A CAPTURA DE HAI


Sermão pelo Rev. Gilbert H. Smith


“Então disse o Senhor a Josué: Não temas, e não te espantes: toma contigo toda a gente de guerra, e levanta-te, sobe a Hai, olha que te tenho dado na tua mão o rei de Hai, e o seu povo, e a sua cidade, e a sua terra. Farás pois a Hai, e a seu rei, como fizeste a Jericó, e a seu rei: salvo que para vós saqueareis os seus despojos, e o seu gado.” (Josué 8, 1-2).

Depois da miraculosa destruição da cidade de Jericó, o livro de Josué descreve os esforços dos filhos de Israel para capturar a cidade de Hai. Há Verdades Divinas nessas narrações históricas do Velho Testamento, as quais quando convenientemente entendidas, nos ajudam a compreender a verdadeira ordem, a descobrir as falsidades e a aprender a sabedoria do Senhor. Nesses assuntos históricos há coisas que servem para guiar a Igreja.
Hai não foi tomada tão facilmente como Jericó. Não era possível tomá-la com uma simples marcha ao redor dela, tocando trombetas. Houve duas tentativas para tomar Hai; a primeira fracassou completamente, e a segundo só teve pleno êxito graças ao estratagema que foi empregado. Os Israelitas atraíram os defensores para fora da cidade e depois a invadiram e queimaram.
A primeira tentativa foi mal sucedida porque um certo homem chamado Acã, da tribo de Judá, tinha “trespassado o anátema” — tinha roubado dos despojos de Jericó uma boa capa babilônica que lhe despertou a cobiça e também duzentos ciclos de prata e uma cunha de ouro. Em vez de entregar essas coisas para o tesouro do Senhor, ele as tinha escondido em sua tenda; dando assim lugar à derrota dos israelitas na sua primeira investida contra Hai. Embora só Acã fosse culpado, entretanto todo Israel sofreu as conseqüências de sua culpa. Só depois que o criminoso foi descoberto pela sorte e apedrejado no vale de Acor até morrer, é que Josué pôde recomeçar a luta e vencer Hai.
Por ocasião do primeiro ataque, os homens a quem Josué tinha mandado em reconhecimento, persuadiram-no, confiantemente, de que dois ou três mil homens seriam suficientes para tomar a cidade, não sendo necessário, portanto, fazer todo o povo suportar os incômodos da batalha. O resultado foi que os homens de Hai repeliram os assaltantes e mataram muitos deles. Diante desse fracasso, Josué rasgou as suas vestes e prostrou-se por terra, queixando-se ao Senhor. Então o Senhor o repreendeu, dizendo-lhe: “Há anátema no meio de ti, ó Israel; tu não podes subsistir diante dos teus inimigos, até que tenhas tirado o anátema do meio de ti”.
O que é significado pelo “anátema” sem cujo afastamento a Igreja não pode manter-se contra seus inimigos?
Depois de Acã ter sido castigado, o Senhor instruiu Josué a fazer emboscadas contra a cidade que, depois de tomada, devia ser tratada como Jericó já o tinha sido. Então Josué colocou grupos de homens ao norte e a oeste da cidade, ficando ele, toda a noite, com outro grupo no vale fronteiro a ela. Pela manhã, o rei de Hai saiu com os seus homens para atacar este grupo e Josué procedeu então como se estivesse batido e fugiu para o deserto, sendo perseguido por todos os homens de Hai, que deixaram a cidade aberta. Então, Josué fazendo o sinal combinado, estendeu a lança para a cidade, e as emboscadas que estavam perto, se levantaram e a tomaram, incendiando-a em seguida. Desta forma o rei de Hai e a sua tropa ficaram com a retirada cortada e cercados pelos israelitas, pois o grupo que tinha simulado fugir também se voltou contra eles. Todos os homens de Hai foram assim destruídos, sendo o seu rei enforcado e depois sepultado sob um montão de pedras.
