partido”.
Os rapazes, por sua vez, quando pensam no futuro é apenas com a preocupação de conseguir uma vida folgada neste mundo. Cobiçam a riqueza, os cargos de projeção, as dignidades, a fama, a popularidade, não com o intuito de utilizar essas vantagens em proveito da comunidade, mas exclusivamente para ter um futuro brilhante e gozar os prazeres do mundo. Os ricos e os poderosos não têm outra preocupação que não seja conservar e aumentar a sua riqueza e o seu poder. Os pobres vivem no anseio constante de sair de sua pobreza para gozar pelo menos um pouco dos prazeres que tanto invejam quando observam a vida dos que não sofrem as suas privações.
De manhã à noite, a preocupação de todos nós — com raras exceções — é a vida no mundo, a posição no mundo, o futuro que teremos no mundo, os prazeres do mundo, a situação da família no mundo; o mundo, sempre o mundo como objetivo único de todos os nossos sentimentos, pensamentos e atos! E, no entanto, basta abrir um jornal para nos certificarmos do quanto é precária, transitória e sem garantias a nossa existência terrena. As guerras, as revoluções, as desordens, os terremotos, as tempestades, os desastres de estrada de ferro, de avião e de automóvel, os naufrágios, os acidentes de toda espécie, as moléstias e as mortes súbitas; todas essas vicissitudes, cujas notícias enchem as páginas dos jornais, são outras tantas causas do desaparecimento cotidiano de inúmeras criaturas que daqui partem para a vida eterna nas mais variadas condições de idade, de saúde, de posição, de riqueza, de miséria, de poder ou de obscuridade.
A morte, ceifando as vidas humanas, não mostra a menor predileção por qualquer dessas condições mundanas. Tanto se morre na mais extrema velhice, como na maturidade, na mocidade, na infância e até mesmo no próprio momento de ingressar neste mundo. Tanto morre o pobre, o miserável, como rico e o mais poderoso potentado. Tanto se morre depois de termos — como nos parece — cumprido a nossa missão na terra, como no pleno fastígio de nossas atividades em posições de direção ou de mando, onde a nossa falta pode causar as mais graves perturbações no meio em que vivemos. Tanto se morre depois de uma doença prolongada e grave, como em estado de perfeita saúde. Tanto morre o pai que, desaparecendo, deixa a família na miséria, como o indivíduo solitário e inútil cuja morte ninguém sente. Por tudo isso, a sabedoria popular afirma que a única condição necessária para se morrer é estar vivo.
A Palavra faz freqüentes referencias à incerteza da hora em que deveremos comparecer perante o Julgamento Supremo para dar conta do que fizemos sobre a terra. “Enquanto ao homem, os seus dias são como a erva, como a flor do campo assim floresce. Passando por ela, o vento logo se vai, e o seu lugar não será mais conhecido”. No 24º capítulo de Mateus, versículos 36 e 42, encontramos ensinamentos ainda mais claros sobre a precariedade de nossa permanência neste mundo: “Daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, mas unicamente meu Pai. Vigiais, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor”. Marcos, repetindo os ensinamentos de Mateus, nos diz: “Daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai. Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o senhor da casa; se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã” (Cap. 13, 32 e 35). Lucas, nos versículos 19 a 21 do capítulo 12, nos faz ver a loucura dos que só cuidam dos bens materiais de que podem ser despojados a qualquer instante: “E direi à minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. Porém Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado para quem será? Assim é o que ajunta tesouros e não é rico para com Deus”.
E com todas essas provas da instabilidade de nossa situação no mundo — provas que estão constantemente diante de nossos olhos —, com todas essas provas evidentes de que a cada momento pode chegar para nós a hora da partida para a vida eterna, para um mundo em que teremos que viver, não apenas algumas dezenas de anos, mas séculos e séculos, sucedendo-se indefinidamente pela eternidade afora; com todas essas provas — repetimos — não temos a menor preocupação de reservar pelo menos alguns minutos por dia para pensar na sorte que teremos quando chegar o momento fatal — o momento que chegará infalivelmente para cada um de nós —, o momento supremo de nossa vida terrestre que tem a aterradora denominação de “morte”!
Sabendo que a nossa partida para o outro mundo é absolutamente certa e pode se dar a qualquer instante, entretanto, não queremos pensar nisso! É verdadeiramente incompreensível a nossa despreocupação pelas coisas eternas quando tanto nos preocupamos com as coisas transitórias. Temos o máximo empenho em alcançar uma vida confortável e segura nos poucos anos que passaremos neste mundo e, no entanto, não queremos despender o menor esforço para nos assegurar uma boa situação na outra vida que, uma vez começada, não terá mais fim!
Quando vamos viajar para um país que ainda não conhecemos, procuramos com todo empenho e com a maior antecedência possível, tomar minuciosas informações sobre as condições de vida nesse país, para nos prepararmos convenientemente de modo a evitar surpresas desagradáveis e as dificuldades e os perigos a que poderíamos nos expor se lá chegássemos sem os elementos indispensáveis à nossa permanência nessa terra estranha. No entanto, quando se trata da viagem definitiva, não para um outro país, de onde poderemos regressar quando quisermos ou nos for permitido, mas para um outro mundo, onde teremos que viver eternamente, não sentimos o menos interesse pelo preparo indispensável para que tenhamos uma situação feliz nesse mundo; vivemos despreocupadamente a esse respeito como se esta viagem não fosse um imperativo absoluto a que não podemos fugir; viagem de que jamais regressaremos.
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Antes de examinarmos as causas dessa insólita e absurda despreocupação, convém deixar bem claro que não há mal algum em nos preocuparmos com o nosso bem estar, o nosso conforto, a nossa segurança na vida transitória e limitada que teremos neste mundo. Não há mal algum em querermos gozar os prazeres do mundo e nos esforçarmos por evitar os sofrimentos e privações que tanto afligem os homens na terra. O mal está no exclusivismo dessas preocupações; o mal está em que, preocupando-se com as coisas transitórias, nos deixemos por tal modo absorver por essas preocupações que não nos sobra tempo algum para pensarmos nas coisas definitivas e eternas da outra vida.
De onde provém essa completa absorção pelas coisas materiais? Quais as causas desse erro fatal? A causa primordial é, sem dúvida, o predomínio do amor de si e do amor do mundo, os quais, dominando a nossa vontade e obscurecendo o nosso entendimento, nos tiram o gosto pelas coisas espirituais e não nos deixam enxergar além do horizonte limitado da matéria.
O amor de si e o amor do mundo são as fontes infernais de onde decorrem todos os males do homem. Enquanto não os tivermos dominado pela regeneração, eles continuarão a nos afastar de tudo que é espiritual, não nos deixando ver o absurdo de concentrarmos todas as nossas atividades na luta pela felicidade transitória deste mundo quando o nosso verdadeiro interesse está em alcançarmos a felicidade eterna que só se encontra no plano espiritual.
O amor de si nos leva a considerar o nosso eu como o centro do universo, em torno do qual queremos que gravitem tanto as pessoas como as coisas que nos cercam. O amor do mundo nos conduz ao gozo dos prazeres mundanos com exclusão de qualquer consideração de ordem espiritual; resultando daí o abuso e a perversão desses prazeres que vão se tornando cada vez mais grosseiros até se transformarem em gozos puramente sensuais e corporais.
O egoísmo, o orgulho, a vaidade, o amor da dominação, o assassínio, o ódio, a irascibilidade, a maledicência, a calúnia, são outras tantas modalidades ou descendência do amor de si. O adultério, a concupiscência, a luxúria, a depravação do gosto e dos costumes, o roubo, a hipocrisia, a infidelidade, o ciúme, o desassossego, a inquietação pelo dia de amanhã, a falsidade, o vício da embriaguez, a paixão do jogo, o vício dos entorpecentes, a gula, são manifestações mais ou menos graves do amor do mundo.
Qualquer dos males acima enumerados traz como primeira conseqüência o obscurecimento de nossa visão espiritual e o desgosto por tudo que a eles se opõe. De modo que o interesse pelas coisas espirituais e o amor pela verdade só podem despertar em nós depois que tivermos vencido esses inimigos de nossa vida espiritual. É a existência daqueles males largamente difundidos no mundo que explica a despreocupação humana por tudo que diz respeito à vida futura. O remédio para essa doença mortal do espírito é o estudo da Palavra, tanto do Antigo e do Novo Testamento como, especialmente, a do Novíssimo Testamento, constituído pelas obras da Doutrina Celeste da Nova Igreja.
É só pelo estudo da Verdade e por um sincero desejo de mudar de vida, cumprindo em nossa conduta os mandamentos da Lei de Deus, que poderemos chegar a vencer os nossos males e sair desse estado de verdadeira inconsciência ou apatia espiritual em que perigosamente nos encontramos. A Doutrina nos ensina, entretanto, que por nós mesmos, somos incapazes de lutar contra o mal porque ele constitui, por assim dizer, a própria essência do nosso eu; mas nos ensina também que, apelando para o Senhor com sinceridade e persistência, Ele nos dá a força necessária para alcançarmos a vitória e, com ela, a nossa libertação espiritual. Essa força Ele nos dá através das verdades que se encontram em Sua Palavra. É aí que devemos ir buscar as armas com que conseguiremos destruir os inimigos de nossa alma; é aí que encontraremos a luz que curará a nossa cegueira espiritual e que nos fará ver o absurdo e o perigo da situação a que fomos conduzidos pelos males do amor de si e do amor do mundo, com a preocupação exclusiva pelas coisas materiais e o completo esquecimento das coisas espirituais.