Em resumo, a história é esta: do despojo de Jericó, Acã tomou algumas coisas para si, deixando de entregá-las para o tesouro de Israel como devia; por causa da sonegação deste “anátema”, Israel foi derrotado pelos homens de Hai no primeiro ataque que confiantemente lhe fizeram; depois Acã foi apedrejado até a morte e Hai pôde ser tomada mediante o estratagema descrito. Qual o significado de tudo isso em relação à Igreja do Senhor que está em nós?
Primeiro, lembremo-nos de que Jericó representava uma vida profana, isto é, uma vida má, que só podia ser destruída por meio da recepção das verdades espirituais do Senhor e por uma completa instrução nessas verdades; enquanto que Hai representa o conhecimento das coisas mundanas.
Hai é muitas vezes mencionada conjuntamente com Bethel. Bethel e Hai, quando são citadas juntas, significam respectivamente o conhecimento das coisas espirituais e das coisas mundanas. Por isso se diz que Abraão acampou em uma posição entre Bethel e Hai (A. C. 1453 e 1557). E na lição que temos diante de nós se diz que Josué acampou no cale entre Bethel e Hai (cap. 8, 9). Assim, a preparação para a tomada de Jericó significa também a instrução nas verdades espirituais, ao passo que a preparação para a tomada de Hai significa a instrução nas coisas mundanas.
O acampamento de Abraão entre Bethel e Hai representa um dos estados de glorificação do Senhor, ao passo que o acampamento de Israel sob a direção de Josué na mesma posição representa um dos estados da Igreja. Compreende-se agora a razão porque Israel venceu primeiro Jericó, e só depois é que investiu contra Hai. Essa razão é a seguinte: o homem deve receber primeiro a instrução sobre as coisas espirituais para que possa depois fazer distinção entre as coisas do céu e as coisas do mundo. Antes de ter obtido o conhecimento das coisas espirituais, isto é, um conhecimento espiritual mais interno, não pode como dizem os Escritos, “dispersar as coisas mundanas”. A tomada de Hai representa a destruição das coisas mundanas no homem da Igreja. Mas o que vem a ser essa destruição das coisas mundanas?
Dizer que as coisas mundanas devem ser dispersas ou destruídas, é uma expressão muito geral, cuja significação não é bem compreendida. Precisamos saber o que são essas coisas mundanas representadas por Hai. Daremos mais um passo para compreender o que é significado por Hai se em vez de “coisas mundanas” dissermos “sabedoria mundana”. É isso que precisa ser destruído ou dispersado por aqueles que são verdadeiramente de Israel, isto é, da Igreja.
A sabedoria mundana é aquilo que os homens fazem uso para se confirmar nos males da vida. Jericó, enquanto ainda estava nas mãos dos habitantes de Canaã, representava a vida de profanação do bem; Hai, nas mesmas condições, significava a sabedoria humana com que tal vida é confirmada, ou a sabedoria que os homens usam para justificar os seus males. Esta cidade também deve ser tomada e destruída, como Jericó o foi; mas esta tarefa é muito mais difícil. É uma tarefa que nunca será bem sucedida se for tentada, confiando nas próprias forças. Os espiões que Josué mandou para observar Hai tinham lhe dito que dois ou três mil homens podiam tomar essa cidade facilmente; entretanto, agindo de acordo com essa informação, ele teve um amargo desapontamento. O seu primeiro ataque falhou inteiramente. Foi necessário, como o Senhor então lhe disse, destruir primeiro o anátema que havia no meio de Israel para que este pudesse depois enfrentar os seus inimigos. Precisamos saber o que é significado por este “anátema” que Acã tinha tomado para si — a capa babilônica, os ciclos de prata e a cunha de ouro.
Tenhamos bem presentes todos os fatos da narrativa. “Anátema” era tomar para si alguma coisa dos despojos de Jericó. Em relação aos despojos de Hai, porém, foi expressamente declarado que os israelitas podiam se apropriar deles. O povo podia enriquecer-se com a abundância do gado de Hai; era, porém, considerado “anátema” apoderar-se de qualquer coisa dos despojos de Jericó.
Os homens não podem reclamar como sendo propriamente seu qualquer conhecimento das coisas do céu, mas podem reivindicar para si mesmos os conhecimentos das coisas mundanas. O conhecimento das coisas mundanas é realmente absolutamente necessário ao progresso e desenvolvimento da Igreja; há, entretanto, uma espécie de conhecimento mundano, ou uma espécie de sabedoria mundana, que destrói a vida do céu e por isso deve ser destruída. Assim devia acontecer à cidade de Hai que, enquanto estava em poder dos habitantes de Canaã, representava a sabedoria mundana destrutiva da vida do céu. Depois dela vencida, entretanto, os seus despojos significavam os conhecimentos das coisas mundanas que são necessárias à vida da Igreja. Os homens espirituais precisam ter conhecimento do mundo, mas devem destruir em si a sabedoria meramente mundana.
O anátema — o pecado cometido por Acã — representa um furto espiritual. E furto espiritual é, na prática, o desprezo dos conhecimentos espirituais que nos foram dados na infância e dos ensinamentos da Palavra que recebemos depois de crescidos, embora continuemos a declarar que cremos neles. É dessa forma que a inocência da infância é destruída. O conhecimento das coisas celestes e o inocente prazer infantil de obedecer aos princípios espirituais que todos os homens aprendem no começo de sua vida são riquezas e posses espirituais, ainda que estejam na mente natural. Mas se mais tarde o homem permite que esses princípios espirituais sejam infringidos e, por fim, esquecidos ou negados por motivos egoísticos, então ele está furtando o que pertence ao Senhor.
O Senhor dá a todos nós, na infância, um seguro e ativo prazer no conhecimento dos princípios espirituais. Gostamos de aprender coisas espirituais e sentimos prazer em fazê-las. Tomemos como exemplo o prazer da generosidade. Não há um rapaz normal que não seja generoso. Assim também o prazer de servir ou de trabalhar para atingir algum ideal elevado. Não há um rapaz normal que não tenha alguma coisa dessa lealdade a um nobre ideal. Mas se o prazer da satisfação própria, oposto a esses ideais — o prazer de adquirir bens para si mesmo ou o prazer de exceder os outros — encontra apoio, então ele entra na morada de nossa mente natural como um ladrão arrombando uma casa. O rapaz que assim se deixa arrastar para o mal, continua, entretanto, por causa da própria reputação ou para escapar à punição, a professar os ideais espirituais e a manter uma vida aparente isenta de egoísmo.
É isto, em resumo, uma ilustração do que é significado pelo pecado de Acã tomando o anátema. É esta profanação que é representada pelos habitantes de Jericó. Por ela a inocência, que é a crença infantil nos conhecimentos espirituais, é roubada da mente natural, quando, entretanto, o Senhor a proveu com o intuito de que ela fosse posteriormente enriquecida. A capa babilônica, os ciclos de prata e a cunha de ouro, que Acã escondeu em sua tenda, representam riquezas espirituais em que os homens confessam crer, mas que, na realidade, eles roubam ao Senhor e empregam para progredir no mundo ou como meios para obter prazeres que são maus. É isto que primeiramente deve ser condenado na mente daqueles que são do verdadeiro Israel, isto é, da Igreja, para que a fortaleza do inimigo da vida espiritual, que é representada pela cidade de Hai, possa ser tomada.
O Senhor disse a Josué que desenraizasse esse roubo espiritual do meio de Israel; pois de outro modo Hai não seria tomada. A inocência da infância precisa ser restaurada e mantida durante toda a vida. “A não ser que vos torneis como criancinhas, não entrareis no reino de Deus”. Sem que a crença infantil nas coisas que o Senhor revelou seja restabelecida, e sem que readquiramos aquela ávida docilidade que possuíamos quando fomos instruídos pela primeira vez nas coisas do céu, quando ainda éramos crianças, não poderemos resistir aos inimigos de nossa vida espiritual, especialmente aos raciocínios da sabedoria mundana.