A Palavra nos ensina que podemos ser chamados para o outro mundo a qualquer instante e que, por isso, precisamos estar constantemente vigilantes para que não sejamos apanhados de surpresa, isto é, sem a conveniente preparação para a vida eterna. Essa preparação se faz pela luta contra o mal à luz das verdades que devemos procurar frequentemente.
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Nós, que nos julgamos membros da Nova Igreja e que temos a ventura de conhecer a sua Doutrina Celeste, podemos imaginar que estamos isentos dessa pecha de despreocupação pelas coisas espirituais. Infelizmente, porém, assim não acontece. Nós também, seduzidos pelos prazeres do mundo, temos a tendência para esquecer frequentemente a existência da vida futura e nos deixar absorver pelas preocupações mundanas. Qual de nós poderá afirmar, em sã consciência, que jamais se deixou arrastar pelo caminho do mal, depois de ter conhecido as verdades da Nova Igreja?
O perigo não está tanto no desconhecimento da verdade como na sedução dos prazeres do mal. Esses prazeres é que constituem a maior ameaça à nossa vida espiritual pelo seu poder de sedução e pela força irresistível dos gozos que proporcionam. A força do mal está exatamente no prazer que o acompanha.
Vejam o jogador inveterado que se deixou arruinar pouco a pouco, queimando no fogo dessa paixão a sua honra, a sua dignidade, o seu futuro e, o que é pior, o futuro de sua família, dominado pelo prazer infernal que acompanha esse vício; prazer tão forte, tão poderoso que faz o viciado esquecer tudo mais e o leva ao suicídio quando descobre que não dispõe mais de recursos para continuar a gozá-lo.
Vejam o adúltero inveterado que, dominado pelo irresistível prazer do mais infernal de todos os males, que é o amor do adultério, esquece a esposa, os filhos, o respeito à sociedade e aos mandamentos do Senhor, e se atira a uma vida dissoluta. Começa por destruir o seu próprio lar e prossegue destruindo outros lares, semeando a infelicidade e a desgraça, até encontrar a morte física em uma aventura mal sucedida e a morte espiritual ao entrar no outro mundo.
Vejam o ébrio habitual que, dominado pelo prazer da embriaguez, vai de queda em queda, descendo todos os degraus da abjeção humana, sacrificando àquele prazer tudo que prezava antes de cair nesse abismo.
Vejam o governante empolgado pelo prazer do amor da dominação. Ele sacrifica no altar desse prazer a vida dos seus concidadãos e a dos filhos dos países fizinhos contra os quais se atira em implacáveis guerras e conquistas matando, ferindo, desgraçando milhões de criaturas humanas, e destruindo, incendiando, pilhando as suas riquezas, os seus lares, as suas obras de arte sem a menor sombra de remorso e sem pensar que de um momento para outro será chamado pelo Senhor para prestar contas dos malefícios que espalhou para satisfação única do prazer diabólico que o empolgou.
Os exemplos acima, que poderiam ser multiplicados indefinidamente, são suficientes para nos convencer de que o prazer do mal é a maior ameaça que pesa sobre a nossa vida espiritual; sobre a vida espiritual de todos os homens, inclusive aqueles que se abriram dentro das poderosas muralhas da Cidade Santa, a Nova Jerusalém, a Nova Igreja do Senhor.
Sim, nós também temos os nossos males ainda não vencidos e estamos, por isso, sujeitos à infestação, à sedução dos seus prazeres. Só uma vigilância muito constante e um apelo muito sincero e muito veemente à proteção do Senhor, é que poderá nos preservar de recairmos na prática do mal, levados pelo encantamento de seus prazeres infernais.
Ponhamos, pois, à parte, todo o orgulho, toda a vaidade de nos considerarmos acima do poder do mal e supliquemos humildemente ao Senhor que não nos “induza em tentação, mas nos livre do mal, porque Seu é o Reino, o Poder e a Glória para sempre”. E tenhamos bem presente a admoestação que Ele nos faz nos versículos 34 a 36 do 21º capítulo de Lucas:
“E olhai por vós, não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, embriaguez, e dos cuidados desta vida, e venha sobre vós de improviso aquele dia. Porque virá como um laço sobre todos os que habitam sobre a face da terra. Vigiais pois em todo o tempo, orando, para que sejais havidos por dignos de evitar todas estas coisas que hão de acontecer, e de estar em pé diante do Filho do homem”.
Amém.


•   1ª Lição:     Salmo 103
•   2ª Lição:     Mateus 24, 36-44
•   3ª Lição:     Lucas 21, 34-36