Por que é a sabedoria mundana e o mau uso dos conhecimentos das coisas mundanas que nos preparam para ser astutos, ladinos e espertos, continuando a falar bem das coisas espirituais e nos esforçando por parecer corretos a respeito de tudo. Vemos assim que é um mal muito interior, ou antes, um princípio falso muito sutil, o que é representado por Hai. E essa espécie de conhecimento mundano não pode ser dissipada em nós se nos permitimos gozar prazeres que infringem a clara doutrina da Igreja.
Os homens de Hai são aqueles que formam todas as suas opiniões e todos os seus princípios de vida pelos seus conhecimentos do mundo, pela sua ciência, pelas aparências da verdade. Para eles o conhecimento das coisas do céu não é científico; a vida futura é apenas uma especulação; direito ou torto é somente o que pode beneficiar ou prejudicar a saúde ou o seu bem estar físico. Para eles a única espécie de restrições a que se devem sujeitar são as restrições legais e o temor de perder a reputação. Suas mentes são fechadas para os conhecimentos do céu que só podem ser obtidos pela Divina Revelação. As mentes dessa espécie estão destinadas à destruição espiritual. Nelas as sementes da doutrina celeste são abafadas e se tornam infrutíferas por causa dos “cuidados do mundo e da sedução das riquezas”.
Mas assim como Josué se retirou diante de Hai e procedeu como se Israel estivesse fugindo derrotado, assim também sempre parece aos que estão na sabedoria mundana, que a vida dos que se constrangem por motivos espirituais ou porque a Divina Revelação o ensina, é uma luta perdida. Para eles isso é idealismo impraticável; vai de encontro às inclinações humanas e aos métodos do mundo. Uma vida de obediência infantil às coisas que aprendemos da Palavra na infância, e as coisas que podemos aprender mais tarde, pelo sentido espiritual da Palavra, parece roubar ao homem algumas de suas oportunidades para alcançar sucessos e prazeres mundanos.
Foi por isso que Josué agiu como se estivesse derrotado, conseguindo assim tirar os homens de Hai de sua fortaleza e cercá-los depois com os que tinha colocado em emboscada. A lança de Josué foi apontada para Hai e então os homens que estavam escondidos se levantaram e cercaram os defensores da cidade. A lança de Josué, como a vara de Moisés, representa a Divina Verdade da Revelação da Palavra. Conservá-la apontada para Hai significa que esta Verdade está sempre dirigida contra aquela espécie de sabedoria e de ciência mundanas que deixa inteiramente de lado as leis da vida espiritual.
Lembrando-nos de que Josué representa o Senhor, podemos ver que o Senhor conduz os homens para fora da sabedoria mundana por uma espécie de Divino estratagema ou “ficando em emboscada”. Ele concede aos homens a liberdade de lutar contra os princípios e idéias celestes; permite-lhes agir de acordo com seus princípios mundanos e egoístas; contudo, durante todo o tempo, Ele os cerca com as verdades espirituais da Palavra, que são os filhos de Israel permanecendo em emboscada, até que os homens comecem a ver o estado desesperado produzido pelos conhecimentos do mundo apenas e a sentir o poder real dos conhecimentos celestes aplicados à vida.
Assim a lição geral contida na narração do combate engajado por Josué para a destruição de Hai, é esta: tomar o anátema é fazer uso dos conhecimentos espirituais como uma simples confissão externa, mas viver uma vida que contradiz e desmente esses conhecimentos, o que torna impossível para o homem dispersar ou remover os princípios da sabedoria mundana que lutam contra a Igreja como o rei de Hai lutou contra Israel.
Mas o Senhor dá ao homem poder sobre a sabedoria mundana, sobre os expedientes e oportunismos do mundo, se ele puser sua confiança, não em si mesmo, mas, ao contrário, voltar à crença infantil na absoluta necessidade de praticar os conhecimentos que descem do céu, na absoluta necessidade de não entregar-se a prazer algum que o conduza para fora do cumprimento dos Mandamentos do Senhor, na letra e no espírito.
Amém.

Lições:   • Josué 8
• Josué 8, 1-29
• A. C. 1557

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•  New Church Life, Fevereiro de 1928.
Trad. em 15.02.1943.
    Preg. em 11.04.1943 e 02.03.1947.